Os Peixes de Evandro Viana

O estado de Pernambuco possui tradição artística que é pioneiro no Brasil. Não apenas ao que se refere aos trabalhos artísticos de nossos índios, mas sobre tudo quando da invasão holandesa do Recife, onde desembarcaram vários artistas junto com o príncipe Maurício de Nassau, e ao pintarem o novo mundo com seus pincéis renascentistas, inauguraram um tempo de produção artística que dura até os dias de hoje. Assim os quadros de Eckout, Post e os desenhos de Markgraf ainda adornam museus de toda Europa, com vistas, paisagens, retratos de índios e bichos de um Brasil que acabava de nascer. A tradição figurativa faz parte da nossa cultura e nela se enraizou numa simbiose entre o homem e o meio ambiente. Nunca coube ao homem do trópico, o gosto europeu pela estética simbológica que teve o seu ápice no movimento modernista do início do século XX. O Nordeste é figurativo por vocação, assim como o sol forte lhe define contornos: pedras, árvores, bichos e gentes. E a natureza induz o homem daqui a pensar e agir de acordo com seus caprichos. A famosa feira da cidade de Caruaru é uma exposição viva dessa realidade estética. É também uma afirmação. Considerado o maior centro de artes figurativas das américas, Caruaru resume o espírito de um povo e sua forma de se expressar. Porém dos pintores de Nassau até os dias modernos, um mundo de grandes artistas entre eruditos e populares, veio produzindo arte e alinhavando essa cultura estética figurativa brasileira. Impossível citar todos. Dos velhos gravadores de cordel até um Gilvam Samico. De Bajado de Olinda, aos quadros de João Câmara, ou as talhas de madeira de Pedro Orlando da Silva o P.O.S. Das carrancas de D. Ana de Petrolina, as estátuas de Abelardo da Hora e Corbiniano. Figurativos pôr excelência, expostos hora em feiras e museus, nas ruas ou nos palácios. Os quadros de Evandro Viana, pintor Recifence radicado em Olinda, traduzem toda essa realidade tropical pernambucana. Em seu atelier , situado no Mercado do Varadouro, ele reúne trabalhos numa permanente exposição. São figuras de peixes meio fósseis, meio estandartes de carnaval - seu tema central - com escamas coloridas costuradas uma nas outras como se fossem pedaços de couro esticados. Pelas paredes desfilam caboclos de lança de maracatus, casas e paisagens de Olinda com aquele mesmo sol que tudo incendeia e define. Seus quadros lembram os muralistas mexicanos. Seus peixes/fósseis/estandartes, falam dessa cultura nordestina cristalina: alicerce primeiro da nacionalidade. Com formação em comunicação visual e vasta experiência artística, Evandro Viana abdicou da segurança e da indolência dos empregos públicos e abraçou totalmente o seu ofício de artista, vivendo exclusivamente para pintura. Colocou-se estrategicamente como um artesão, vendendo ele próprio o seu trabalho, sem se importar com os holofotes geralmente pagos das colunas sociais ou dos salões de casas das "gentes importantes". Artista grande de Olinda e Recife, Evandro sabe da verdade maior: a sua arte caminha independente dele e do seu tempo. E no tempo será perpetuado porque possui qualidade. Não se confunde com sonhos abstratos de estranhas terras, nem serve ao mercado gigantesco e diluído do consumo inútil. Pois que é universal, sendo antes tropical e brasileira. Pernambucana impregnada de sol e vida. E também de estrelas, guerreiros, casas, telhados e coloridos estandartes de fósseis de peixes.

Luís Manuel Paes Siqueira

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