Manoel Gomes, o "Arauto
do Sul"
Norton Valadão Panizzi*
Peça de Arquitetura apresentada por ocasião da
posse na Cadeira nº 11 da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul
– AMLERGS, pelo Ir\
Norton Valladão Panizzi, 33º.
Manoel
Gomes, o ‘Arauto do Sul’
"O valor das coisas não está no tempo em
que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos
inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”.
Fernando Pessoa
Quando o Ir\
Manoel Gomes partiu para o Or\
Eterno, em 24 de abril de 1996, com quase oitenta e seis anos de idade e
sessenta e dois anos de efetiva participação na Arte Real, o Ir\
Walter Pacheco Júnior, em artigo
publicado na edição nº 115 de maio do mesmo ano (pág. 38), dimensionou a lacuna que se abrira com o desaparecimento
daquele ícone da Maçonaria brasileira, assim: “Calou-se o Arauto do Sul”.
No mesmo diapasão, manifestações em várias revistas Maçônicas
brasileiras, manifestaram, na época, o sentimento de pesar do povo maçônico
– e notadamente do Catarinense – pela perda irreparável daquele maçom de tão
singular estatura.
Homem simples e afável, mas dotado de um senso de humor muito
particular, ele costumava dizer, jocosamente, em seus últimos anos, sobre os
problemas que atingiam sua combalida saúde, que morria a prestação por ser um
homem pobre, pois se rico fosse, já teria morrido à vista. Estimado por todos
quantos com ele conviviam e respeitado não só pela grande bagagem maçônica
que possuía, mas também pelo seu perfil de homem conciliador, de índole
aglutinadora, não é exagero dizer que sua casa era quase um local de peregrinação,
pois que para ali convergiam diariamente inúmeros IIr\,
quer em busca de conhecimento, quer em busca de orientações do velho Mestre.
Tamanha era sua importância no cenário catarinense, que sua despedida foi um
verdadeiro ato de união maçônica, eis que presentes IIr\
das três potências, sendo seu Funeral Maçônico presidido pelos Grão-Mestres
da Grande Loja de Santa Catarina e do Grande Oriente de Santa Catarina.
Filho do marmorista Manoel Gomes e da dona de casa Maria Domingues Leite
Gomes (ambos portugueses), Manoel Gomes era, para nosso gáudio, um gaúcho
nascido no município de Pelotas/RS,
em 17 de junho de 1910. Em 1914, em busca de melhores oportunidades de vida e
maior campo de trabalho para seu ofício, seus pais mudaram-se daquela cidade gaúcha,
empreendendo viagem de navio para o Rio de Janeiro. Quis o acaso que, por
necessidade de uma escala técnica, aportasse o navio na cidade de Florianópolis,
onde seu pai, ao desembarcar junto com outros passageiros para conhecer a
cidade, por ela se apaixonasse, mudando seus planos e ali fixando residência.
Estabeleceu-se com oficina de marmoraria na rua Conselheiro Mafra, na
qual trabalhou e ensinou o ofício ao filho, até seu falecimento em 1926. A
partir daí, o então jovem Manoel Gomes (ele contava a esta altura com apenas
16 anos de idade) assumiu os negócios da família.
Nesse mesmo ano, após seus estudos preliminares, concluiu o curso de
Guarda-Livros no assim conhecido Instituto Comercial.
Durante dez anos ele leva em frente o estabelecimento aberto por seu pai,
até que, em 1936, movido pelo desassossego que sempre o norteou, busca novos
horizontes profissionais, ingressando como praça na Polícia Militar de Santa
Catarina, ou, como era designada na época, na Força Pública.
Nesta instituição faz carreira, sendo graduado como Sargento, após ser
aprovado no respectivo curso, chegando a subtenente. Em 1950, conclui a Escola
de Formação de Oficiais de Intendência, sendo promovido a 2º Tenente e, em
1956, encerra a carreira, sendo aposentado por problemas de saúde que o
acompanhariam pelo resto de sua vida. Naquela altura, já detinha a patente de
Capitão.
De sua vida familiar, devemos referir que, em 1936, casou-se com aquela
que veio a ser a grande companheira de sua vida, Srª. Elza de Araújo e Silva
Gomes, com quem teve cinco filhos e uma filha.
Sua caminhada na Maçonaria começou em 31 de maio de 1934, aos 23 anos
de idade, quando foi iniciado na então Loja Capitular ‘Regeneração
Catarinense’ nº 138, adotando o nome simbólico de ‘Platão’. Esta Loja,
jurisdicionada ao Grande Oriente do Brasil – Santa Catarina, é considerada
por muitos como um dos berços da Maçonaria Barriga Verde, já que foi fundada
em 04 de janeiro de 1860 e é ativa até os dias de hoje.
Em 19 de julho de 1951, conforme placet nº 1752, passa a integrar os
quadros da Augusta e Respeitável Loja Simbólica 14 de julho nº 45, sediada no
Oriente de Florianópolis, mas vinculada a Grande Loja do Rio Grande do Sul.
Saliente-se que naquela época não existia ainda a Grande Loja de Santa
Catarina. Esta só viria a ser fundada em 21 de abril de 1956, em ato presidido
pelo Irmão Fernando Vieiro, então Grão-Mestre da Grande Loja do Rio Grande do
Sul, durante sessão realizada no templo da Loja 14 de Julho nº 45. Esta Loja,
sendo uma das fundadoras da Grande Loja de Santa Catarina, passou então a
adotar o nº 3, naquela Potência.
Em sua longa jornada, o Ir\
Manoel Gomes ocupou quase todos os cargos e funções, destacadamente nas Lojas
14 de Julho nº 03, onde foi Venerável Mestre
(1961 e 1962), na loja Lauro Muller nº 07, na Loja Pitágoras, nº 15, da qual
recebeu o título de ‘Membro Benemérito’ e na Loja Duque de Caxias nº 21.
Nesta última, da qual também foi fundador, permaneceu vinculado até sua
passagem para o Oriente Eterno.
Membro Honorário e Garante de Amizade de mais de uma dezena de Lojas,
ajudou ainda a fundar várias outras naquele Estado brasileiro. Em vida, recebeu
a rara homenagem de ter seu nome adotado como Patrono de uma Loja de Perfeição
e de uma Loja Simbólica.
Cansativo seria enumerar os diversos cargos e funções que exerceu na
Grande Administração da Grande Loja de Santa Catarina, mas é digno de menção
o fato de ter sido um dos irmãos que se destacaram pelo empenho na sua fundação.
De qualquer sorte, devemos citar o fato de que ele integrou a 1ª administração
daquela Potência como Grande Secretário e recebeu o supremo galardão, sendo
eleito seu Grão-Mestre em 10 de dezembro de 1966.
Nos anos seguintes, como preito de gratidão e reconhecimento ao seu
trabalho, foi distinguido com as mais altas condecorações daquela Grande Loja,
como sejam: a Comenda Albert Mackey e a Medalha Mário Behring. É também digno
de menção, que a Grande Loja de Santa Catarina prestou-lhe uma homenagem ímpar,
escolhendo seu nome para identificar a biblioteca de sua sede.
No Rito Escocês Antigo e Aceito, galgou
todos os graus e exerceu todas as funções, tendo chegado na condição de ser
nomeado Grande Inspetor Litúrgico para o Estado de Santa Catarina, cargo que
exerceu durante vários anos. Em reconhecimento por sua dedicação ao Rito, foi
agraciado, pelo Supremo Conselho do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito da
Maçonaria para a República Federativa do Brasil, com o título distintivo de
‘Membro Benemérito da Ordem’.
Nas letras, alcançou também grandes méritos. Escritor maçônico
consagrado, ‘Maneca’, como era carinhosamente chamado pelos mais íntimos,
tinha grande preocupação em difundir o conhecimento amealhado em décadas de
estudo, dedicação e profunda reflexão sobre nossa Ordem. Animado por este
ideal, fez publicar o seu ‘Manual do Mestre Maçom’, que conta hoje com mais
de oito edições esgotadas. É também de sua autoria a obra intitulada ‘A Maçonaria
na História do Brasil’. Além destes dois grandes sucessos literários, teve
uma infinidade de artigos sobre a Arte Real e sua história, publicados em
jornais e revistas especializadas. Foi, em sua época, conferencista com méritos
nacionalmente reconhecidos.
No âmbito profano também deixou sua marca, sendo de sua autoria os
livros ’Do Palácio Rosado ao Palácio Cruz e Souza’, que traz notas históricas
na esfera do palácio dos despachos governamentais Catarinense, descrevendo
acontecimentos e relembrando histórias que remontam ao tempo do primeiro
Governador da então Capitania (em 1738), vindo até a conclusão dos trabalhos
de restauração daquele palácio, ocorrida no ano de 1978.
No mesmo diapasão, de resgate e preservação da história de Santa
Catarina, escreveu e publicou o livro intitulado ‘Memória Barriga Verde’,
que preencheu uma grande lacuna literária naquele Estado brasileiro, eis que
trouxe em seu bojo biografias daqueles que fizeram a história de Santa
Catarina, colocando-a em posição de destaque no cenário nacional.
Esta grande atividade literária lhe valeu o justo convite para integrar,
como membro efetivo, a Academia Brasileira Maçônica de Letras e a Academia Maçônica
Catarinense de Letras. Registre-se, também, sua condição de Sócio Efetivo do
Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.
Pelo conjunto de sua obra, pela sua atuação e dedicação que marcou e
fez história, divulgando em âmbito nacional a Maçonaria Catarinense, muito
justo foi o epíteto de ‘Arauto do Sul’, concedido à esta verdadeira coluna
Maçônica.
Por outro lado, é bem verdade que este pequeno trabalho, que procura sim
dar conhecimento da vida e da obra deste verdadeiro Mestre a novas gerações de
Maçons, de nossa parte não lhe faz justiça, na medida em que consegue mostrar
apenas uma pequena parte da invejável estatura do Maçom Manoel Gomes.
No mesmo diapasão, entendemos, sinceramente, que é motivo de muito
orgulho para todos nós, gaúchos, que um filho desta terra, por seu próprio
esforço e méritos, tenha alcançado tamanha importância no cenário maçônico
nacional. Assim, e por todos os títulos, acreditamos que em muito engrandece a
nossa Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul, ter como Patrono de
uma de suas cadeiras, o nome deste prócer da Arte Real.
De minha parte, e permitam que o diga na primeira pessoa, este é um dia
inesquecível, de muito júbilo e que certamente ficará plasmado em minha memória.
Estar aqui, ombreando com os mais ilustres e letrados membros da Maçonaria Gaúcha
e poder inaugurar a cadeira que leva o número 11
Mas creiam meus IIr\,
que muito mais do que a distinção da qual sou alvo, que sem falsa modéstia, não
vislumbro quais os meus méritos para tal, muito mais do que disto, saibam da
intangível alegria de que estou tomado, por ter a elevada honra de prestar
este, ainda que pequeno tributo, a um Mestre que tive o privilégio de conhecer
em vida e que, sem favor algum, é um verdadeiro ícone da Maçonaria.
*Norton Valladão Panizzi - 33º -
titular da Cadeira Nº 11 da AMLERS
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