Toda embalagem precisa de rótulo!” Do ponto de vista do marketing, esta declaração está mais do que certa. Por outro lado, o que dizer desta máxima quando a questão se aplica ao cristianismo?

Não conseguiremos ver a defesa de tantos “rótulos” nos relatos bíblicos ou nos relatos históricos dos primeiros séculos da Igreja cristã. Tenho a forte impressão de que existem certas conseqüências da importância demasiada atribuída aos rótulos sobre as quais sequer paramos para refletir. Gostaria de citar algumas:

Marca patenteada: traduz a exclusividade ministerial de quem patenteia o mover ou o conjunto de doutrinas; Competição: demonstra a característica “marqueteira” que a Igreja cristã vem desenvolvendo; Mercado: dá um sentido de que estamos comercializando o que é sagrado e gratuito; Exclusivismo: condição essencial para a aceitação ou pertencimento, fazendo da comunidade da fé, formada pela graça, um clube de interesses em comum; Sectarismo: a essencialidade de rótulos dissemina o sectarismo dentro do Corpo de Cristo.

Tudo isso pesa contra a unidade. Destrói toda possibilidade de laços familiares e sentido de corpo. Não há como ser família sem aceitar a singularidade e as diferenças que cada pessoa ou grupo apresenta. Não há necessidade de que destaquemos as diferenças, mas que trabalhemos no sentido de encurtar a distância que nos separa.

Recentemente, tenho ouvido à exaustão a expressão “adoração extravagante” — de todas as maneiras e entonações possíveis. Enquanto compartilhava um estudo bíblico com minha comunidade acerca da seriedade da manifestação da presença de Deus, deparei-me com o episódio em que Davi dançara com todas as suas forças diante da arca do Senhor (I Cr.13-16 e II Sm.6:14-22). Como foi interessante observar a força daquelas cenas! Foi interessante perceber Mical, a filha de Saul e esposa de Davi. Uma mulher observadora, apaixonada pela reputação própria e, possivelmente, pelo marido. Mulher de posição considerável, politicamente correta. No entanto, a mulher que desprezou em seu coração uma adoração honesta, transparente e espontânea por parte de seu marido. Uma mulher que, por causa desta atitude preconceituosa diante de uma espiritualidade simples, foi condenada à amargura da esterilidade.

Ao tentar visualizar aquela cena, nenhuma outra expressão traduz tanto o que percebo e imagino quanto “extravagância”. Nada soaria mais extravagante do que ver o rei, eleito por Deus, sacudindo-se de um lado a outro sob o som das cornetas, harpas e tamborins expondo-se ante a observação e o julgamento dos mais diferentes tipos de pessoas, das mais diferentes classes religiosas e sociais. Quanta extravagância! Nada poderia parecer mais ridículo aos olhos pomposos de escribas, teólogos, mestres da lei e outros da classe religiosa — sem esquecer dos outros religiosos, aqueles que são frutos da manipulação intelectual e persuasiva de seus líderes.

Pensar em Davi também me levou a pensar em Jesus. Não posso deixar de considerar extravagante a maneira como Jesus se portou na presença de certos pecadores. A Bíblia diz que os “analistas do mercado” religioso da época rotularam a Jesus de “comilão e beberrão” (Lc.7:34). Jesus havia sido convidado pelo coletor de impostos Mateus para ir à sua casa e participar de um jantar para o qual havia convidado também outros amigos de trabalho, da rua e, quem sabe, até “companheiros de boteco”. Que expressão caberia melhor para descrever aquela cena pouco litúrgica que Jesus vivenciou com aqueles pecadores? Extravagância. Quanta extravagância! Como conceber a idéia do Espírito de Deus se regozijando no meio de pecadores e com tanta carnalidade? Só mesmo a extravagância da graça para explicar isso (Rm.5:20). Jesus era, definitivamente, extravagante, e isso incomodou muito os seus compatriotas judeus, principalmente aqueles que tinham por hobby engessar a fé e engrossar a lei.

Preciso ser sincero o suficiente ao afirmar que a expressão “adoração extravagante” me incomoda quando penso na possibilidade da mesma vir desconectada de um estilo de vida que aponta para as prioridades e justiça do Reino de Deus. Richard Foster, em seu livro Celebração da Disciplina, faz a seguinte afirmação: “Se a adoração não nos transformar, ela não é adoração. Estar diante do Santo da eternidade é transformar-se. Se a adoração não nos impulsionar para maior obediência, ela não é adoração. Assim como a adoração começa em santa expectação, ela termina em santa obediência”.

Com toda certeza, não são apenas gritos espontâneos que caracterizam uma adoração extravagante (Jó.35:13). Uma adoração extravagante pode se manifestar em terrenos distantes de qualquer histeria ou mesmo ambiente musical. A grande extravagância da adoração de Francisco de Assis estava muito mais presente em sua atitude abnegada e encharcada de amor do que nas reuniões que participou na famosa Portiúncula, a pequena capela onde se reunia para a adoração.

Por que nos incomodamos tanto com a forma de adoração de outras pessoas e não nos incomodamos com a nossa própria falta de frutos que glorificam o Pai? Por que esperamos ser aplaudidos por Deus pelo conhecimento bíblico e teológico que temos e não nos esforçamos pela prática dos aspectos mais simples do cristianismo que deveriam ser demonstrados por nós ao mundo? Por que julgamos tanto o culto externo dos outros enquanto não damos um passo para externar os nossos cultos? Por que pensar que a adoração é extravagante apenas quando gritamos palavras espontâneas, adoramos dessa ou daquela maneira? Por que confundir espontaneidade com avivamento? Por que não nos preocupamos em ser os extravagantes que se dedicam à prática diária das boas obras e da proclamação das boas novas?

Integridade, simplicidade, honestidade e humanidade. Palavras que devem fazer parte do estilo de vida e culto dos adoradores devotos a Jesus Cristo. Daí segue uma pequena palavra de apoio e incentivo à irmandade cristã: não sejamos mais juízes de quem quer que seja. Esta não deveria ser, terminantemente, a nossa vocação. Se quiser ficar em silêncio, fique. Se quiser dançar, dance. Se quiser permanecer assentado, permaneça. Se quiser cantar hinos antigos, cante. Se quiser cantar apenas os novos e repetitivos refrões, cante. Se quiser erguer as mãos ou prostrar-se em adoração, faça-o. Se, no entanto, quiser se levantar apenas ao som do órgão ou piano, aja assim. Seja coerente e busque o lugar da sua identificação. Mas não confunda essas atitudes com a essencialidade da adoração. A essência da adoração é Jesus. Ser um adorador extravagante é ser simplesmente como Jesus. Livre de rótulos.

Celso Tavares
Pastor da Comunidade Vineyard de Belo Horizonte (MG).
www.vineyard.com.br

 
 
ADORAÇÃO EXTRAVAGANTE: RÓTULO OU MOVIMENTO?
Celso Tavares
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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