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FUNDAÇÕES TÊM DE SER MAIS TRANSPARENTES,  Público, 16/6/00

 

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Secretário de Estado da Administração Interna, Luís Patrão, ao PÚBLICO
Fundações Têm de Ser Mais Transparentes

Por ISABEL BRAGA
Público, Sexta-feira, 16 de Junho de 2000

O Governo não tem pressa em reconhecer a Fundação Jorge Álvares. O reconhecimento como fundação é um aval do Estado e há que decidir com todos os dados na mão. A opinião é do secretário de Estado da Administração Interna, Luís Patrão, que tutela a área das fundações. Mas vai avisando: as fundações públicas têm de ter um regime jurídico mais claro e as privadas têm de ser mais abertas.

FotoO secretário de Estado da Administração Interna, num encontro em Maio, na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), afirmou que era preciso pôr ordem no universo das fundações portuguesas, cujo número quase duplicou nos últimos anos. O PÚBLICO entrevistou Luís Patrão a propósito das fundações em geral e de alguns casos concretos, como o da Fundação Jorge Álvares, cujo processo de reconhecimento está nas suas mãos, e da Fundação Stanley Ho, que o Governo anterior reconheceu mas não tem actividade conhecida.

PÚBLICO - A que atribui a apetência repentina por fundações verificada em Portugal?

LUÍS PATRÃO - Não houve alterações legais, portanto não terá sido a lei a criar apetências para as fundações. Julgo que se deve atribuir o aumento do seu número ao facto de serem instituições respeitadas. Há um nome e um prestígio social que são o principal cartão de visita de uma fundação.

P. - Pensa sinceramente que as fundações têm bom nome em Portugal?

R. - As fundações, como instituição, têm um bom nome a nível internacional. É esse prestígio social que não queremos ver desaparecer.

P. - O modelo de fundação é procurado mais para obter facilidades fiscais ou por razões de prestígio social?

R. - As fundações em si mesmas não são propriamente um meio para fugir a impostos. Se estiverem dotadas do reconhecimento e, sobretudo, do estatuto de utilidade pública, por um lado, e se, por outro lado, forem usadas como instrumento de perseguir fins para além da morte do respectivo fundador, são tratadas de forma mais benévola, aqui e no resto do mundo.

P. - O que é preciso para obter o estatuto de utilidade pública?

R. - O estatuto de utilidade pública não é exclusivo das fundações, pode ser requerido por qualquer entidade do âmbito associativo, ao fim de cinco anos de actividade e depois de o Estado ter reconhecido que essa actividade se revelou de manifesto interesse e utilidade social. Os termos deste reconhecimento correm pela Presidência do Conselho de Ministros, é um despacho do primeiro-ministro que o atribui, o que também dá a perceber a relevância que o Estado quis dar a esse estatuto, que confere benefícios fiscais.

P. - A Secretaria de Estado da Administração Interna pediu um parecer ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) para decidir sobre o reconhecimento da Fundação Jorge Álvares (FJA), criada pelo último governador de Macau, e no centro de uma grande polémica por causa da origem de parte dos seus financiamentos. Quais as etapas seguintes do processo?

R. - O processo continua aqui, o que eu fiz foi perguntar ao MNE se questões que eram do domínio público e que tinham estado ligadas ao financiamento da FJA podiam ou não ser entendidas como prejudicando as relações entre Portugal e algum país estrangeiro.

P. - O reconhecimento da FJA como fundação continua por decidir?

R. - O processo está à espera da informação do MNE para podermos analisar o pedido com calma e tranquilidade, ponderando o grande conjunto de informação que está disponível.

P. - Há então a possibilidade de a FJA não vir a ser reconhecida como fundação?

R. - A hipótese do reconhecimento é sempre tão válida como a do não reconhecimento. Mas o não reconhecimento tem de ser tão fundamentado como o reconhecimento, eu teria de justificar o meu despacho negativo.

P. - O que conta para o reconhecimento de uma fundação? Os fins que se propõe atingir? Em Portugal já há fundações como a Oriente ou a Stanley Ho, com objectivos muito semelhantes aos da FJA, que são o fortalecimento dos laços entre Portugal e Macau...

R. - Não temos de saber se a actividade de uma fundação, que é uma instituição privada, é concorrente ou sobreponível com a de outra qualquer que já exista, mas se aquilo que a fundação se propõe fazer é ou não de interesse social. Isso e saber se a fundação dispõe de meios financeiros para os fins que ela própria se propõe desenvolver.

P. - O que poderá então levar o Estado a não reconhecer a FJA como fundação?

R. - A lei actual é muito vaga, muito genérica, há uma grande latitude de decisão para quem tem de se pronunciar nesta matéria, por isso temos de ser mais objectivos, mais precisos na fundamentação do despacho que venha a recair sobre essa matéria... O que eu tenho de fazer é avaliar objectivamente os fins que a fundação se diz querer promover e aferir se os meios que se diz que estão disponibilizados o estão efectivamente e depois ver se eles chegam. Não vou dizer que é um trabalho muito complexo e de grande profundidade política, mas é preciso pôr as peças lado a lado e avaliar o conjunto.

P. - Qualquer fundação tem de ter interesse social, portanto.

R. - Sim, para ser reconhecida como fundação, algo que, em si próprio, não significa nenhuns benefícios fiscais especiais. O estatuto de utilidade pública, que dá esse tipo de benefícios, virá a seguir.

P. - A Fundação Stanley Ho, que foi reconhecida pelo Governo anterior, tinha objectivos sociais muito louváveis, mas até agora não teve qualquer actividade. O Estado não pode fazer nada numa situação como esta?

R. - Uma das áreas em que estamos a reflectir é sobre aquilo que o Estado deve exigir às fundações em termos de contraprestação do reconhecimento que faz dessas mesmas instituições. A Fundação Stanley Ho está fora da alçada do Estado na medida em que este tem reservado para si próprio poucas competências em matéria de acompanhamento do trabalho das fundações. Do meu ponto de vista, não deve ter mais competências, deve é ter mais preocupação com a informação pública do trabalho das fundações.

P. - No encontro na FLAD, deixou uma pergunta: não está o Estado a ser excessivamente condescendente? Está?

R. - Pode ter sido, pode estar a ser, ao nível de não pedir, ou de, nalguns casos, não ter pedido até aqui a informação suficiente para estar bem habilitado quando toma a decisão de reconhecer. Dou-lhe o exemplo concreto da FJA, eu quis ter a certeza de que estávamos a jogar com todas as cartas de um baralho complexo.

P. - Mas está tudo por decidir?

R. - Ao menos, quando eu decidir, não faltarão cartas.

P. - Não sabe quando haverá uma decisão?

R. - Não, e também não há urgência nenhuma.

P. - Vai deixar que a controvérsia em torno da FJA esfrie?

R. - Não é o meu objectivo, mas a fundação, como entidade jurídica que está criada e funciona, pode prosseguir os seus fins. Não está é a fazê-lo dentro do quadro que ela escolheu.

P. - O Estado é subserviente para com as grandes fundações do país?

R. - Não me parece que tenha havido uma complacência diferente daquela que existe para com grandes associações do país, como as de defesa do ambiente, do consumidor, etc. Não há nenhum temor reverencial da parte do Estado para com as fundações.

P. - O último Governo criou, na dependência do Ministério da Administração Interna, um grupo de trabalho formado por juristas das universidades de Coimbra e Lisboa, para pôr ordem no campo das fundações. A que conclusões chegou até agora?

R. - O grupo deixou em aberto algumas pistas de desenvolvimento futuro. Uma hipótese é uma lei-quadro que fixe às fundações determinados imperativos de publicitação e divulgação da sua actividade. Outra é introduzir alterações no código civil, que consagra o essencial do regime jurídico das fundações. Pensa-se também em distinguir claramente o que são as fundações públicas e as privadas. As fundações públicas terão de ter estatutos jurídicos claros. Quanto às privadas, é preciso torná-las mais transparentes, mais abertas. É ainda preciso fazer um registo geral das fundações, que é mal conhecido. Existe um registo com 850, mas metade não respondeu aos nossos inquéritos.

P. - A maioria dessas fundações são religiosas?

R. - Sim, e têm um estatuto especial ao abrigo da Concordata, que as dispensa do reconhecimento do Estado. Mas não há nenhuma razão para as isentar. É um panorama complexo.

 

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