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A escola como mediadora dos Direitos Humanos e da cidadania:breve relato de uma experiência
de: João Luiz Beauclair Eleutério

Em 10 de dezembro de 1948, a ONU ( Organização das Nações Unidas) adotou e proclamou a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, cujo texto está presente no livro "Como as crianças brasileiras pintaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos", de 1988.

Neste importante documento podemos ler: "Artigo III. Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal" e "Artigo XIX. Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios independentemente de fronteiras".

Baseando neste dois artigos, o Projeto Transdisciplinar Direitos Humanos, Educação e Cidadania ( em sua primeira versão desenvolvido durante o ano letivo de 1998, no Colégio Municipal Professor Carlos Brandão, em Cachoeiras de Macacu, RJ, denominado Projeto Interdisciplinar de Ação Pedagógica Direitos Humanos e Cidadania,) procura propiciar, através de sua proposta de trabalho, condições para que a Escola, a partir da interação entre Educação e Direitos Humanos, retome a reflexão sobre valores como cidadania, responsabilidade, participação, solidariedade, voltando-se para uma provável reorganização e reestruturação do espaço escolar a curto prazo. A motivação inicial para idealização deste projeto foi vinculada às comemorações dos 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e estamos editando material em vídeo, com momentos da culminância do Projeto.

O principal material utilizado para análise, compreensão e discussão do projeto é a própria Declaração, ponto de partida para todas as atividades que procuramos desenvolver; seus trinta artigos são baseados nas reflexões filosóficas e humanísticas de pensadores iluministas - Voltaire, John Locke, Jean Jacques Rousseau, entre outros - que fundamentaram o Iluminismo, movimento filosófico que amadureceu no século XVIII e se expandiu pelo norte da Europa e influenciou a América.

Isto porque entendemos que somente uma leitura crítica, histórica e contextualizada da Declaração pode conduzir ao debate e reflexão sobre os direitos humanos, não só nos aspectos filosóficos e conceituais, mas também, e principalmente, na prática humana cotidiana, nas relações econômicas, políticas, culturais, éticas, estéticas e educacionais. Textos de Herbert de Souza (o Betinho), presentes no livro Ética e Cidadania foram ótimas contribuições para uma discussão mais aprofundada acerca da prática humana cotidiana e cidadã. Também são interessantes os trabalhos de Libanio e Alves, que citamos na bibliografia.

Acreditamos que com tais atividades podemos contribuir para que a escola forme cidadãos que participem mais criticamente e ativamente do processo de construção de uma sociedade mais justa, digna e solidária .

Em diferentes momentos, desenvolvemos atividades pedagógicas que abordavam tópicos e temas escolhidos em discussão com os alunos, tais como Ética, Direito, Educação, Cidadania, Miséria, Desigualdade Social, Segurança Pública, Saneamento Básico, Meio ambiente e Democracia, trabalhados em histórias em quadrinhos, poesias, textos e montagens de cartazes e murais. Ao nosso entender, tais tópicos são imprescindíveis à reflexão sobre Cidadania e Direitos Humanos, e devem fazer a articulação com os estudos realizados em Língua Portuguesa, Artes, Religião e História.

Numa perspectiva transdisciplinar desenvolvemos no espaço escolar ações pedagógicas integradas, explorando diferentes assuntos e abordando-os nas diversas disciplinas . É importante deixar claro que nem todas as atividades desenvolvidas foram planejadas antecipadamente, pelo contrário, muitas surgiram "no calor da hora", no decorrer do processo, característica essencial de uma prática educativa que busca ser democrática, dialógica e participativa, como presente no livro de Paulo Freire " Pedagogia da Autonomia - saberes necessários a prática pedagógica", que nos remete para o centro maior da ação educativa, que deve ser a formação de sujeitos históricos, conscientes de suas ações, como indivíduos que fazem parte de um meio social e que interagem entre si.

 

Etapas do Projeto:

Num primeiro momento, buscamos divulgar o projeto entre diretores e professores da escola, justificando nossa iniciativa e o motivo que nos levou a elaborá-lo. Inicialmente houve uma adesão parcial e diretores e professores receberam uma cópia do projeto original.

Na prática, apesar das inserções de Ensino Religioso e Educação Artística, a participação efetiva ficou limitada as disciplinas Atividades Interdisciplinares de Língua Portuguesa e História, únicas a concretizarem realmente as atividades propostas e contribuírem para a culminância do projeto.

Em aulas ministradas em turmas concluintes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, procurou-se articular a reflexão e a percepção sobre os direitos humanos, discutindo, de forma concisa, os diferentes tipos de direito e a realidade brasileira atual. A seguir, foram lidos alguns artigos da Declaração (considerados mais introdutórios) e, através do recorte de imagens e reportagens em diferentes jornais e revistas sobre os mais variados assuntos, foram feitas leituras comparativas que favoreceram a construção de um saber sobre a problemática em questão, num movimento de tomada de consciência e reflexão, estimulando os alunos a um comprometimento real com a transformação da sociedade e do espaço onde vivemos. A partir daí, percebemos que o projeto havia obtido uma resposta inicial bastante positiva, visto que os alunos se envolveram realmente com a proposta do projeto.

A sensibilização inicial aproximou os alunos à realidade imediata do município, do estado, do país e do mundo. Foi possível, neste momento, verificar que visões parciais - até mesmo ingênuas - da realidade foram superadas ou pelo menos, repensadas. Os temas desemprego, direito à vida, fome , adolescência, saúde, meio ambiente, cidadania e educação foram escolhidos como os mais importantes para se discutir em aula e, a partir daí, sentimos necessidade de criar oficinas de cidadania, que poderiam ocorrer até mesmo em horários e locais que não fossem tão somente a sala de aula.

Apesar de terem sido poucos esses momentos, foi possível constatar que essas atividades, não diretamente ligadas às aulas convencionais, possuem atrativo maior para os alunos que mudam, inclusive, comportamentos e posturas, ficando mais receptivos e interessados.

Nesta fase do projeto foi fundamental a utilização de músicas, que enriqueceram todas as ações desenvolvidas. Entre elas utilizamos Haiti (Caetano e Gilberto Gil); Comida (Arnaldo Antunes e outros); Sal da Terra (Beto Guedes e Ronaldo Bastos); Aquarela (Toquinho, Vinícius e outros); O Resto do Mundo, Estudo Errado, Sem Saúde, Dança do Desempregado, de Gabriel, o pensador; É e O que é o que é (Gonzaga Júnior); Coração de Estudante (Milton Nascimento); Brasil (Cazuza); Há tempos, Que país é este, Química, Perfeição, A dança, Geração Coca-Cola (Renato Russo e outros).

Avançamos nas discussões utilizando outras linguagens e materiais, como teatro, textos, vídeo e documentos, que se mostraram essenciais para o desenvolvimento de todo o trabalho. Os textos foram os "Estatutos do Homem" (Ato Institucional Permanente), de Thiago de Melo; "A bomba suja", de Ferreira Gullar e "Mãos Dadas" , de Lya Luft. Em vídeo, trabalhamos as chocantes e bem construídas imagens de "Ilha das Flores", de Jorge Furtado (a partir de um ato cotidiano - jogar no lixo um tomate estragado, impróprio para consumo --, o vídeo desenvolve, em quinze minutos, uma reflexão profunda sobre os resultados das relações econômicas e sociais de nosso tempo) . Entre os documentos oficiais que utilizamos estão artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente ( Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 ) e da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988.

A medida que as atividades foram ganhando corpo e formas mais objetivas e começaram a frutificar os primeiros resultados, sentimos a necessidade de começar a organizar a culminância do projeto, ou seja, o que poderíamos mostrar de concreto, para a escola e comunidade, sobre o que havíamos produzido e trabalhado. Elaboramos então, uma agenda de trabalho objetivando claramente o que ainda era necessário fazer. A partir dai montamos, divulgamos e realizamos o I Seminário sobre Direitos Humanos e Cidadania, com os temas Direitos Humanos e Legislação Brasileira, Direitos Humanos e História do Brasil, Direitos Humanos e Estatuto da Criança e do Adolescente, Direitos Humanos e Família e Direitos Humanos e Cidadania Hoje: a formação do cidadão na Escola , realizado na Câmara dos Vereadores de Cachoeiras de Macacu, em 1/12/1998, com os seguintes palestrantes: Isabel Jovita Rodrigues da Costa; Solange Ferreira Pinto Marinho; Marilandi Lyra Caliocane e João Luiz Beauclair Eleutério. Este Seminário, que antecedeu a inauguração da exposição dos trabalhos confeccionados pelos alunos.

 

A título de conclusão:

Compreendemos a escola como um espaço possível para que os conceitos de direitos humanos e de cidadania possam ganhar, de forma efetiva, sentido concreto, visto que as relações entre os indivíduos que nela convivem podem ser pautadas e sustentadas por ações e atitudes de diálogo, justiça, solidariedade e, principalmente, respeito mútuo. No excelente documento "Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclo do Ensino Fundamental: apresentação dos temas transversais" há farto material sobre questões relativas à Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Saúde, Orientação Sexual e Trabalho e Consumo. Os textos "Ética e Sociedade", "Direitos humanos, direitos de cidadania e pluralidade" e "Direitos humanos, direitos de cidadania e trabalho e consumo" forneceram subsídios teórico-metodológicos e práticos para a reformulação do nosso projeto, além de leituras referentes à Teoria Crítica da Sociedade, desenvolvida pela chamada Escola de Frankfurt.

Assim, ao percebemos que a cidadania é construída historicamente, podemos conceituá-la como uma possibilidade real de participação efetiva na produção e uso de bens e valores presentes em um determinado contexto. Acreditamos, de acordo com Bobbio, em "A Era dos Direitos" - principalmente o ensaio "Sobre os fundamentos dos direitos do Homem", onde apresenta interessantes questionamentos relativos ao fundamento absoluto dos direitos humanos -- , que ser cidadão significa participar de uma sociedade configurada em seu próprio contexto histórico, onde ocorra o reconhecimento do direito de expressar-se e ser compreendido, atitude capaz de construir a noção clara e precisa que todos os atores sociais podem, e devem, ter direito a Ter direitos, bem como sejam capazes de rever os direitos já existentes e construir novos, caso esse processo seja necessário.

Apesar de estarmos no início de nossa pesquisa, onde pretendemos discutir a hipótese de que a escola é uma mediadora privilegiada na questão dos Direitos Humanos e da Cidadania, já encontramos, através da experiência da primeira implantação do projeto, alguns indícios que podem fazer do espaço escolar um local onde a formação de crianças, adolescentes e adultos resulte em uma construção prática e teórica . Nestes aspectos, o Seminário sobre Bibliografia Recomendada, (que envolveu os alunos do Curso de Formação de Professores, na disciplina Filosofia da Educação), com textos de Nidelcoff, Ceccon, Miguel e Rosiska Darcy de Oliveira e de Paulo Freire, contribuiu para um repensar crítico da prática pedagógica e sobre a formação continuada do educador.

Tal formação pode levar a superação de atitudes passivas diante da realidade, transformando-as em ativas no exercício de cidadania, baseadas no coletivo, na indignação ética, no comprometimento conjunto de se fazer surgir um viver democrático, uma sociedade plural, onde o respeito aos diferentes grupos que a constituem sejam valor maior a ser efetivamente vivenciado.

 

Bibliografia:

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4-BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro : Campus, 1992.

5-BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. Petrópolis, RJ : Vozes, 1997.

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