Transcrito de REMINISCÊNCIAS
Perfil de família
(autoria de Maria Celeste Galvão de Oliveira, viúva
de Zote)
Meus
Pais ...
Torquato da Silva Oliveira e Izabel de Souza Oliveira (Santa ou
Santinha).
Os
seus dados já foram comentados em outro local. Vou, portanto, falar
somente dos dois como pessoas. Começo por Torquato.
Torquato
da Silva Oliveira, meu pai. Filho
de família pobre e órfão de pai ainda em idade tenra, foi criado
por sua mãe, pois os irmãos mais velhos já estavam casados. Ele
dedicou-se inteiramente ao carinho da mãe, à quem devotava grande
amor. Torquato nasceu e criou-se em Catú, onde estudou, mais por
esforço próprio, e desenvolveu seus conhecimentos como caixeiro
de balcão de armazém. Muito vivo e astuto, logo cedo aprendeu a
fazer espingarda de carregar pela boca e a armar arapucas para animais
pequenos de onde tirava parte da alimentação sua e de sua mãe. Com
isso, fez amizade com filhos dos fazendeiros, "coronéis" da época.
Daí o convite do sr. Joaquim Pereira de Souza, da Fazenda Riachão,
para morar em sua fazenda, afim de ensinar a ler e escrever os seus
filhos Ana (Tia Dona) Alfredo e Oscar, expediente muito usado na
época, pois só havia escola em Catú, distante da fazenda Riachão,
e o único transporte era o cavalo. Izabel (Santa), ainda muito jovem,
não fazia parte do grupo. Como ficou muito amigo da família de Joaquim,
visitava a fazenda constantemente, aí já como pescador, além de
exímio atirador e caçador. Estas caçadas e pescarias sempre terminavam
em festa na casa grande da fazenda. Foi neste período que ele e
Izabel (Santa) começaram a namorar e, apesar da diferença de idade,
o sr. Joaquim aprovou o casamento, que se verificou na própria fazenda,
em 1904. Foram morar em Catú, onde ele já era pequeno comerciante,
e, em 1906, nasceu a primeira filha, Vicentina (Pequenita). Em 1907,
quando os franceses estavam construindo a Estrada de Ferro Este
Brasileiro, ligando Salvador a Alagoinhas, mudaram-se para Pau Lavrado,
lugarejo que estava se formando a 7 km de Catú. Aí montou o seu
armazém e foi onde nasceram mais onze filhos. Criou toda a família
neste lugarejo, onde, além do armazém atendia a toda a população
da circunvizinhança, extraindo dentes, curando as doenças comuns
como gripes e "puxamento", asma. De um livro francês, o "Chernoviz",
ele tirava as fórmulas de xaropes, pomadas, etc., baseadas especialmente
na flora, e, na farmácia de Catú, aviava as receitas. Ainda encanava
fraturas diversas. Todo o tempo em que residiu em Pau Lavrado foi
subdelegado local e só prendia criminosos por crimes dolosos e culposos.
As querelas sobre divisão de terras e outros atos que eram levados
à sub-delegacia, ele reunia as partes litigantes, conversava, aconselhava
e, geralmente, tomavam "umas e outras" terminando tudo em paz. Em
1928, mudaram-se para Catú, para onde havia sido Torquato nomeado
Escrivão da Coletoria Estadual, por indicação de Tio Oscar, já grande
negociante e político influente. Exerceu a função até 1939, quando
foi aposentado compulsoriamente. No ano seguinte, veio a falecer.
Tinha uma legião de amigos, por ser pessoa dada e de fácil comunicação,
e, além de pescador, era caçador de fama na região, onde deixou
inúmeros alunos e seguidores do esporte. Era pessoa de grande relacionamento.
Se orgulhava de uma caderneta onde anotava o nome de mais de duas
centenas de afilhados, compadres e comadres. Era sempre solicitado
como conselheiro de casais, pais, filhos e, suas sugestões eram
sempre acatadas. Para os filhos passava os ensinamentos de como
ser bom cidadão, ser sempre leal nas amizades, honestos e, sobretudo,
ser amável, respeitador e consciente de seus atos e ações. Guardo,
ainda hoje, muitas coisas que ele me ensinou e que muito me ajudaram
na vida. Por isso e muito mais, guardo de meu pai lembranças queridas
dos anos que passamos juntos e, por ele, um eterno carinho.
Izabel
de Souza Oliveira. Santa ou Santinha, minha mãe. Era mesma uma
santinha, pois seu coração transbordava de bondade. Santinha nasceu
e criou-se na Fazenda Riachão. Estudou em casa, com professor leigo,
e foi preparada para casar, como era costume da época: as moças
eram criadas para o casamento, aprendendo a cozinhar, arrumar casa,
costurar, fazer doces, etc. Santinha casou muito jovem, pois não
tinha completado ainda 19 anos, e Torquato, seu marido, já era homem
maduro, com 36 anos. Além de cuidar da casa e dos filhos, que chegavam
quase todo ano, ainda ajudava o marido no armazém, nos dias de feira
e quando ele viajava para efetuar compras. Ainda fazia cuscuz, doces
e outros petiscos para vender no armazém. Quando mudou-se para Catú,
em 1928, e os filhos já eram crescidos - pois o caçula tinha 5 anos
- ela dedicou-se totalmente a eles, à casa e ao crochê. Com o falecimento
do marido em 1940 e com a saída dos filhos - principalmente da moças
que foram se casando - ela ficou sozinha em sua casa, pois não havia
argumento que a fizesse deixar sua querida casinha, por nenhum motivo,
embora continuasse alegre, principalmente com a chegada dos netos
e bisnetos. Viveu toda sua vida dedicada à família e, diariamente,
rezando o seu rosário, pedia pela felicidade de todos.Faleceu
em 1969. Foi uma vida simples, mas sempre dedicada à família.