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Crítica Literária
- Inocência
Crítica
Taunay é calmo e refletido, maisstudado sem ser amaneirado, porque
o autor de Inocência e da Retirada da Laguna, da Mocidade
de Trajano e do Manuscrito de Uma Mulher, era antes de tudo
um escritor de raça, discreto, apurado e simples. Taunay juntou
admiravelmente o fino gosto de um europeu à opulência meridional
do americano, com as tintas delicadas da Ilha de França abaixou
os tons violentos da natureza brasileira.
Nascido e educado no Brasil, sentiu desde cedo a necessidade de se fazer
aqui uma literatura realmente nacional, sem os exageros de um regionalismo
estreito, mas sob um ponto de vista mais elevado. Seus romances, ligeiramente
influenciados de Macedo e Alencar, revelam esse propósito nacionalista,
que lhe foi a preocupação favorita de homem das letras.
Seu nacionalismo era sincero, pois Taunay lutou por sua terra, deu-lhe
o sangue e as forças, a inteligência e o corpo. Não
se contentou com a existência fácil das cidades, embrenhou-se
nos sítios mais remotos das nossas fronteiras ocidentais, não
seguiu uma carreira cômoda, não se fez bacharel, fez-se soldado,
e, como militar, tomou parte da Guerra do Paraguai e na expedição
de Mato-Grosso, que deveria tornar famosa com sua Retirada da Laguna.
Esse livro, onde, por mais que se pretenda negar, há muitas qualidades
de imaginação nas descrições das paisagens
e no lirismo que lhe imprime um sopro de epopéia, é um dos
mais belos e reconfortadores poemas da nossa raça e o melhor título
de glória para o seu autor.
Com Inocência, começou a perder o romance de amor
aquele sainete sentimental dos de Macedo. Taunay introduziu na fábula
um elemento de moderação, desenhando as paixões com
menos violência e as figuras com mais naturalidade do que era comum.
Houve quem o taxasse, por isso, de pobre de imaginação e
seco de estilo, sem levar em consideração que o artista
conhecia a justa medida das coisas, e evitava, portanto, as digressões
campanudas, a parolagem e as empolas inúteis, de que costumavam
servir-se os escritores nacionais, por índole derramados, como
os portugueses. O propalado francesismo literário de Taunay não
lhe é mais peculiar que o chateaubrianismo de Alencar, ou o Alemanismo
de Tobias Barreto. Todos nós que pensamos e escrevemos, tanto no
Brasil como na América do Sul, temos sofrido, naturalmente, o influxo
estrangeiro e sobretudo, o francês, o espanhol e o italiano. À
sombra dessas três literaturas se desenvolveu a nossa, desde que
principiamos a pensar independentemente de Lisboa ou Coimbra.
Taunay não se limitou a escrever romances e contos, sua literatura
não é só ficção, mas também
de assunto político (A Nacionalização), jurídico
(Casamento Civil), científico (Questões Militares),
teatral (Amélia Smith) e crítico (Estudos Críticos).
Em todo caso, foi como romancista que se distinguiu nas nossas letras,
e é como tal que o devemos apreciar.
Ronald Carvalho
(Pequena História da Literatura Brasileira)
Texto do livro:
Taunay, Visconde de. A Inocência - Apresentação:
Fernanda Coutinho. Fortaleza: Diário do Nordeste, 1997.