Bullets In Blue Sky

Tiros no Céu Azul

Capítulo 5: Duetos, parte 2: Friends


Ela pouco se mexia nos braços dele. Ora ou outra um dos dois deixava escapar um movimento mais brusco. No mais, não passava de uma dança rítmica acompanhada pelo movimento da respiração de cada um. Era estranho. Estavam ofegantes, mesmo estando parados o tempo todo. Tudo não passava de um abraço e apenas isso.

Mas eles não sentiam que era apenas isso. Shinji sentiu o que era realmente proteger. Asuka finalmente sentiu o que era ser protegida. Essas poucas palavras e definições rápidas passaram pelos dois, mas que teimaram em ignorá-las. Por mais estranho que pareça, a arrogância fez o jovem ignorar, e o medo fez a ruiva descartar a possibilidade. Se ambos soubessem o que se passava por cada um, com certeza dividiriam uma risada ao notar a súbita e hilária inversão de papéis.

Eles ouviram um barulho qualquer no apartamento, e ignoraram. Só podia ser o pingüim se atrapalhando com alguma coisa. Se o animal já era desastrado normalmente, depois de beber, então, chegava a ser cômico. Ou também podia ser Mark, que esqueceu alguma coisa. Ou Iroquois Pliskin, talvez até Misato.

Não, os dois primeiros não tinham motivo nenhum para voltar, apesar da ligeira gritaria de algum momento atrás. E Misato com toda certeza não seria liberada antes do começo da manhã do dia seguinte, na melhor das hipóteses.

E mesmo sabendo que sempre havia uma tendência a acontecer as maiores impossibilidades naquela casa, nada os fazia tirar o olhar um do outro, ou dos braços um do outro.

Shinji tinha uma imagem mental de Asuka confusa, inesperada, quase como uma constante que se modificava sem pedir licença alguma, tamanho era o reflexo que as ações da alemã tinham sobre ele. E ele nunca havia percebido que o olhar dela poderia ser tão penetrante. Havia muito mais palavras para definir o olhar intenso dela, e ele nem se preocupou em acha-las. Vinham de montes em montes.

Nunca desejou tanto quanto que aquele olhar fosse completo, que os dois rubis dela o fitassem. No entanto isso era impossível, pelo menos no momento. Quando pensou nisso, a culpa tomou conta dele.

Havia a possibilidade dele nunca ver aqueles orbes celestes de novo. E foi o que fez ele estremecer. A coragem repentina evaporou tão rápido como chegou. Era culpa dele. Asuka poderia nunca mais ser a mesma e era culpa dele. A maldita covardia que nunca se mostrou tão forte em Shinji Ikari quanto no dia do Terceiro Impacto também era culpa dele.

Ele havia tremido, perdeu o controle de suas pernas e quase caiu no chão. Quase. Se não fosse por Asuka.

Foi a vez dela segura-lo com força, dela ser tomada pela coragem. E esta não poderia ter aparecido em melhor hora. E isso pegou os dois de surpresa. Asuka não deixou ele cair. Ela, que sempre fez questão de gritar para quem quisesse ouvir que odiava Shinji, tinha acabado de se contradizer completamente. E ela não sentiu remorso por isso.

Shinji fez o que sua idiotice permitiu.

- Desculpe...

- Você sabe que eu odeio isso...

E então, o silêncio teve a chance de reinar mais um pouco, até que as lágrimas de dois jovens o expulsasse dali.

-

A poucos metros do apartamento dos dois pilotos e da major, estava o dos dois seguranças. O silêncio quase imperava quanto o primeiro, com exceção de uma televisão ligada na sala em um volume quase mínimo e sem ninguém para vê-la ou ouvi-la, mas que de qualquer forma seria abafada pelo chiado insuportável de uma panela de pressão na cozinha. No corredor para os quartos também ouvia-se uma voz, esta não pertencia a nenhum dos dois ocupantes do apartamento.

"Now he's too old to Rock'n'Roll but he's too young to die"

Cantou a voz. Era uma música afinal, e das boas, considerava aquele que a ouvia. Too Old to Rock And Roll: Too Young to Die, da banda britânica Jethro Tull. Um pouco excêntrica, diriam a maioria das pessoas. Marcada pelo vocal peculiar, uma flauta muitas vezes solando fazendo o trabalho da tradicional guitarra, e também as letras complexas e bem construídas.

Se você entende um quadro surrealista, você entende Tull, pensou Mark Goodspeed. O segurança estava deitado no chão de seu quarto, ao lado da cama intocada, apesar de estar desarrumada. Sua "marca registrada", o óculos escuro estava lá mesmo se mostrando inútil naquela escuridão toda. Refletia sobre algumas coisas, nada de muita relevância. Talvez o mais importante tópico sobre o qual meditou foi Asuka Langley. A ruivinha estava mostrando cada vez mais uma personalidade complexa e conflitante. O que era bom foi a conclusão a qual chegou. O conflito significava que ela estava passando novamente por um embate de emoções, só que desta vez ela teria ajuda.

E se eu direciona-la para o caminho certo, tudo vai dar certo. Para nós e para ela. Assim como eu te prometi, Kyoko. Uma lágrima quase surgiu quando ele pensou na mulher que mudou sua vida. Ele logo deu um sorriso e a conteve. Para ele não havia problema em chorar, afinal era da geração do Segundo Impacto. Provavelmente não havia problemas para Solid Snake, que deve ter visto muitas vezes alguém chorar em sua carreira militar, mas o jeito meio incomum que Snake conseguia fazer transpassar fez com que Mark tomasse um cuidado especial em relação a isso. Ainda mais estando ele parado na porta do quarto de Mark.

- Você gosta de Jethro Tull? - Perguntou o soldado.

- Muito...

Passaram-se alguns momentos de silêncio, apenas quebrado pela melodia da música que no momento estava em uma parte apenas melódica-progressiva, com instrumentos que Solid não fazia questão de adivinhar, liderando a música.

O vocal voltou pouco tempo depois, um pouco mais baixo que anteriormente. Ainda era acompanhado pelos instrumentos quando o volume da música pareceu aumentar significantemente. Na verdade, o vocalista cantava com mais vontade, parecendo querer enfatizar o trecho:

"And as he flies --- tears in his eyes --- his wind-whipped words echo the final take and he hits the trunk road doing around 120 with no room left to brake."

A letra da música pareceu tocar os dois homens naquele momento. Antes que qualquer um dos dois pudesse falar algo, a música continuou:

"And he was too old to Rock'n'Roll but he was to young to die"

O vocalista cantou com mais vontade ainda aquele trecho, e o repetiu mais uma vez. Só que ainda não era hora de um dos dois se pronunciar. Ambos conheciam a música e esperaram as últimas palavras, que vieram acompanhadas de um piano alegre e rápido, lembrando algum rythm and blues antigo de mesma intensidade.

"No, you're never to old to Rock'n'Roll, if you are too young to die"

"But he was to-"

E a música foi interrompida. Mark desligou o antigo aparelho cd player ao seu lado e impediu o último momento da música. Levantou rapidamente e esticou os braços.

- Não vamos deixar o senhor Ian Anderson terminar dessa vez - Ele comentou enquanto limpava os óculos.

- É, não vamos - Snake disse enquanto saia de frente da porta, dando espaço para o jovem passar. - I'm not too old to Rock'n'Roll, if that was what you're thinking. I'm like you, kid. -O mais velho disse em um inglês perfeito para o jovem que ia em direção a cozinha, ele se virou para falar.

- Then you're too young too die, old man. Heh...-Mark virou-se novamente.

- A propósito, sua garota está lá na sala te esperando!

- E você não me avisou antes??? Droga! - Ele acelerou o passo ao som das risadas de Snake. Ele realmente tinha que tomar cuidado com o velho soldado.

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Asuka teve muito tempo para cair em si, o que não aconteceu. Mas por uma inconstante qualquer, acabou realizando. Ela e Shinji estavam mais próximos do que jamais estiveram. Não que ela tivesse algo do que reclamar, mas aquilo aconteceu num momento de fraqueza. Se uma impossibilidade tamanha como essa brotou dessa imperfeição, e se eles não conseguiram ter nenhum controle sobre si nessa situação, qualquer outra coisa poderia acontecer. Coisas que ela em tempo algum se permitiria fazer com Shinji, sequer pensar.

Só em pensar em algumas dessas possibilidades, Soryu Asuka Langley se odiou. Ainda que o sentido da palavra conseqüência parecesse ter desaparecido de sua concepção, seu estado psicológico mesmo que momentaneamente enfraquecido sabia que realizar aquilo que não saia de sua cabeça seria ir longe demais.

Mas ela se odiou ainda mais, pois de alguma forma - o que não foi novidade - seu corpo voltou a agir por conta própria. Seus lábios estavam para se tocar com os de Ikari, sua safira azul restantes estava quase que mergulhada na escuridão quando a realização voltou a ela. Era bom aproveitar que ela estava ali, antes que fugisse novamente e deixasse a ruiva a mercê da sua involuntária consciência.

O que não significou que eles se afastaram, ela apenas deixou de efetuar seu devaneio quase incontrolável. De certa forma, ficaram mais próximos ainda quando Asuka repousou seu rosto na camisa de Shinji, que ela percebeu estar molhada, e a única conclusão que tirou foi que aquela não foi a primeira vez que fez aquilo enquanto mantinham aquela proximidade nova. Provavelmente em algum momento ela havia chorado ali. O que a preocupou, não pelo choro em si, mas pelo fato que realmente não lembrava daquilo. O pensamento de que os dois podiam ter de fato selado aquela proximidade curiosamente não a fez se odiar novamente, mas sim enrubescer. Para sorte dela a posição em que estava fazia com que a única vermelhidão que o jovem Ikari visse, fossem os cabelos rubros ostentosos de Asuka.

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Em rápidas e poucas passadas, o jovem fã de Tull chegou a pequena - mas aconchegante - sala do apartamento. Era igual à do apartamento ao lado, inclusive as cores, mudando uma ou outra de lugar, aqui ou ali. A única diferença era que esta sala vivia bagunçada. Limpeza e organização não eram prioridades para Mark e Snake, no apartamento ao lado, pelo menos havia Shinji que conseguia manter o recinto humanamente habitável. Mark até percebeu algumas coisas fora do lugar, ou no lugar certo, melhor falando. Ann deve ter arrumado nesse pouco tempo. Mas não foi fazendo trabalho algum que o jovem agente encontrou sua loirinha de pele alva. Quase inacreditável que ela tivesse descendência sul-americana.

Foi em frente a pequena mesa reservada ao computador que ele a encontrou. Só podia ver as costas da garota, mas ao julgar pela posição em que estava, os perceptíveis braços tremendo e o provável semblante estático, Ann viu o que não podia ver. Goodspeed não precisou dar mais nenhum passo.

- Raiden está com problemas lá...

- Está... - Ele respondeu, ignorando se o que ela fez foi uma pergunta ou não.

- Isso quer dizer que...

- Sim. - Respondeu novamente, desta vez num tom mais triste. - É por poucos dias, eu prometo! - Mark tentou justificar. Na verdade não havia necessidade disso, mas Ann, mais que muitas outras pessoas, merecia uma explicação.

- Você não pode ir pra lá!! Está uma guerra!!

- Se eu não for, aqui também poderá virar uma guerra. E pior que lá.

Ele bem que pretendia tentar convence-la com algum outro argumento, mas a loirinha finalmente se virou, mostrando seu rosto choroso, uma cena que poderia desarma-lo a qualquer momento. Ele, que foi definido por um antigo professor como um gênio na argumentação, um perfeito político, ficou sem palavras. Se haviam duas pessoas que poderiam deixar Mark Goodspeed sem reação nenhuma, eram Asuka e Ann. A última acabara de faze-lo.

- Eu sei como é lá. Esqueceu que eu vivia naquele país??? - Ela já estava quase gritando. Talvez até estivesse, para quem conhecia a sempre calma e pacífica Ann um pequeno aumento na sua voz já dizia que algo não estava normal com ela, no estado atual então...

- Nós dois sabemos Nihil!

E ela não falou mais nada.

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“O que é isso?”

Não foram exatamente as palavras que Shigeru Aoba esperava ouvir da sua superior, Misato Katsuragi.

- Café... você não pediu? - O guitarrista respondeu meio incerto.

- Sim... mas... isso é café? - Ela apontou para a embalagem. Era uma embalagem que facilmente lembraria antigos fast-foods norte americanos da infância e adolescência da Major. Exceto que aqueles eram mais discretos. Mais ou menos. A embalagem verde e amarela chamava uma atenção considerável em cima daquela mesa de trabalho cor de mármore.

- Siiimm - Ele respondeu quase cantando. Abriu a embalagem e tirou lentamente o recipiente da embalagem. Um copo de plástico normal, ligeiramente estilizado. Diga-se verde e amarelo. Pra variar. - Viu? Ca-fé!

- Idiota.. - A major disse depois de arrancar agressivamente o copo da mão do subordinado. Deu um gole e olhou de relance para o sorriso sacana de Aoba.

- É só uma brincadeira, Katsuragi - Ele logo sentou ao lado da Major e voltou a trabalhar de onde tinha parado, antes, botou um pequeno aparelho sobre a mesa. Um fio saia dele e seguia até os cabelos castanhos de Aoba, e se perdia ali mesmo.

O barulho da peça encostando na mesa cor de mármore foi quase inaudível, mas coincidiu com um raro intervalo na digitação dos operadores restantes. Foi um momento longo o bastante para a Misato reparar em algo interessante.

- Aoba, você me parece tão calmo...

- Hm? - Ele resmungou e olhou para Katsuragi ao mesmo tempo que tirava os fones do aparelho. Misato estava a ponto de repetir a pergunta quando percebeu um sorriso de entendimento do outro. - Ah, você que dizer, porque não estou nervoso que nem aqueles dois? - E apontou para Maya e Makoto. Esperou a mulher assentir e ele fez uma expressão altiva. Levantou o mp3 player a altura do rosto da major e o posicionou de forma que ela pudesse ler o que estivesse na tela de cristal líquido.

- Led Zeppelin?

- É, você devia tentar também... - E Aoba tratou de voltar novamente ao trabalho.

- Eu não gosto de música... - Misato deixou escapar enquanto fazia igual ao rapaz.

- Será? Você viveu os anos 90, Misato, a virada do milênio e esta vivendo a década de 10. Não consigo apontar uma banda sequer, ou um estilo novo e bom que surgiu.

- É a sua opinião, Aoba.

- He, é verdade, mas por que a major não dá uma chance ao bom e velho Rock N Roll? Pode pegar! - Enquanto tiveram essa rápida troca de frases, Aoba tratou de enrolar o fone em volta do aparelho, e entregou-o para a major. - Escute um pouco, pode me devolver amanhã! Tem de tudo aí: Rolling Stones, Lynyrd Skynyrd, James Brown, Traveling Wilburys, B.B King, Bob Dylan e claro, Led Zeppelin!

Pela primeira vez viu sinceridade e até um esboço de simpatia no rosto de Shigeru Aoba. Essas sozinhas não fariam Misato aceitar o “presente”. O que a fez mudar de idéia foram os nomes. Seu pai tinha discos de vinil de todos aqueles citados pelo rapaz. Ela nunca tinha escutado nenhum, afinal achava ridículo o pai gastar tanto com aqueles discos velhos e com um som péssimo. Mas ela tinha apenas 10, 12 anos na época. Pra ela qualquer coisa que viesse do pai era velharia.

Não hesitou em dar ouvidos aos mais velhos. Let There Be Rock apareceu na tela quando ela ligou o mp3.

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Dong-ding!

Era o estranho som da campainha. Uma brincadeira de Misato, sem sombra de dúvidas. Inverter os fios na campainha substituindo o clássico ding-dong pela estranheza que ambos acabaram de ouvir. Foi ainda na época que Asuka havia acabado de chegar à Tóquio, logo após a luta contra os anjos gêmeos. Uma tentativa frustrada de alegrar o ambiente pesado pós-luta em que Asuka se irritou com Shinji, por motivo algum. Há, havia um motivo sim, a posição ridícula na qual os Evas aterrissaram depois que o anjo explodiu. O que foi engraçado. Mas não mais que os dez minutos que Misato levou para convencer o eletricista a aceitar como pagamento do infame serviço duas latas de cerveja. Rendeu um sorriso em cada um dos pilotos, mas... pouco tempo depois Asuka se irritou com Shinji novamente.

Dong-ding!

Mas eles não estavam mais naquela época em que ela se irritaria com ele sem motivo algum. Há poucos minutos - que Asuka esperavam que fosse realmente isso - ambos pareciam ter consumado finalmente uma amizade, ou seja lá o que era aquilo. O abraço se partiu, e os dois se olharam. Se tinham voltado a se abraçar chorando, as lágrimas sumiram em algum tempo entre antes e agora. Eles se viram... sorrindo?

Uma lembrança proveniente da infame campainha? Ou alguns outros pensamentos individuais? Não importava. Era melhor atender a porta antes que o dong-ding voltasse a soar. Os dois foram caminhando quase lado a lado com Asuka um pouco mais a frente, e acabou que ela mesma abriu a porta sequer preocupada em olhar quem era pelo aparelho com câmera ao lado da porta. Os dois seguranças deveriam ter cuidado disso... não?

- Asuka!!!

Exclamou uma histérica Hikari. Ela poderia ter ficado parada, observando mais atentamente a amiga, mas ela era Hikari Horaki, então tratou de se jogar em cima de Asuka - ignorando curativos da ruiva - e com as duas mãos segurou o rosto dela. Parecia uma mãe preocupada com a criança machucada.

- Meu Deus, o que aconteceu Asuka? Que curativos são esses? Você está bem??

A resposta dela veio num abraço, que pegou a garota de cabelos escuros de surpresa. Shinji só foi notar que Hikari não estava sozinha quando quem a acompanhava apareceu, ou melhor, apareceram.

- Shin!!! - Eram Touji e Kensuke, que repetindo o gesto de Hikari, abraçaram o amigo.

- Haha, nós voltamos cara, nós voltamos! - Disse Kensuke, a felicidade em sua voz era mais que notável.

Era quase ridículo, mas eles não ligaram. Os três estavam abraçados, pulando e girando em uma direção, parecido com uma ciranda de criançinhas. Mas mesmo que eles conseguissem pensar alguma coisa, não dariam importância. Rever os melhores amigos depois de tudo que aconteceu era uma alegria verdadeira, e talvez nada expressasse mais a alegria do que agir como uma criança. Eles só foram parar quando Touji olhou de relance para as duas garotas, que ainda continuavam abraçadas, só que mais “contidas” do que os três rapazes. Foi quando ele notou as ataduras e bandagens em Asuka, o que fez com que ele parasse instantaneamente e fizesse os outros dois quase tropeçarem.

- A-asuka? - Ele falou surpreso. Por uma intervenção divina ele a chamou pelo nome, e não pelo carinhoso apelido de “demônio”. Ou talvez tenha sido plena consciência dele, apesar da intervenção ser uma teoria mais sensata.

As duas garotas quebraram o abraço e se afastaram, mas sem que Hikari quebrasse contato com Asuka. Ela e a ruiva deram as mãos, e Hikari parecia que não soltaria a amiga tão cedo. Touji e Kensuke percorreram a ruiva com o olhar, e notaram o estado em que ela estava. O curativo na cabeça, cobrindo o olho esquerdo, o braço enfaixado, e ainda as ataduras no abdômen e envolta dele, que podiam ser vistas graças a camiseta que ela usava, toscamente cortada alguns bons centímetros abaixo dos seios, era a moda daquele ano, e como todas as garotas da sua idade, Asuka seguia. Um sorriso sincero, quem surpreendeu os três visitantes, e que se fossem algumas horas atrás teria surpreendido Shinji e a própria Asuka, surgiu no rosto da ruiva.

- Olha, os dois idiotas. É bom ver vocês também.

- Eu acho que... é melhor nós entrarmos - Disse Shinji, quebrando o gelo do momento. E das caras perplexas dos três amigos.

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Hikari jamais pensara que aquela cidade poderia ser tão bela à noite. Já havia passado das onze horas da noite, e o único pedaço de pizza restante já estava frio. Até que Touji sentisse fome novamente. Passaram um bom tempo conversando - amigavelmente - todos os cinco, sobre os mais variados assuntos, desde onde cada um estava morando até as últimas notícias que ouviam na televisão da sala. Aquela sobre uma Ferrari conversível encontrada em destroços junto a caminhões em um buraco-ponto turístico, em especial chamou a atenção de Touji. Quem seria tão louco de acabar com uma Ferrari conversível, disse ele frustrado. Em nenhum outro momento, exceto aquele no inicio da conversa, eles falaram sobre a última batalha de Asuka e Shinji.

A noite estava realmente bela, as duas garotas tinham de concordar, apesar de nenhuma sequer ter falado uma palavra sobre. As luzes da cidade ajudavam, desde lá embaixo, na rua onde vários carros passavam mesmo sendo essa afastada das grandes avenidas da cidade. Provavelmente eles iam e voltavam para algum ponto em específico que acabara de abrir. O que tinha se tornado muito comum em Tóquio-3.

Estavam apoiadas no parapeito, Hikari com um dos braços em volta de Asuka, como que querendo matar as saudades da amiga. O que não era mentira. Apesar de conhecer a ruivinha a pouco tempo comparada à suas outras amigas, tinha simpatizado muito com a piloto. De alguma forma sabia que ela escondia algo como outra personalidade. Uma personalidade muito mais amigável e linda do que aquela arrogante e imponente que conhecera. Hikari sentia que essa nova “Asuka” estava ali, naquele momento, se mostrando aos poucos.

- Foi legal da parte deles não comentar nada... - Asuka murmurou.

Hikari voltou rapidamente o rosto para a ruiva. Notou nela um olhar distante mas também um sorriso. Um sorriso verdadeiro, que ela jamais havia presenciado antes. Ela sabia sobre o que a piloto se referia. Era sobre a aparência dela. As bandagens no olho e cabeça, o braço enfaixado e os demais curativos. Eram definitivamente alvos de curiosidade, inclusive pra ela, que tinha de admitir, estava muito curiosa sobre o que era tudo aquilo, que efeitos traria, se Asuka ficaria bem e se ela ESTAVA bem.

A garota de cabelos castanhos também havia se surpreendido com a discrição dos dois garotos. Shinji obviamente sabia lidar - mesmo que errasse quase sempre - com ela, mas Kensuke e Touji não. Pelo mmenos até agora. Eles que nunca conseguiram deixar escapar uma oportunidade de provocar a ruiva conseguiram se portar maravilhosamente bem. Inclusive Touji, que Hikari viu se segurar pra não responder à opinião de Asuka que Ferraris só tinham nomes, e que carros alemães eram melhores nos quesitos desempenho e estética. Engraçado, ela pensou, foi aquilo soar realmente como uma opinião, e não com uma provocação.

- Eles são idiotas Asuka, mas tem coração... - Hikari respondeu, em tom igual ao da amiga. Mas foi para garantir que nenhum dos garotos a ouvisse, apesar das duas estarem na sacada e eles dentro do apartamento. Ambas dividiram uma risada agradável.

- Eu também... - A ruiva voltou a falar, dessa vez soando mais triste.

Outra coisa além do lamento chamou a atenção da morena. O sotaque da garota de olhos azuis realmente parecia de uma estrangeira, o que era praticamente novo para Hikari. Quer dizer, ela obviamente sabia da descendência alemã de Soryu, mas desde que falou com ela da primeira vez não havia sequer uma lembrança da língua germânica- claro que não tinha ouvido muitos alemães falando - mas agora com tudo aquilo que ela estava pensando sobre a “nova Asuka”, aquele modo de falar parecia tão... gracioso.

Porém não havia nada de gracioso no que ela falou, e sim melancolia. Ainda que não acreditasse no que acabara de ouvir, pois aquilo definitivamente nunca seria dito por Asuka em ocasiões normais. Ou anteriores. O que não significava que Asuka jamais se sentiu assim.

Foi então que a irmã do meio entre as “Horakis” entendeu. Soryu Asuka Langley não era uma barreira impenetrável. Ela era como qualquer outro ser humano. Quando ela agia de forma arrogante, orgulhosa e qualquer outro adjetivo semelhante a narcisismo e ego, não era a Asuka de verdade falando. Aquela, acolhida nos braços da representante de classe, era a verdadeira Asuka. Seja lá como a ruiva criou aquela personagem, queria a qualquer custo livra-se dela, e Hikari não ia deixar de ajudá-la.

- Asuka... eu não vou mentir: não tenho a menor idéia do que você está passando, ou passou, e principalmente essa última não me interessa. A única coisa que me interessa é que você saiba que eu estou aqui para te ajudar. Eu sou sua amiga, e amigas servem para isso, não é? - Ela fez uma ligeira pausa com um sorriso, a outra garota a acompanhava com curiosidade. - E eu percebi algumas mudanças hoje, e não foi só em você, e acho que me entende perfeitamente no que eu me refiro... olha, 2015 ficou para trás. Pegue aquilo de mais agradável que teve naquele ano e guarde. O resto... apenas ignore.

Depois do pequeno discurso, as duas ficaram em silêncio por algum tempo. Hikari mal podia acreditar no que acabara de falar, nunca foi daquelas amigas conselheiras. Mas Asuka merecia uma exceção. Essa, certamente ficou pensando no que a colega disse.

- Um pouco tarde para um discurso de ano novo, né?

- Alguns meses! - Hikari riu logo em seguida, e a ruiva acompanhou. Nem se importaram que tinham chamado a atenção de três surpresos e curiosos garotos que estavam dentro do apartamento - Então... Estou certa quando eu digo que não fui a única pessoa a te confortar hoje? Só por curiosidade... - Ela acrescentou num tom de brincadeira.

- De certa forma... - Ela sorriu e correu para dentro do apartamento.

- De certa forma? Ah, não! Que história é essa? - A morena correu atrás.

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Seis segundos. Foi o que ele precisou para esvaziar o pente da sua Five-seveN em um grupo de inimigos que encontrou a 20 metros de si. Mal tinha acabado de sair do abrigo e olhara para a direita, a sua arma o acompanhou logo em seguida. Foi quando viu o grupo de trajes diversos e estranhos. Sequer tinham adotado um uniforme esses mercenários. Uma estratégia interessante Raiden considerava, já que poderiam se passar por civis a qualquer momento.

Não importava, o ex-FoxHound tratou de ignorar a variedade de cores nas roupas e atirar em um por um. Assim que aqueles primeiros não apresentavam mais ameaça alguma Raiden foi até um ponto onde soldados se abrigavam atrás de paredes e encontrou o tenente Mendes e a sub-tenente Linda Salazar, o primeiro, estirado no chão agonizando em seus últimos momentos. A bela soldado estava de joelhos ao lado do companheiro, ela tentava a todo custo faze-lo resistir falando algumas coisas e sacudindo o rapaz, mas não adiantou. Ela fez o sinal da cruz e em seguida limpou as lágrimas, pegou o rifle e se levantou já atirando para um grupo inimigo se movimentando em uma trincheira próxima. Estava para sair do abrigo em direção aos alvos quando algo a segurou.

- Não seja burra, garota! - Disse Raiden. Se jogou com ela atrás de uma parede e a segurou com força. Uma rajada de tiros passou pelo exato lugar onde ela estava anteriormente.

- C-captain?

- Mata-los não vai trazer o seu amigo de volta, muito menos morrer. - Ele olhou fixamente para a garota, que tremia freneticamente. Lembrou que Mendes certa vez havia comentado sua relação com Linda, que certamente foi além da amizade. Lucky guy... Ele lembrou de ter pensado quando o tenente contou. Reiterou seu pensamento ao perceber que Linda era notavelmente mais feminina que os outras poucas soldados mulheres da frota.

Era impossível de não se comover com a garota, então ele resolveu fazer algo. Preso ao seu cinto, havia um certo dispositivo retangular e cinza escuro, quase preto. Uma pequena luz verde que emanava dele sumiu quando retirou-o de si. Prendeu-o ao cinto de Linda e apertou um botão em um lugar qualquer na superfície do aparelho. A luz verde acendeu assim que o fez. Raiden então segurou a garota pelos ombros e olhou nos olhos dela.

- Escute. Isso que eu coloquei em você é chamado de Bullet Field. Ele contém todas as assinaturas magnéticas das armas construídas e usadas nos últimos anos. Qualquer tiro que venha a sua direção no raio de um metro vai desviar automaticamente. Tome cuidado apenas com granadas, e o principal: não fique perto de grandes grupos, um dos tiros que forem desviados podem acertar algum companheiro. Entendeu?

- C-como isso é possível?

- Nem me pergunte...

Raiden fez sinal para um dos homens que distribuía as armas jogar a que tinha em mãos para ele. Um lança-granadas logo atravessou a distância entre o capitão e a barraca de armas. Ele checou a munição e entregou a arma à sub-tenente.

- Agora, quero que você vá ate ali no meio e esvazie essa arma em qualquer pessoa que não use o seu uniforme.

A jovem soldado olhou assustada para ele, ainda não acreditando no que ele a pediu. Mas o olhar de confiança e determinação do capitão Raiden a fez parar com a tremedeira aos poucos. Ele não iria enganá-la daquele jeito, o que falou tinha de ser verdade, por mais que não acreditasse que tal tecnologia existisse. Ela seguiu as ordens. Em passadas embaraçadas foi caminhando até o ponto determinado. Assim que saiu da proteção viu uma granada explodir uns 10 metros a sua frente, uns poucos pedaços de terra e poeira atingiram sua roupa e seu rosto. O que a preocupou, uma vez que eles não desviaram.

Quase diminuiu a velocidade nos passos, se não fosse por alguma coisa incompreensível que ouviu Raiden gritar. Ela chegou até onde seu capitão indicou. Era na frente das casas e das barracas do acampamento. Uma grande área verde cortada com uma trilha a separava das áreas com moitas e arvores por onde corriam os mercenários. Ela viu um barbudo de boné vermelho mirar em sua direção. Um pequeno clarão veio da arma, e então...

Seis ou sete tiros vieram em sua direção. Os olhos sequer fecharam. Presenciaram as balas magicamente abrirem um ângulo qualquer e desviarem de seu alvo, indo parar em dois muros atrás dela. Linda Salazar mal podia acreditar no que acabava de presenciar. Nenhum tiro acertou nela! Jurou ter visto as balas pararem a alguns bons centímetros de sua face e tomarem outra direção. Teria ficado ali parada, descrente do que havia acontecido se não tivesse ouvido outro grito de Raiden.

A expressão no rosto dela mudou completamente. A raiva tomou conta e ela parou de pensar em coisa alguma nos momentos que se seguiram. Preocupou-se apenas em acertar qualquer coisa que se movia na sua frente. Bolas de fogo e explosões trataram de silenciar os tiros naquele acampamento.

Momentos depois do silêncio voltar a tomar conta, a garota caiu de joelhos no chão, as mãos cobriram o rosto e ela tratou de chorar a morte de alguém próximo. Alguém chegou para ergue-la em seguida. Ela não viu quem era, apenas ouviu a voz, agora calma e aconchegante de Raiden, dizendo que tudo ia acabar bem.

Ela não acreditou. Talvez nem o próprio o tenha.

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Boas horas já haviam passado e os visitantes estavam deixando o apartamento dos pilotos. Hikari e Kensuke já estavam longe, no final do corredor esperando o elevador. Asuka já entrara e apenas Touji e Shinji estavam ali na entrada do apartamento. O silêncio prevalecia e Touji tentava disfarçar seu nervosismo desviando o olhar. Ora para o chão, ora para as floreiras que cobriam o parapeito. Os dois sabiam que tinham algo a falar. Touji finalmente resolveu começar.

- Shinji...

- Touji?

O jovem Ikari estranhou a seriedade na voz do amigo. Suzuhara desviou o olhar do chão, por onde estivera olhando nos últimos segundos, e encarou o amigo. Não era nem o Touji brincalhão, não era o Touji que ele conhecia. Era alguém de semblante sério. Algo que só havia visto uma vez no amigo.

- A Hikari disse que não veio visitar vocês antes porque estava ocupada com a mudança... cara, a verdade é que... nós estávamos com medo de chegar aqui e não... não... não encontrar vocês - Ele finalmente falou. Parecia ter tirado um peso gigantesco das costas. - Você não imagina como foi tocar a campainha e não ouvir nada, nenhum passo, nenhum comentário, nenhum grito da Asuka. O Kensuke não conseguiu tocar a campainha pela segunda vez, eu tive que tocar. A Hikari jamais conseguiria. Shin, nós estávamos completamente brancos... até que a porta abriu... e eu nunca fiquei tão feliz de ver a demônio novamente. Eu acho que até eu e Ken teríamos abraçado ela se Hikari não tivesse ido primeiro e se não víssemos você logo em seguida - O atleta falou quase envergonhado. O tom de brincadeira do final da frase acabou deixando o ar um pouco mais leve no lugar.

- Isso não vai acontecer de novo - Shinji disse. Foi a vez de Touji não reconhecer o amigo. Shinji surpreendeu não só com suas palavras mas também com o sorriso que acompanhou.

- Você quer dizer que não vão precisar mais pilotar? - O mais alto perguntou, tirando a conclusão mais obvia que achou.

- O que eu quis dizer é que isso não vai acontecer de novo. Ninguém mais vai ter que pagar pela minha falta de coragem, por eu ser um idiota. Você sofreu por isso, A-

- Eu já te falei Ikari, a culpa não foi sua! - Ele falou quase alterado, o que não impediu Shinji de continuar.

- Asuka... sofreu por isso. Essa minha falta de amor próprio machucou a mim, e a outras pessoas. Só que não mais! ... Touji... antes eu não queria pilotar o Eva, um tempo depois, me convenci que valia a pena faze-lo pelas pessoas que eu amo. Só que aquilo ficou só nas palavras, no meu pensamento. Eu nunca realmente agi da forma que deveria. Eu nunca honrei o que eu prometi. Touji... Misato, Asuka, você... Rei... todos sofreram. Você não sabe o que é ter que viver com isso-

- Não diga uma coisa dessas, seu idiota. Eu sei o que é conviver com a culpa. - O tom sério nem foi considerado, o sorriso sacana, marca registrada de Touji tratou de diminui-lo. Aquele era o Suzuhara que Shinji conhecia. Que sorria tanto alegremente quanto sarcasticamente mesmo nas piores horas. - Mari não foi para o hospital por culpa sua. Eu que devia estar cuidando dela. Era minha obrigação como irmão dela. Mas isso não aconteceu. Estava tão preocupado com minha própria vida que deixei minha irmãzinha se perder na multidão. Quando soube do acidente, a culpa não foi maior do que a raiva, que eu direcionei para o lado errado. Para a pessoa errada. Você. E sabe quando que eu aprendi isso, quando que eu entendi o significado de responsabilidade mesmo que envolva o sacrifício? Quando eu te vi pilotando contra o quarto anjo. É por isso que eu não posso, jamais, te culpar pelo que aconteceu comigo na batalha contra Bardiel.

- Você nunca tinha me falado isso.

- Nossa última conversa foi rápida não é? - Os dois riram.

- É... Quer dizer então que você não vai me chamar de idiota por voltar a pilotar?

- Nem um pouco!

- Hikari está lhe esperando. - Shinji disse após os dois ouvirem a voz da garota no fim do corredor.

Parecia que o elevador já havia chegado. A alegria sumiu da face de Touji. Ele ainda tinha de falar uma última coisa para o amigo, mas o tempo parecia conspirar contra. O que o lembrou de meses atrás. Mas não havia com o que se preocupar. Ele prometeu a si mesmo que no dia seguinte voltaria para falar com Shinji aquilo que tanto o incomodava. Ele ainda tentou disfarçar a tristeza em seu rosto com um último comentário.

- É melhor eu ir então. Sabe como aquele ali adora me atazanar por coisas pequenas!

---

- Como ela está?

- Todos os sinais vitais estão normais. Batidas no coração, respiração, reflexos, tudo em ordem. Exceto pela ligeira variação nas batidas cardíacas dela quando retiramos uma amostra de sangue. Isso nunca havia acontecido antes... eu só posso supor que ela-

- Sentiu dor, ou... ficou com medo. - O que deveria ser algo triste, soou alegre na voz do Comandante Ikari. Parecia que Rei estava se tornando humana. E isso para ele era tudo o que importava.

Os dois ficaram observando a garota por algum tempo. Entre eles estava uma grande janela de vidro que permitia enxergar tudo o que acontecia naquilo que parecia um quarto de hospital comum. Por outro lado, a paciente, no caso Rei, não tinha a menor idéia de que estava sendo observada, apesar de ter sua atenção atraída para aquele grande vidro preto.

Fisicamente nada parecia ter mudado nela, mas a jovem de olhos vermelhos sabia que estava acontecendo alguma coisa com ela. Para começar, sequer deveria estar ali. Pelo menos eram o que suas últimas lembranças a faziam concluir, mas ao julgar a atual situação, a menina estava começando a duvidar se aquilo tudo era realmente uma lembrança ou tinha sido tudo apenas um sonho. Tais questionamentos nunca haviam passado pela sua cabeça, o que estava deixando tudo ainda mais estranho.

E as estranhezas não acabavam por ai. Suas mãos escorregaram de suas coxas, cobertas pela camisola de hospital e repousaram sobre o lençol branco da cama. E então ela sentiu. Uma mudança brusca entre as texturas da camisola e daquele pedaço de pano. A primeira parecia mais rígida, áspera, enquanto a segunda era tão agradável que Rei se pegou acariciando a superfície sedosa.

Ela achou aquela situação estranha. Nunca tinha reparado nos pequenos detalhes que algo como um lençol poderia ter. Ou talvez... Eu nunca tivesse parado para observar... Mais alguma coisa acabou chamando a atenção dela naquele quarto. Rei começou a sentir seu braço esquentar. Quando olhou para ele descobriu o que era. Aquela parte do quarto, bem onde ela estava, era tomada por raios de Sol. Ela se virou para fitar a fonte de toda aquela luz. Caminhou até a outra janela do quarto, a verdadeira, que permitia a ela ver a luminosa estrela. E seus olhos doeram.

Ela fechou rapidamente os olhos e tapou a visão com uma das mãos.

Por que isso nunca aconteceu antes? Rei permaneceu ali, inerte, em frente a janela, de pé, mas ligeiramente curvada de forma com que os raios solares não tocassem seu rosto. Será que eu nunca olhei para o Sol antes como... agora? Aos poucos ela foi se levantando, ao ponto de ficar totalmente ereta, então foi a vez de seu rosto fazer o mesmo. A sombra de ambas as mãos a acompanharam, de forma com que a luz não a machucasse novamente. Ficou assim por algum tempo. O bastante para sentir novamente aquele calor de outrora, desta vem em seus braços e rosto, sentiu a camisola de hospital aquecer um pouco também. Então, ela abriu os olhos ao mesmo tempo que tirou as mãos da frente do seu rosto.

E a estrela luminosa voltou a cega-la. Em poucos instantes, voltou a fechar seus olhos. E algo como o reflexo do Sol surgiu em meio a escuridão. Rei Ayanami permaneceu ali, de frente a janela, banhada pela luz e observada por Gendo Ikari e Ritsuko Akagi.

Este é o resultado da minha...?

- Humanidade - Exclamou o comandante, quebrando o silêncio entre ele e a cientista.

- Hã?

- Essa - Ele tirou a luva de sua mão esquerda e tocou o vidro, e o acariciou na parte onde via sua jovem “preferida”. - É a natureza humana se manifestando nela.

- Eu sei o que é humanidade. Re-li uns bons volumes de filosofia enquanto me mantinha presa - Ritsuko tentou soar o mais sarcástica possível.

- Acho que seu trabalho aqui acabou. - Gendo respondeu pensando que isso botaria um ponto final na conversa.

- Ok! - Ela largou caneta e papel que estavam em suas mãos e as estendeu, uma ao lado da outra para o Comandante. - E então, você que bota as algemas, ou esse nosso tempo ficou para trás? Sabe, eles costumam ser mais delicados do que você era.

Ela disse se referindo aos dois seguranças de que Gendo acabava de passar, antes de sair falou algo para eles, provavelmente para algema-la, ignorando os comentários de Ritsuko. O sorriso maldoso dela deu lugar à frustração. Não sabia porque ainda tentava insistir em provocar o velho Ikari. Sabia que não ganharia nada com isso.

Talvez porque ele tenha me usado... Ela se respondeu enquanto era carregada pelos braços pelos dois seguranças, sendo quase levantada tamanha a força deles.

---

- É, não é tão ruim... - Misato deixou escapar um comentário.

Aoba desviou o olhar para a sua superior, o que não o impediu de continuar a maçar as teclas do computador mesmo com uma só mão. A outra estava segurando o café. E ele quase engasgou com o mesmo ao identificar pela tela do mp3 a música que Misato ouvia. Com isso acabou trazendo pra si a atenção de Maya, Shigeru e da própria Katsuragi.

- Não é tão ruim? Katsuragi, isso é Bob Dylan! É arte em forma de música.

- E? - Ela tentou parecer o mais sarcástica possível, já que utilizar sua autoridade nunca funcionou com Aoba mesmo.

- Não se usa na mesma frase “ruim” e “Bob Dylan”! É uma ofensa a todo o Rock ‘n’ Roll!

- Estou vendo... - Misato disse, achando mais do que ridícula a situação. Até pensaria em completar o pensamento, se não tivesse ouvido sete bips.

Era o seu relógio de pulso avisando que o Sol já devia ter nascido há algum tempo. Isso significava que o já havia passado além de sua hora. O limite de sua paciência se sumiu junto com sua boa vontade antes mesmo dos bips terminarem. Hora de finalmente ir para casa e dormir depois de... O que? 30? 40 horas acordada? Dane-se! E dane-se o comandante também! A major lembrou da vez que teve que trabalhar por mais de três dias direto. Ordens do comandante. Ela pegou o mp3 e botou ao lado de Aoba, e em seguida se dirigiu pra saída da sala. Antes de chegar à porta virou rapidamente:

- Copie as músicas para o meu note, ok? - E piscou para o cabeludo.

Foi estranha a repentina mudança de humor, mas os três operadores entenderam o motivo. Era simples. Misato estava indo para casa. Dormir. Tudo o que eles mais queriam. Bom, não restava alternativa a eles se não voltar ao trabalho e ali ficar, até segunda ordem.

Misato continuaria andando em direção a um dos elevadores e depois para o fim do complexo. Se não fosse algo chamando a atenção dela no meio do caminho. Bem a sua frente, em uma cadeira de rodas empurrada por um qualquer do departamento médico, estava Rei Ayanami.


Notas do autor: Ausência dos infernos, hein? Bom, primeiro quero pedir desculpas pela demora na atualização (acho que ja é a terceira vez xD) fazem 6 meses já.

Saibam que eu não morri D O próximo capitulo não deve demorar a sair, pois finalmente estou voltando ao ritmo. Havia parado pois ano passado era de vestibular, que eu não estudei mas mesmo assim foram desgastantes os últimos 6 meses daquele ano. Também estou voltando para When the Worlds Collide, minha próxima fiction que vai ser retrabalhada e um prólogo ainda tem de ser escrito, mas devo atualiza-la junto ao próximo capítulo de Bullets. Talvez ainda dê início ao crossover que quero fazer com X-Men.

Eu realmente queria Rei interagindo com Asuka e Shinji nesse capítulo, mas acho que ainda tenho de trabalhar com esses dois mais um pouco. Esse período que fiquei sem atualizar foi até bom, já que me ajudou a pensar melhor na história e principalmente na forma como cada um dos três vai agir um com o outro. A amizade entre Shinji e Asuka que parece finalmente surgiu não vai ficar assim até o final. Isso vai ter relação com a Rei e a outros novos personagens. Solid Snake é outro personagem que eu percebi ter feito uma besteirinha aqui e ali. Em Metal Gear Solid ele tem um carisma, uma majestade que eu ainda tenho que trabalhar melhor.

A conversa em inglês entre Mark e Snake é baseada em Too Old to Rock do Jethro Tull. Aí vai a tradução: - Eu não estou muito velho para o rock N Roll, se é isso que você está pensando. Eu sou como você, garoto. - Então você é muito novo para morrer, velho.

Bom, o nome da irmãzinha do Touji eu não sei. Acho que nem é citado no anime. Mas acho que já é consenso geral chama-la de Mari. Quase todos os fics que ela aparece tem esse nome.

Well, escrito ao som de: Traveling Wilburys - Vol. 1 & Vol. 3 (recomendo essa banda. Tom Petty, George Harrison, Bob Dylan, Roy Orbinson e Jeff Lynne juntos. Só gente boa) Soundtrack original de Blues Brothers (Os Irmãos Cara-de-Pau), Pink Floyd - The Piper At The Gates Of Dawn, Rolling Stones - Their Satanic Majesties Request, Tom Petty - Highway Companion e Keith Richards - Main Offender.

01/04/07

Capítulo 7

Capítulo 5

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