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Mário de Andrade: nacionalismo e criticidade no Modernismo brasileiro
de: João Luiz Beauclair Eleutério

RESUMO:

A presença de Mário de Andrade na literatura brasileira moderna é incontestável e toda sua obra é uma referência em termos culturais, literários e históricos para um estudo crítico da formação da cultura brasileira. Segundo ele, o modernismo é responsável pela descoberta da cultura própria do país. O que pretendemos é discutir os conceitos de brasilidade e de nacionalidade do período modernista e, principalmente, rever as preocupações de Mário de Andrade sobre a realidade brasileira. A crítica literária do período 1922-1942 demonstra visões divergentes, não só em relação ao próprio movimento modernista, mas também à sua própria formação, desenvolvimento e interpretação. Nosso propósito é estabelecer paralelos entre as críticas de Tristão de Athayde e as de Mário de Andrade no período e analisar os subsídios que ambos deram à construção da crítica literária brasileira. Este texto é resultado de uma releitura do capítulo IV "Nacionalismo e Criticidade" do estudo monográfico "Nacionalismo, Estética e Criação: Mário de Andrade e o Modernismo Brasileiro(1922-1942)", apresentado como trabalho final do Curso de Pós-graduação lato-sensu em História do Brasil da Universidade Federal Fluminense, em 1996.

 

MÁRIO DE ANDRADE: NACIONALISMO E CRITICIDADE NO MODERNISMO BRASILEIRO

No momento mesmo do seu acontecimento, o movimento modernista não teve, em seus quadros, quem exercesse a crítica literária, ou seja, quem fizesse de sua obra uma construção teórica, por isso crítica, das doutrinas e dos próprios livros surgidos no período.

O nosso modernismo foi, na chamada "fase heróica", a realização de diversos espíritos críticos, mas não teve uma crítica de peso. É somente após alguns anos seguintes que iremos ter em Tristão de Athayde e em Mário de Andrade, um obra crítica de fato.

Apesar de não estar tratando especificamente do crítico "modernista" Tristão de Athayde (o meu estudo se prendeu a figura de Mário de Andrade), achei interessante levantar algumas idéias sobre Alceu Amoroso Lima, aliás seu verdadeiro nome. Isso principalmente porque a sua personalidade em muito difere de Mário de Andrade. Nascidos no mesmo ano e vivendo o mesmo momento histórico, as suas visões divergem, não só em relação a própria formação do movimento modernista, mas também em seu desenvolvimento e interpretação. Tristão, conforme Martins, estabelecia uma "(...) espécie de 'desnível' entre as idéias do Modernismo e (...) produziria quase que imediatamente os seus resultados, introduzindo a divisão entre os próprios modernistas. Com efeito, o 'Verdamarelismo' data de 1926-1927 é a mola que o provocou com cisão e reação contra os grupos anteriores, foi... a criticidade de Tristão de Athayde" (1).

Na realidade, Tristão de Athayde deu subsídios para a formação de grupos de oposição ao grupo paulista, à medida em que fizera de sua obra, uma denúncia sobre a substituição de correntes literárias antigas pelos modismos europeus de então.

Durante sua atividade literária e crítica, ele defendia uma espécie de expressionismo na crítica brasileira e colocava a necessidade de se criar um método intelectual, filosófico, objetivo, e perder aspectos afetivos, psicológicos, subjetivos. Enfim, dotado de uma enorme inteligência e de uma cultura secular, espírito empreendedor e acadêmico, não se deixando atrair pelas transformações nem pelas rupturas, acaba por voltar-se, em 1929, para a militância católica.

Mário de Andrade via sua figura, com indubitável autoridade, como intelectual que desconhecia poética, que associava em demasia o movimento modernista brasileiro à vanguarda européia e, principalmente por não ter sutilidade nenhuma em suas análises. No entanto, sua obra crítica tinha, como já foi dito aqui, seu valor, principalmente por exercer influência a diversos pensadores brasileiros.

Em "Aspectos da Literatura Brasileira" é possível encontrar o desabafo de Mário de Andrade sobre a questão da crítica que generaliza demais e analisa de menos: "(...) É que quanto mais as artes estão verdadeiras, mais o crítico tem as censurar, porque representativas daquilo que é a expressão nítida da realidade nacional." (2)

No meu entender, entretanto, é nas próprias obras dos modernistas e nos manifestos que forma por eles criados que podemos encontrar a verdadeira crítica sobre o que foi realmente o modernismo no Brasil.

A criação de diversas revistas fizeram a própria história do movimento. Até mesmo nas técnicas empregadas ao escrever, mostram um caráter de contestação e tornam-se, por isso, nacionalistas, sociais (ou sociológicas) e, principalmente, partem para um maior conhecimento de nossa terra, deixando um pouco de lado o interesse basicamente estético (3).

Através dessas publicações, muitos intelectuais de então contribuíram para o fim da literatura velha, arraigada a velhos padrões estéticos de criação e lançam outras idéias, mesmo que com isso apareçam polêmicas buscando a implementação de idéias novas (4). É possível que nas diversas fases do movimento modernista brasileiro e, principalmente na primeira, um sentido geral de engajamento tenha tomado conta das mentalidades envolvidas no processo de modificar a realidade brasileira e buscar novos caminhos. O próprio Mário de Andrade empregou palavras como "sentimento de arrebatação" e "espírito revolucionário", para revelar a essência do Modernismo brasileiro (5).

No corte temporal que fiz ao realizar este trabalho, duas décadas se passam e, no seu decorrer, mudanças ocorreram tanto no cenário nacional quanto no internacional. Entre 1922 e 1942, profundos conflitos surgiram e novas idéias e atitudes políticas nasceram sobre a égide de um capitalismo em crise, buscando soluções.

No Brasil tivemos a reorganização da economia, justificada pelo crash da Bolsa de Nova York e a crise do café. A revolução de 30, liderada por Getúlio Vargas, toma o poder e, redimensionando a política brasileira, cria a Era Vargas, que perdura até 1945.

As discussões sobre o nacional ganham espaços nos debates, crônicas e artigos de jornais e Vargas, aproveitando este momento, entra definitivamente na história política do país. O movimento modernista, por sua vez, alcança maturidade e o ideal nacionalista começa a ser interpretado de forma diversa e até mesmo contundente: desde o Manifesto Pau-brasil até a Antropofagia oswaldiana, do grupo FESTA, que procurava não envolver-se em questões concretas na produção intelectual ao regionalismo nordestino.

No entanto, não podemos esquecer que essa diversidade ideológica não foi mera questão da própria evolução do pensamento modernista no Brasil, mas também reflexo direto dos processos históricos que o próprio mundo vivenciava. Por exemplo, o começo do Nazismo e do Fascismo na Europa e, anteriormente, o Comunismo Russo surgido em 1917 que se consolida como sistema.

Em 30, com a Revolução Getulista e, em 32, com a Revolução Constitucionalista em São Paulo, a idéia do que era o Brasil de fato passa a ser repensada. Obviamente, esta afirmativa não nos dá por si só um quadro amplo de toda uma época confusa, complexa que foi o nosso país no período das duas guerras mundiais. Mas, para uma discussão sobre o nacional em Mário de Andrade, uma panorâmica a respeito do que o crítico em questão entendia e qual era, de fato, a sua concepção a respeito do nacionalismo torna-se necessária.

Antes mesmo do evento da Semana, em 1917 ao fazer um discurso do Conservatório Musical de São Paulo, já temos clara a sua preocupação a respeito do tema aqui tratado: seu texto é repleto de expressões ufanistas e adjetivos de exaltação à pátria.

Mas já em 1925 tais expressões são superadas, e nesta superação pode ser notada uma evolução, iniciando então a sua busca pela consciência nacional, (também por ele denominada entidade nacional), nos diversos aspectos da cultura brasileira, ou seja, as manifestações da música, do folclore, da pintura e da literatura popular passam a ser o seu principal objeto de estudo. Com isso, incorpora em si mesmo e em sua obra, o processo dialético que o modernismo aqui implantou: nacionalismo versus universalismo, colocando-se como um homem do mundo, inserido no seu tempo e espaço.

Na realidade, passa a ver, no processo de criação, a pragmaticidade como ponta de lança e sua função como intelectual procura dar extremo valor as criações do homem e ao próprio homem em si.

Em relação à política, acredita que a vontade do povo é interpretada de modo errôneo pelos políticos. A própria Revolução de 30, com o seu ideário renovador nos aspectos sociais e políticos, é vista por ele com descrédito. O seu nacionalismo, se assim posso chamar, lhe é próprio. Em "Os filhos de Candinha", ele confirma esta idéia ao ver o futuro sem fronteiras, sem barreiras, sem impecilhos para a criação de um "Estados unidos deste mundo"(6).

Outra observação: em toda a sua obra é possível notar a sua preocupação com a realidade brasileira, desde seu primeiro trabalho, com a utilização do pseudônimo Mário Sobral até suas últimas publicações. Suas obras priorizam o nacional como expressão e tema. Em 42, quando profere uma Conferência sobre Modernismo de 22, estabelece alguns pontos básicos no sentido de valorizar o nacional: pesquisa estética constante, atualização na produção da inteligência brasileira e a criação da consciência do poder de criação da nação.

Para Mário de Andrade o surgimento desta consciência criadora nacional estaria baseada em diversos fatores. Era preciso buscar no coletivo popular as raízes do Brasil, pondo experimentações naquilo que é realidade, descobrindo uma outra tradição (a popular), como ponto de partida, e, também relendo a produção de intelectuais e escritores de outros tempos anteriores, para entendê-los e explicar, de maneira melhor, como eles viam o Brasil e entendiam a nação (7).

E indo um pouco mais longe, Mário de Andrade não concebia o nacionalismo como uma mera manifestação dos regionalismos, com seus exotismos e que buscava uma realidade brasileira turística e com aspectos ufanista.

Pelo contrário, acreditava Mário de Andrade que somente com a visão crítica que fosse construída sob sólidas bases científicas (com o esforço de sociólogos, historiadores e estudiosos do folclore) poderíamos conhecer o nosso país e sua cultura. Em toda a produção modernista brasileira, é somente na obra andradina que tais procedimentos irão ocorrer. Apesar de ter sido um trabalho que ele mesmo confessou ser mais seu do que de um grupo, é possível notar que, em sua produção como intelectual, a busca maior é o conhecer, de fato, a realidade nacional.

Eduardo Moraes, comenta determinadas preocupações de Mário de Andrade sobre a modernização no Brasil, onde ser moderno "Significa, antes, optar por conceber a modernização a partir das particularidades da realidade da nação." (8)

Não poderia deixar de ressaltar, ainda em Moraes, a seguinte observação "...a preocupação de Mário de Andrade com sua proposta nacionalista diz respeito à problemática cultural dos países emergentes, países novos, e não às situações culturais já sedimentadas como nos países mais adiantados"(9)

Mais adiante, o autor acima citado, posiciona o modernismo brasileiro como o responsável pela descoberta de uma cultura própria do país. E, ao meu ver, apesar de tantos outros modernistas, sem dúvida alguma, é Mário de Andrade que traz um ponto de partida para se entender a complexa cultura do nosso país.

Em Macunaíma, por exemplo, Mário de Andrade faz um excelente estudo sobre Mitologia e folclore nacional, através de anos de trabalho e de observação sobre o falar e os costumes brasileiros.

Mário de Andrade levanta uma outra vertente de análise da cultura, propondo paralelos de confronto (ou até mesmo de comparação), com outras realidades que não sejam européias. A sua procura será essa: valorizar o novo, sem, no entanto, desprender-se totalmente do antigo, conhecer o já feito e, dialeticamente, criar o novo.

 

NOTAS:

1- MARINS, Wilson. In: Literatura no Brasil. P. 610

2- ANDRADE, Mário de. Aspectos da Literatura Brasileira, p. 18 (RJ, 1943).

3- Entre elas posso citar: Klaxon (1922), Estética (1924) e Movimento Brasileiro (1922-1930).

4- Em 1931, surgiu o Boletim de Ariel, onde buscava-se abandonar a polêmica e criar uma objetividade maior. Neste mesmo ano, surgiu a Revista Nova, com direção do próprio Mário de Andrade e de Paulo Prado.

5- Prudente de Moraes e Neto, Antonio de Alcântara Machado, Sérgio Buarque de Holanda, Mário Graciotti, Oswald e Mário de Andrade, entre outros mais, são exemplos desses intelectuais.

6-1922-1930: primeira fase, denominada comumente de "fase heróica", 1930-1945: segunda fase; 1945-1998: podemos chamá-la de Pós-modernismo ?

7- ANDRADE, Mário . Os filhos de Candinha. P. 236.

8- __________, _____. Aspectos da Literatura Brasileira. p. 242.

9- MORAES, Eduardo Jardim.op.cit.p.231.

10-Idem, ibidem. p. 234

 

BIBLIOGRAFIA:

ANDRADE, Mário de. Aspectos da Literatura Brasileira. Ed. Martins, INL,1972, DF.

__________, _______. Os filhos de candinha. Ed. Martins, INL, 1972, DF.

CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira. Ed. Itatiaia 1975 , MG.

COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil. José Olympio Editora,1986, RJ.

MORAES, Eduardo . Modernismo Revisitado. ( s/ indicação)

ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. Ed. Brasiliense, 1986, SP.

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