Boletim Mensal * Ano VI * Outubro de 2007 * Número 55

           

   FADO TAMBÉM É CULTURA (13)

     Alfredo Antunes

 

  
            Amigos! Por tanto admirar Amália Rodrigues, tenho dificuldade em falar dela. Parece que seria melhor o silêncio! Mas vou, mesmo assim, abrir o coração.                   
            Fez, há dias, exatamente oito anos que Amália morreu. Morreu mesmo?! Fernando Pessoa diz que: “Morrer é só não ser visto”!. Oito anos sem Amália! Nesse triste dia 6 de outubro, de 1999, Portugal ficou sem voz! Ficou como que assustado! Perplexo! Proponho, hoje, Compadres, um minuto de silêncio, no vosso coração, por ela!
Amália da Piedade Rodrigues: a Nª Senhora do Fado; a Nª. Senhora de Lisboa; a Nª. Senhora da alma de todos nós!
            Saída da Rua Martim Moniz, na base da Mouraria, esta mulher, bonita, simples e triste, foi a “primeira figura pública de Portugal do seu século”, como escreveu  “The Guardian”, de Londres. E, sempre fiel às suas raízes, galgou o mundo e brilhou em todo o planeta. Tornou universal o que era local. Considerada uma das quatro vozes mais importantes do século (juntamente com Maria Callas, Billie Holliday e Ella Fitzgerald), era “a própria canção feita mulher”, como disse “Le Figaro”, de Paris, em 1967. E, no Suplemento da Enciclopédia  Larrousse, desse mesmo ano, Amália Rodrigues aparece como: “a maior cantora popular do mundo”.
            Com apenas a 4ª. Classe Primária, falava fluentemente cinco idiomas e tinha uma educação e um porte de rainha. Por méritos próprios, Amália ascende da viela aos salões. Começa a freqüentar a Aristocracia e o Poder. Isabel Franco, D. Duarte Nuno de Bragança, a Duquesa de Paris, os Condes de Barcelona e o Rei Humberto de Itália, eram alguns dos fãs ilustres da nova Cantadeira, de 23 anos. Sem falar no próprio Salazar que, já nos anos 40 ia, discretamente, ouvi-la, nas sextas-feiras “black tie”, no “Café Luso”. Era admirada e aplaudida, também, por artistas como Nat-king-Cole, Frank Sinatra, Bin Crosby, Edie Ficher, Elisabeth Taylor, Marlene Dietrich, Ava Gardner, Anthonny Quinn, Edith Piaff, Aznavour; e pelos grandes nomes do “jet set” internacional como Onassis, Hamingway, Rubirosa, António de Espanha  e Rudolff  Nureyev. Foi “a última caravela dos Descobrimentos”, como escreveu alguém.
            Uma fascinação jamais vista!  Fascinação misteriosa, como misteriosos são os mitos. Em Portugal, já desde os finais da década de 30, Amália Rodrigues irradiava um estranho sortilégio que paralisava as pessoas. Se entrava num autocarro, o povo se levantava;  à sua passagem pelas ruas, havia gente que se benzia; e uma vez, num barco, de noite, em Vila Franca, depois de cantar para amigos o “Fado Escravo”, houve gente que se ajoelhou! “É como se nos arranhassem por dentro...”, exclamou o grande António de Espanha – símbolo máximo do bailado Flamenco. Ela é “não só um mito, mas um milagre”; “um heterônimo de Portugal”, escreveu  Mourão Ferreira. E Nuno de Almeida disse mais: “Essa voz constitui, para mim, a prova irrefutável da existência de Deus”!
            Entre centenas de prêmios, recebeu de vários países, as suas maiores condecorações de Estado (“Legião de Honra”, da França; “Grã-Cruz de Santiago e Espada”, de Portugal; “Ordem de Isabel a Católica”, de Espanha...e muitas outras). Apesar de tudo, parece que só se sentia bem na sua velha Lisboa, bem juntinho às raízes da infância.Sendo a voz espiritual de todo um Povo, era junto deste Povo que tinha de ficar. Só assim, podia continuar a dizer-lhe, cantando: “Povo, povo eu te pertenço/ Deste-me alturas de incenso/ Mas a tua vida não!” . O Povo, se podia dar-lhe tudo, deu-lhe tudo. Mas não pôde dar-lhe a vida! E por isso, morreu Amália Rodrigues! Que pena!
            Atuou em 11 peças de “teatro de Revista” e estrelou 11 filmes. Foi projetada no planeta, sobretudo, através do filme francês “Les Amants du Taje”, de 1953 -  onde cantou o eterno “Barco Negro”.Muitos episódios mais se poderiam contar sobre a fascinação que o mito Amália exerceu no mundo. Como naquele dia 6 de outubro, em Toronto, quando, após um fantástico concerto, o Prefeito da cidade, Art Eggledon, propôs que esse dia ficasse sendo o “Dia Municipal de Amália”. A moção foi aprovada na Assembléia, e o dia 6 de outubro é ali, ainda hoje, o “Dia de Amália Rodrigues”. E...ironia do Destino (ou do “Fado”): Amália morreu justamente num dia 6 de outubro! Morreu no seu dia!  A Holanda criou uma nova espécie  de tulipa para dar-lhe o nome de Amália Rodrigues; a Alemanha chamou a uma rua de Hamburgo: Amália Rodrigues Strasse;  e,  assim, poderíamos continuar contando casos incríveis!Portugal reconheceu bem o  significado da sua Amália no mundo inteiro. Sem falar nos funerais de Estado com que foi honrada, prefiro lembrar as celebrações dos seus 50 anos de carreira, numa “Noite de Gala” que ficará eterna! Com a presença do Chefe de Estado e de todo o Governo Português; perante o Cardeal Patriarca de Lisboa e representantes de muitos Governos, Portugal assistiu, emocionado, a uma fusão mística do inconsciente coletivo com o símbolo vivo – Amália -  que expressava a alma de todos.
            Basta pensar que na Comissão de Honra dessa festa figuravam nomes de vários Monarcas, Chefes de Estado e Primeiros Ministros, seis Embaixadores, o Secretário Geral da ONU, o Presidente da Comunidade Européia, e uma deslumbrante plêiade de figuras máximas da Cultura e das Artes, desde Plácido Domingo e Rudolff Nureyev a Sofia Loren. Nessa noite mítica, Portugal voltou a ser universal!
            No dia da morte de Amália, o Governo Português anunciou que iria sepultá-la no “Mosteiro dos Jerónimos”.
            Seria ali o seu lugar certo. Afinal, o “Mosteiro dos Jerónimos” é o panteão do mar, o panteão dos nossos mitos! Amália Rodrigues lá ficaria bem, porque ela era a nossa voz, a voz de Portugal, a voz da Saudade, a voz das nossas lágrimas marítimas para que o “Mar sem fim fosse português”. Mas levaram-na a enterrar no “Panteão de São Vicente”, lá no alto, ao lado dos Poetas Almeida Garret, Castilho e outros. Está em boa companhia, também! E se Deus também gostar de Fado, deve ser uma eterna “noite portuguesa”, lá no céu!...Até à próxima, Amigos!
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