Logo que cruzaram a porta de vidro que separava o exterior
do interior do prédio, Guile e Nash tiveram as
visões ofuscadas pelos fortes
holofotes dos helicópteros que sobrevoavam a área
naquele momento. Observando
então o jardim do lugar, constataram que o
Exército o havia cercado em peso,
com soldados armados e veículos, desde jipes até
alguns blindados,
deslocando-se para lá e para cá. Os corpos dos
guardas mortos anteriormente
durante a infiltração eram rapidamente
recolhidos; pelo visto o alto comando não
tinha a menor intenção de deixar que a
mídia e por conseqüência a
população
soubessem do que ocorrera ali.
Octopus, Raven e Burton conversavam
entre si perto do muro,
provavelmente a partir daquele ponto cada um seguiria seu
próprio rumo. Por
entre um grupo de combatentes surgiu o coronel Court, que se aproximou
risonho
da dupla recém-saída da
construção. Ele estendeu a mão para
ambos, até para
Guile, que não tinha muitas condições
de apertá-la, mas mesmo assim o fez junto
com Nash. Em seguida ouviram o superior dizer:
–
Ótimo
trabalho, homens. Graças a vocês Bison foi
derrotado e está presumivelmente
morto. Os capangas dele escaparam, mas já os rastreamos e
logo estarão sob
custódia.
–
Hei, como
assim “presumivelmente”? – desejou
esclarecer William, fazendo caretas devido a
seus machucados.
–
Vocês o
atiraram do alto deste prédio, mas... Não
encontramos o corpo.
–
O desgraçado
sobreviveu! – Guile concluiu de imediato. – Ele
está vivo!
–
Calma,
cara... – preocupou-se o amigo, amparando-o, pois sabia que
por enquanto ele
não poderia se exaltar. – Teremos os devidos
esclarecimentos mais tarde. Por
enquanto você precisa de descanso, curativos e uma boa dose
de soro!
–
Antes disso,
se ainda agüentarem... – oscilou o coronel.
– Há alguém chegando especialmente
para vê-los!
–
Para nos
ver? – estranharam os dois, falando ao mesmo tempo.
E foi com olhares intrigados que
notaram a aproximação de um
helicóptero aparentemente civil, azul e branco, que pousou
sem qualquer
empecilho numa parte do gramado. As hélices deixaram aos
poucos de se mover e
uma das portas da aeronave foi aberta, alguém caminhando
para fora. Era uma
mulher, seguida de dois guarda-costas de terno preto e
óculos escuros. Ela
usava uma camiseta branca sem mangas com um decote um tanto revelador,
calças
jeans e botas pretas, o cabelo castanho preso. Conforme chegou mais
perto, os
traços orientais de seu rosto ficaram plenamente
perceptíveis.
–
Boa noite –
saudou, parando diante dos três militares norte-americanos.
–
Boa noite –
respondeu William. – A senhorita é?
–
Chun Li Zang
– ela revelou sorrindo. – Agente da Interpol. Estou
investigando a Shadow Law
há anos e creio ter feito uma descoberta que pode
interessá-los.
–
Deixe-me
adivinhar... – brincou Nash. – Soube que o Bison
estava aqui em Las Vegas? Bem,
gracinha, se for isso, então chegou tarde demais!
–
Não
exatamente...
Poucos minutos depois, o trio e a
chinesa estavam debruçados
sobre um detalhado mapa do Sudeste Asiático disposto sobre
uma das mesas do
saguão do condomínio. Havia um círculo
feito a caneta vermelha num determinado
ponto, que naquele instante foi destacado por um dos dedos indicadores
de Chun
Li. Rindo de modo bobo, Guile afastou-se do grupo por um momento,
esfregando o
rosto e dando um leve soco numa parede. Simplesmente não
podia acreditar
naquilo.
–
Vocês têm
certeza de que descobriram mesmo a localização do
quartel-general da Shadow
Law?
–
É quase
certo que sim – confirmou Zang. – Nossos
informantes nos levam a crer que a
base principal de Bison esteja mesmo situada nesta região
isolada do Camboja.
As instalações provavelmente são
subterrâneas, mas com essa pista, não
deverá
ser tão difícil averiguá-las!
–
A senhorita
caiu do céu! – Nash mal podia conter sua euforia.
– Estávamos atrás dessa
informação há tempos!
–
Precisamos
logo confirmar isso! – apressou-se William. –
Coronel, queremos autorização
para uma operação nas selvas do Camboja o quanto
antes! Se Bison fugiu mesmo
daqui, deve com certeza estar se dirigindo para lá!
–
Mas antes
precisará endireitar esse braço e as costelas,
amigão! – colocando uma das mãos
no ombro do parceiro, Nash lembrou-o de novo sobre seu estado.
– Nada que uma
rápida temporada num hospital não resolva!
–
Há um
hospital militar numa base aérea a poucos
quilômetros daqui – informou Court. –
O problema é que não conseguimos fechar todas as
estradas nestas imediações e
por isso a imprensa deve estar pronta aguardando alguém
deixar a área para
fazer mil perguntas!
–
Estradas,
certo? – o amigo de Guile ergueu uma sobrancelha. –
Coronel, lembra-se daqueles
caças que cogitamos requisitar?
–
Lembro-me
sim... Por quê?
Pouco depois um jato Harrier decolava
verticalmente do
condomínio, contendo três ocupantes: Nash, que o
pilotava, Guile e Chun Li.
Esta última estava bem empolgada com o passeio, a apertada
cabine mal
comportando sua agitação:
–
Isto é muito
divertido! Olhem só para Las Vegas lá embaixo!
Parece até uma maquete!
–
Nunca andou
de avião antes, senhorita Zang? – riu Nash.
–
Não desta
maneira!
William, por sua vez, estava calado.
Pensava em tudo que
vivera aquela noite. Superara seus limites, aprimorara sua
técnica, dera uma
incomparável demonstração de
resistência. As palavras da cigana estavam vivas
em sua mente:
É um homem determinado,
William... Determinado e corajoso...
Também conhece o verdadeiro valor de uma amizade... Sua
autoconfiança é outra
qualidade a destacar, entretanto, é preciso que
você saiba controlá-la, ou ela
acabará se tornando sua ruína...
Dosar sua autoconfiança
era algo que tinha mesmo de fazer.
Ela quase o levara à morte por Bison, e esta teria realmente
se concretizado se
a misteriosa fera não houvesse surgido no último
instante para subjugar o
inimigo. Guile cogitou que aquela besta talvez representasse justamente
seu temperamento,
uma entidade descontrolada e bárbara que precisava ser
domada. Disposto a isso
dali em diante, relaxou na poltrona do caça e se recordou
novamente da figura
da cigana, associando-a sem mais nem menos à imagem de uma
rosa vermelha com
espinhos, sem saber o motivo... Teria algo a ver com quem ela realmente
era?
Ignorando tal possibilidade, Guile
fechou os olhos, tendo
seu merecido repouso nos ares após uma longa e cansativa
noite.
O sol raiava enquanto o
conversível vermelho de Ken Masters
seguia solitário por uma rodovia em meio ao deserto, tanto
ele quanto Ryu,
acomodados nos assentos, sentindo a agradável brisa da
manhã chocar-se contra
seus rostos desejosos de liberdade.
–
O Fei Long
foi muito gente boa de ter acertado nossa
situação com a polícia, né,
Ryu? –
disse o jovem dirigindo o carro.
–
Com certeza,
Ken!
Nisso, os dois ouviram uma alta
buzina atrás do veículo.
Virando as cabeças, notaram um ônibus em grande
velocidade forjando uma
ultrapassagem e logo se distanciando vários metros
à frente dos lutadores. O
loiro fez questão de reclamar:
–
Calma aí,
apressadinho!
–
Deve estar
atrasado para chegar a algum ponto – especulou o
japonês.
Foi imensa a surpresa da dupla quando
o mesmo ônibus, dois
minutos depois, parou junto ao acostamento da pista e deixou ali uma
passageira, em seguida retomando seu trajeto em velocidade bem mais
tolerável.
Era como se o motorista do transporte quisesse apenas abandonar
depressa a
ocupante para depois seguir viagem de forma normal. Estranhando o fato,
Ryu e Ken
estavam dispostos a esquecê-lo já logo depois,
quando a exata passageira que
descera do ônibus começou a saltar e acenar
freneticamente da beirada da
estrada para os rapazes.
–
Que doideira
é essa? – riu Masters. – Será
que o dinheiro dela só dava para pegar o ônibus
até aqui e agora ela quer carona?
–
Oh, não!
A exclamação
negativa de Ryu se deu assim que ele reconheceu
o típico traje colegial nipônico nas cores azul,
branca e vermelha que a moça
usava. Logo também identificou os tênis em seus
pés e o inconfundível cabelo
curto castanho com uma faixa rubra.
–
É a Sakura,
Ken!
–
Quem?
–
Sakura
Kasugano, aquela estudante japonesa obcecada por mim, lembra?
–
Ah, sim,
agora eu lembro! Hum... Vamos dar carona para ela, vai! Ela
é bem gatinha...
O conversível parou junto
da garota mesmo contra a vontade
de Ryu, e ela, com os olhos brilhando, saltou para dentro do carro
imediatamente. Debruçada sobre o encosto do assento de
Hoshi, perguntou-lhe,
quase babando em cima de seu ídolo:
–
E aí, Ryu,
quando é que nós teremos aquela nossa luta?
O japonês deu um tapa na
testa e simultaneamente Ken soltou
uma gargalhada. O carro logo desapareceu pela rodovia, passando por uma
placa
com a inscrição “Você
está deixando o estado de Nevada, volte sempre!”
conforme
o dia se consolidava.
Seis meses depois.
Em pleno
coração da Amazônia, uma fera corria
indomável pela
selva, desviando das árvores e arbustos em seu caminho.
Tornava-se cada vez
mais parte da floresta, uma criatura que tinha aquele meio como novo e
duradouro lar. Saltando sobre troncos caídos, girando o
corpo ao agarrar cipós
entre as copas altíssimas, Blanka, mesmo não
sendo mais humano, sentia-se
melhor do que em qualquer ocasião de quando o fora. Aquela
era sua nova
condição e ganhara uma nova casa, uma nova rotina
em que a palavra liberdade
regia todas as suas ações. E não
pretendia abandonar tal existência tão cedo.
Manhattam, Nova York.
Por entre as ruas e avenidas
movimentadas, uma alma
solitária seguia alheia a tudo e todos. Caminhando a passos
padronizados, corpo
coberto por uma capa vermelha dos pés até a
cabeça, já vagava há meses sem
direção, sua vida desprovida de qualquer sentido.
Dentro de seu inescapável
transe, procurava novamente de modo desesperado a voz de seu mestre, ao
menos
um murmúrio, um sussurro que a pudesse levar até
ele. Já atravessara campos,
estradas, pequenas e grandes cidades em busca do mínimo
indício, da mais simples
orientação. Porém nada encontrara.
Até aquela tarde.
–
Querida...
O chamado sedutor viera das
profundezas de um beco sombrio
pela frente do qual Cammy passava naquele momento, paredes pichadas e
latas de
lixo abarrotadas de matéria em
decomposição. Parou diante da viela e,
obedecendo ao primeiro estímulo que recebia em muito tempo,
avançou na direção
da voz. Deixou-se mergulhar na escuridão, desbravando o
trajeto até o final,
buscando seu mestre a qualquer preço.
–
Minha
linda...
E, da penumbra, ele surgiu mais lindo
e poderoso do que
jamais fora, com seus olhos brancos convidando-a de forma
irrecusável a abraçar
seu corpo coberto pelo uniforme vermelho. Assim seus braços
o cingiram e,
recostando os cabelos loiros numa das ombreiras metálicas de
seu guia, sentiu
profundo êxtase por tê-lo finalmente reencontrado,
por estar novamente junto
dele.
Seu sofrimento havia terminado.
Complexo de pesquisas Arklay.
A porta da sala foi aberta
discretamente pelo lado de fora,
as luzes do corredor iluminando de leve seu escuro interior. O
indivíduo
adentrou-a e, tomando cuidado para trancar a fechadura silenciosamente
por
dentro, em seguida acendeu uma pequena lanterna para conseguir
visualizar o
ambiente. Retirou os óculos escuros, guardando-os num dos
bolsos do jaleco, e
então passou o facho de claridade sobre uma cama, estante de
livros, mesinha...
Até deter-se de frente para uma escrivaninha.
Passou a examiná-la
minuciosamente e acabou surpreendido
quando, ao abrir uma gaveta, um minúsculo pedaço
de papel voou sobre o chão.
Revelando-o sob o foco de luz, constatou se tratar de uma pequena nota
que por
muito pouco não lhe passara despercebida. Apanhou-a com a
mão livre e,
aproximando dela a lanterna, leu seu conteúdo:
G = T + X
X = Sherry
Nesse repentino vislumbre, as coisas
nunca fizeram tanto
sentido para Albert Wesker.
FIM