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LEGISLAÇÃO
CONSTITUIÇÃO OU PREPOTÊNCIA?

Texto do então senador Fernando Henrique Cardoso, publicado na Folha de S.Paulo de 7 de junho de 1990:

"O Executivo abusa da paciência e da inteligência do país quando insiste em editar medidas provisórias sob o pretexto de que, sem sua vigência imediata, o Plano Collor vai por água abaixo e, com ele, o combate à inflação.

Com esse ou com pretextos semelhantes, o governo afoga o Congresso numa enxurrada de "medidas provisórias". O resultado é lamentável: Câmara e Senado nada mais fazem do que apreciá-las aos borbotões. Nos últimos dois meses e meio, foram enviadas ao Congresso 42 medidas provisórias. O Congresso pode aprová-las ou rejeitá-las na íntegra e pode modificá-las. Se não as aprova no prazo de 30 dias, elas perdem validade. A partir daí surgem as complicações constitucionais. O que ocorre depois da eventual rejeição da medida provisória pelo Congresso?

A Constituição é muda sobre a matéria. Quando a elaboramos, o pressuposto era o de que tais medidas seriam remédio extremo, realmente urgente e relevante. O presidente Sarney foi o primeiro a abastardar tal entendimento. Enviou, de outubro de 89 a março de 90, 148 medidas provisórias. Elas passaram a ser editadas como se fossem os antigos "decretos-leis".

Diante disso o Congresso reagiu. Antes de julgar o mérito, o Congresso deve apreciar a "admissibilidade" da medida provisória, ou seja, se ela é constitucional, urgente e relevante. A responsabilidade pela enxurrada de medidas provisórias tem, portanto, co-responsabilidade: Executivo e Legislativo.

Ontem, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou um projeto, de autoria do deputado Jobim, que torna claro o âmbito de matérias legislativos dentro do qual o presidente pode emitir medidas provisórias e, embora se admita a insistência delas quando não apreciadas pelo Congresso (o que já é uma demasia), não se permite - obviamente - que o presidente reedite medida rejeitada pelo Congresso.

E foi ontem também - dia glorioso para a democracia - que o Supremo Tribunal Federal concedeu liminar contra a edição da medida 190, em recurso de responsabilidade do procurador-geral da República, do PSDB (com petição magistral de Miguel Reale Júnior) e da OAB. Era flagrante a contrafação: a medida 190 é a mesma 185, disfarçada e piorada, o que é inconstitucional.

Por isso o líder do PSDB na Câmara, Euclides Scalco, e eu pedimos ao presidente do Congresso que devolvesse a referida medida provisória ao presidente da República. O presidente do Congresso não aceitou nossa sugestão. Recorremos de sua decisão à Comissão de Justiça do Senado, que deverá decidir hoje sobre o melhor procedimento a adotar.

É certo, porém, que, seja qual for o mecanismo, ou o Congresso põe ponto final no reiterado desrespeito a si próprio e à Constituição, ou então é melhor reconhecer que no país só existe um "poder de verdade", o do presidente. E daí por diante esqueçamo-nos também de falar em "democracia".

Quanto ao Plano Collor, nada há a temer: existem outros mecanismos legais que permitem ao presidente do Tribunal Superior do Trabalho sustar decisões de instâncias inferiores."

(Fonte: Folha de S.Paulo)



A SENTENÇA DE CRISTO

Cópia autêntica da sentença de Pilatos, no processo de Jesus Cristo, existente no Museu da Espanha. Esta peça tem grande interesse histórico.

"No ano dezenove de TIBÉRIO CÉSAR, Imperador Romano de todo o mundo, monarca invencível na Olimpíada cento e vinte e um, e na Elíada vinte e quatro, da criação do mundo, segundo o número e cômputo dos Hebreus, quatro vezes mil cento e oitenta e sete, do progênio do Romano Império, no ano setenta e três, e na libertação do cativeiro de Babilônia, no ano mil duzentos e sete, sendo governador da Judéia QUINTO SÉRGIO, sob o regimento e governador da cidade de Jerusalém, Presidente Gratíssimo, PÔNCIO PILATOS; regente na baixa Galiléia, HERODES ANTIPAS; pontífice do sumo sacerdote, CAIFÁS; magnos do templo, ALIS ALMAEL, ROBAS ACASEL, FRANCHINO CEUTAURO; cônsules romanos da cidade de Jerusalém, QUINTO CORNÉLIO SUBLIME e SIXTO RUSTO, no mês de março e dia XXV do ano presente,

EU, PÔNCIO PILATOS, aqui Presidente do Império Romano, dentro do Palácio e arqui-residência, julgo, condeno e sentencio à morte, Jesus, chamado pela plebe - CRISTO NAZARENO - e galileu de nação, homem sedicioso, contra a Lei Mosaica - contrário ao grande Imperador TIBÉRIO CÉSAR.

Determino e ordeno por esta, que se lhe dê morte na cruz, sendo pregado com cravos como todos os réus, porque congregando e ajustando homens, ricos e pobres, não tem cessado de promover tumultos por toda a Judéia, dizendo-se filho de DEUS e REI DE ISRAEL, ameaçando com a ruína de Jerusalém e do sacro Templo, negando o tributo a César, tendo ainda o atrevimento de entrar com ramos e em triunfo, com grande parte da plebe, dentro da cidade de Jerusalém.

Que seja ligado e açoitado, e que seja vestido de púrpura e coroado de alguns espinhos, com a própria cruz aos ombros para que sirva de exemplo a todos os malfeitores, e que, juntamente com ele, sejam conduzidos dois ladrões homicidas; saindo logo pela porta sagrada, hoje ANTONIANA, e que se conduza JESUS ao monte público da Justiça, chamado CALVÁRIO, onde crucificado e morto ficará seu corpo na cruz, como espetáculo para todos os malfeitores, e que sobre a cruz se ponha, em diversas línguas, este título: JESUS NAZARENO, REX JUDEORUM.

Mando, também, que nenhuma pessoa de qualquer estado ou condição se atreva, temerariamente, a impedir a Justiça por mim mandada, administrada e executada com todo o rigor, segundo os Decretos e Leis Romanas, sob as penas de rebelião contra o Imperador Romano.

Testemunhas da nossa sentença:
Pelas dozes tribos de Israel: RABAIM DANIEL; RABAIM JOAQUIM BANICAR; BANBASU; LARÉ PETUCULANI.
Pelos fariseus: BULLIENIEL; SIMEÃO; RANOL; BABBINE; MANDOANI; BANCURFOSSI.
Pelos hebreus: MATUMBERTO.
Pelo Império Romano e pelo Presidente de Roma: LÚCIO SEXTILO E AMACIO CHILICIO. "

O JUSTO E A JUSTIÇA POLÍTICA

Esta é uma das melhores e menos conhecidas páginas de Rui Barbosa, onde ele examina, à luz do Direito Hebraico e do Direito Romano, o processo de Jesus.

"Para os que vivemos a pregar à república o culto da justiça como o supremo elemento preservativo do regímen, a história da paixão, que hoje se consuma, é como que a interferência do testemunho de Deus no nosso curso de educação constitucional. O quadro da ruína moral daquele mundo parece condensar-se no espetáculo da sua justiça, degenerada, invadida pela política, joguete da multidão, escrava de César. Por seis julgamentos passou Cristo, três às mãos do dos judeus, três às dos romanos, e em nenhum teve um juiz.

Aos olhos dos seus julgadores, refulgiu sucessivamente a inocência divina, e nenhum ousou estender-lhe a proteção da toga. Não há tribunais, que bastem, para abrigar o direito, quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados.

Grande era, entretanto, nas tradições hebraicas, a noção da divindade do papel da magistratura. Ensinavam elas que uma sentença contrária à verdade afastava do seio de Israel a presença do Senhor, mas que, sentenciando com inteireza, quando fosse apenas por uma hora, obrava o juiz como se criasse o universo, porquanto era na função de julgar que tinha a sua habitação entre os israelitas a majestade divina. Tampouco valem, porém, leis e livros sagrados, quando o homem lhes perde o sentimento, que exatamente no processo do justo por excelência, daquele em cuja memória todas as gerações até hoje adoram por excelência o justo, não houve no código de Israel norma, que escapasse à prevaricação dos seus magistrados.

No julgamento instituído contra Jesus, desde a prisão, uma hora talvez antes da meia-noite de Quinta-feira, tudo quanto se fez até ao primeiro alvorecer da Sexta-feira subseqüente, foi tumultuário, extrajudicial, a atentatório dos preceitos hebraicos. A terceira fase, a inquirição perante o sinedrim, foi o primeiro simulacro de formação judicial, o primeiro ato judicatório, que apresentou alguma aparência de legalidade, porque ao menos se praticou de dia. Desde então, por um exemplo que desafia a eternidade, recebeu a maior das consagrações o dogma jurídico, tão facilmente violado pelos despotismos, que faz da santidade das formas a garantia essencial da santidade do direito.

O próprio Cristo delas não quis prescindir. Sem autoridade judicial o interroga Anás, transgredindo as regras assim na competência, como na maneira de inquirir; e a resignação de Jesus ao martírio não se resigna a justificar-se fora da lei: "Tenho falado publicamente ao mundo. Sempre ensinei na sinagoga e no templo, a que afluem todos os judeus, e nunca disse nada às ocultas. Por que me interrogas? Inquire dos que ouviam o que lhes falei: esses sabem o que eu lhes houver dito". Era apelo às instituições hebraicas, que não admitiam tribunais singulares, nem testemunhas singulares. O acusado tinha jus ao julgamento coletivo, e sem pluralidade nos depoimentos criminadores não poderia haver condenação. O apostolado de Jesus era ao povo. Se a sua prédica incorria em crime, deviam pulular os testemunhos diretos. Esse era o terreno jurídico. Mas, porque o filho de Deus chamou a ele os seus juizes, logo o esbofetearam. Era insolência responder assim ao pontífice. Sic respondes pontifici? Sim, revidou Cristo, firmando-se no ponto de vista legal: "Se mal falei, traze o testemunho do mal; se bem, por que me bates?"

Anás, desorientado, remete o peso a Caifás. Este era o sumo sacerdote do ano. Mas, ainda assim, não, não tinha a jurisdição, que era privativa do conselho supremo. Perante este já muito antes descobrira o genro de Anás a sua perversidade política, aconselhando a morte a Jesus, para salvar a nação. Cabe-lhe agora levar a efeito a sua própria malignidade, "cujo resultado foi a perdição do povo, que ele figurava salvar, e a salvação do mundo, em que jamais pensou".

A ilegalidade do julgamento noturno, que o direito judaico não admitia nem nos litígios civis, agrava-se então com o escândalo das testemunhas falsas, aliciadas pelo próprio juiz, que, na jurisprudência daquele povo, era especialmente instituído como o primeiro protetor do réu. Mas, por mais falsos testemunhos que promovessem, lhe não acharam a culpa, que buscavam. Jesus calava. Jesus autem tacebat. Vão perder os juizes prevaricadores a segunda partida, quando a astúcia do sumo sacerdote lhes sugere o meio de abrir os lábios divinos do acusado. Adjura-o Caifás em nome de Deus vivo, a cuja invocação o filho não podia resistir. E diante da verdade, provocada, intimada, obrigada a se confessar, aquele, que a não renegara, vê-se declarar culpado de crime capital: Reus est mortis. "Blasfemou! Que necessidade temos de testemunhas? Ouvistes a blasfêmia". Ao que clamaram os circunstantes: "é réu de morte".

Repontava a manhã, quando a sua primeira claridade se congrega o sinedrim. Era o plenário que se ia celebrar. Reunira-se o conselho inteiro. In universo concilio, diz Marcos. Deste modo se dava a primeira satisfação às garantias judiciais. Com o raiar do dia se observava a condição da publicidade. Com a deliberação da assembléia judicial, o requisito da competência. Era essa a ocasião jurídica. Esses eram os juizes legais. Mas juizes, que tinham comprado testemunhas contra o réu, não podiam representar senão uma infame hipocrisia da justiça. Estavam mancomunados, para condenar, deixando ao mundo o exemplo, tantas vezes depois imitado até hoje, desses tribunais, que se conchavam de véspera nas trevas, para simular mais tarde, na assentada pública, a figura oficial do julgamento.

Saía Cristo, pois, naturalmente condenado pela terceira vez. Mas o sinedrim não tinha o jus sanguinis. Não podia pronunciar a pena de morte. Era uma espécie de júri, cujo veredictum, porém, antes opinião jurídica do que julgado, não obrigava os juizes romanos. Pilatos estava, portanto, de mãos livres, para condenar, ou absorver. "Que acusação trazeis contra este homem?" assim fala por sua boca a justiça do povo, cuja sabedoria jurídica ainda hoje rege a terra civilizada. "Se não fosse um malfeitor, não to teríamos trazido", foi a insolente resposta dos algozes togados. Pilatos, não querendo ser executor num processo, de que não conhecera, pretende evitar a dificuldade, entregando-lhes a vítima: "Tomai-o, e julgai-o segundo a vossa lei". Mas, replicam os judeus, bem sabes que "nos não é lícito dar a morte a ninguém". O fim é a morte, e sem a morte não se contenta a depravada justiça dos perseguidores.

Aqui já o libelo se trocou. Não é mais de blasfêmia contra a lei sagrada que se trata, senão de atentado contra a lei política. Jesus já não é o impostor que se inculca filho de Deus: é o conspirador, que se coroa rei da Judéia. A resposta de Cristo frustra ainda uma vez, porém, a manha dos caluniadores. Seu reino não era deste mundo. Não ameaçava, pois, a segurança das instituições nacionais, nem a estabilidade da conquista romana. "Ao mundo vim", diz ele, "para dar testemunho da verdade. Todo aquele que for da verdade, há de escutar a minha voz". A verdade? Mas "que é a verdade"? pergunta definindo-se o cinismo de Pilatos. Não cria na verdade; mas a da inocência de Cristo penetrava irresistivelmente até o fundo sinistro dessas almas, onde reina o poder absoluto das trevas. "Não acho delito a este homem", disse o procurador romano, saindo outra vez ao meio dos judeus.

Devia estar salvo o inocente. Não estava. A opinião pública faz questão da sua vítima. Jesus tinha agitado o povo, não ali só, no território de Pilatos, mas desde Galiléia. Ora acontecia achar-se presente em Jerusalém o tetrarca da Galiléia, Heródes Antipas, com quem estava de relações cortadas o governador da Judéia. Excelente ocasião, para Pilatos, de lhe reaver a amizade, pondo-se, ao mesmo tempo, de boa avença com a multidão inflamada pelos príncipes dos sacerdotes. Galiléia era o forum originis do Nazareno. Pilatos envia o réu a Heródes, lisonjeando-lhe com essa homenagem, a vaidade. Desde aquele dia um e outro se fizeram amigos, de inimigos que eram. Et facti sunt amici Herodes et Pilatus in ipsa die; nam antea inimici erant ad invicem. Assim se reconciliam os tiranos sobre os despojos da justiça.

Mas Herodes também não encontra, por onde condenar a Jesus, e o mártir volta sem sentença de Herodes a Pilatos que reitera ao povo o testemunho da intemerata pureza do justo. Era a terceira vez que a magistratura romana a proclamava. Nullam causam inveni in homine isto ex his, in quibus eum accusatis. O clamor da turba recrudesce. Mas Pilatos não se desdiz. Da sua boca irrompe a Quarta defesa de Jesus: "Que ma fez esse ele? Quid enim mali fecit iste?" Cresce o conflito, acastelam-se as ondas populares. Então o procônsul lhes pergunta ainda: "Crucificareis o vosso rei?" A resposta da multidão em grita foi o raio, que desarmou as evasivas de Pilatos. "Não conhecemos outro rei, senão César". A esta palavra o espectro de Tibério se ergueu no fundo da alma do governador da província romana. O monstro de Cáprea, traído, consumido pela febre, crivado de úlceras, gafado da lepra, entretinha em atrocidades os seus últimos dias. Traí-lo era perder-se. Incorrer perante ele na simples suspeita de infidelidade era morrer. O escravo de César, apavorado, cedeu, lavando as mãos em presença do povo: "Sou inocente do sangue deste justo".

E entregou-o aos crucificadores. Eis como procede a justiça, que se não compromete. A história premiou dignamente esse modelo da suprema cobardia na justiça. Foi justamente sobre a cabeça do pusilânime que recaiu antes de tudo em perpétua infâmia o sangue do justo.

De Anás a Herodes o julgamento de Cristo é o espelho de todas as deserções da justiça, corrompida pela facções, pelos demagogos e pelos governos. A sua fraqueza, a sua inocência, a sua perversão moral crucificaram o Salvador, e continuam a crucificá-lo, ainda hoje, nos impérios e nas repúblicas, de cada vez que um tribunal sofisma, tergiversa, recua, abdica. Foi como agitador do povo e subversor das instituições que se imolou Jesus. E, de cada vez que há precisão de sacrificar um amigo do direito, um advogado da verdade, um protetor dos indefesos, um apóstolo de idéias generosas, um confessor da lei, um educador do povo, é esse, a ordem pública, o pretexto, que renasce, para exculpar as transações dos juizes tíbios com os interesses do poder. Todos esses acreditam, como Pôncio, salvar-se, lavando as mãos do sangue, que vão derramar, do atentado, que vão cometer. Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de estado, interesse supremo, como quer te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz cobarde."

(A imprensa, Rio, 31 de março de 1899. In: Obras Seletas de Rui Barbosa, v. 8, Casa de Rui Barbosa, Rio, 1957, pp. 67-71)

(Fonte: Marcos Duanne Barbosa de Almeida)

Esperança Garcia foi a primeira escrava a peticionar no Brasil. Segue abaixo o inteiro teor da carta, escrita no Piauí, em 6 de setembro de 1770:

"Eu sou hua escrava de V. Sa. administração de Capam. Antº Vieira de Couto, cazada. Desde que o Capam. lá foi adeministrar, q. me tirou da fazenda dos algodois, aonde vevia com meu marido, para ser cozinheira de sua caza, onde nella passom to mal.
A primeira hé q. ha grandes trovoadas de pancadas enhum filho nem sendo uhã criança q. lhe fez estrair sangue pella boca, em mim não poço esplicar q. sou hu colcham de pancadas, tanto q. cahy huã vez do sobrado abaccho peiada, por mezericordia de Ds. esCapei.
A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confeçar a tres annos. E huã criança minha e duas mais por batizar.
Pello q. Peço a V.S. pello amor de Ds. e do seu Valimto. ponha aos olhos em mim ordinando digo mandar a Procurador que mande p. a fazda. aonde elle me tirou pa eu viver com meu marido e batizar minha filha q.
De V.Sa. sua escrava EsPeranÇa garcia"

Eis uma curiosa petição redigida em 1834, constante dos arquivos do Instituto Histórico da Bahia:

"Ilmo. Snr. Juiz de Paz

Diz José Soares da Cunha, morador no Mirim, fazenda de Santa Anna de Villa Nova, que sendo casado com Anna do Rosario em face de Igreja no anno do Imperio Constitucional de 1833, à vista de Deus e de todo o mundo por sinal que foram testemunhas e padrinhos Antonio da Rocha e Joaquim de Avelar, sucedeu que no dia 2 de Fevereiro do corrente anno constitucional de 1834, pelas 8 ou 9 horas da noite, ou as que na verdade eram, pois alli ninguem tem relogio certo senão Manoel Teixeira da Silva e o compadre Manoel da Silva tem outro que trocou por uma égua que não regula, o supplicante e mais moradores se regulam pelo sol, que quando está claro regula certo, indo a dita mulher muito quieta fiar algodão em casa de sua vizinha Gertrudes , viuva de Manoel Correa, cuja viuva é muito capaz, e não ha que se lhe diga, excepto de ser decente só se for alguma dessas desavergonhadas quatro linguarudas ciganas que tem muito nesta freguezia, do que se fôr preciso o supplicante denunciará para lhes cahir em cima todos os códigos e Policia do Imperio, e não lhes valerá empenhos nem padrinhos, nem rebulices das ordenações, porque graças a Deus já estão abolidas as replicas e treplicas, lhe sahiu repentinamente na estrada, junto ao corrego, o desaforado José Bento, filho de Joaquim Bento, que se o Snr. Juiz de Paz soubesse cumprir com as suas obrigações, fazia prendel-o, autoal-o e posto em angola de repente arrumou uma forte e tremenda umbigada na mulher do supplicante que logo derrubou e ficou sem sentido com as partes pudendas ã mostra e lhe cuspiu em cima... cujas partes só o supplicante compete ver como cousa de sua propriedade e que recebeu até a morte, e como chorasse e gritasse, accudiu a viuva Mariana que lhe deu fricções de arruda e benzeu para com muito custo ficar boa, ao supplicante não requereu logo corpo de delito por ser a pancada no baixo ventre entre o umbigo e aquella parte mimosa, da Geração que só o supplicante e a parteira podiam ver, logo que o tal réo fez a maldade, fugiu e ainda dizendo que foi brincadeira.
E porque a umbigada foi de má tenção e rixa muito velha para experimentar se a mulher do supplicante se deixava ficar como pata para elle galar, porem vae galar para o inferno, pois a mulher do supplicante não é dessas vadias e sim virgem e honrada que só tem matrimoniado com o supplicante apesar de ter sido muitas vezes namorada e seduzida por pessoas de caracter e de farda agaloada, prometendo-lhes patacões e cordões de ouro, porem ella sempre firme e contente sem fazer caso disso, pois bem sabe que o supplicante tem atraz da porta uma grande cotia, com que lhe havia de ir ao lombo, e por isso o supplicante por cabeça de sua mulher quer hoje fazer citar o tal réo José Bento, para vir jurar as testemunhas que o supplicante apresentar do desacato, do desaforo da brutal umbigada que arrumou na mulher do suplicante, que foi por felicidade della não estar pejada, senão eram duas mortes (porque) esta abortava, e logo que o supplicante provar, ser o réo logo julgado pelos Snrs. Deputados jurados que se acham aggredidos na Laguna e pelo Snr. Juiz de Direito afim de ser degradado para Lajes, como galés e seja acompanhado com escolatas de permanentes que pelo caminho lhe vão dando umbigadas com cipó bem curtidos.
O supplicante espera que o Snr. Juiz de Paz desagravará sua honra atrozmente ultrajada por um bigorrilhas sem educação.

(a) José Soares da Cunha

Mirim da Laguna, 28 de Março de 1834."

A sentença a seguir, coletada dos alfarrápios existentes no Instituto Histórico de Alagoas, mostra a realidade dos julgamentos realizados no final do século passado.
Segue a íntegra do texto:

"SENTENÇA DO JUIZ MUNICIPAL EM EXERCÍCIO, AO TERMO DE PORTO DA FOLHA-1883.

SÚMULA: Comete pecado mortal o indivíduo que confessa em público suas patifarias e seus boxes e faz gogas de suas víctimas desejando a mulher do próximo, para com ella fazer suas chumbregâncias.

"Vistos, etc."

O adjunto Promotor Público representou contra o cabra Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Senhora San´Anna, quando a mulher de Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado cabra que estava de tocaia em moita de matto, sahiu dela de sopetão e fez proposta a dita mulher, por quem roía brocha, para coisa que não se pode traser a lume e como ella, recusasse, o dito cabra atrofou-se a ella, deitou-se no chão deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará, e não conseguio matrimônio porque ella gritoue veio em amparo della Nocreyo Correia e Clemente Barbosa, que prenderam o cujo flagrante e pediu a condenação delle como incurso nas penas de tentativa de matrimônio proibido e a pulso de sucesso porque dita mulher taja pêijada e com o sucedido deu luz de menino macho que nasceu morto.

As testemunhas, duas são vista porque chegaram no flagrante e bisparam a pervesidade do cabra Manoel Duda e as demais testemunhas de avaluuemos. Dizem as leises (sic) que duas testemunhas que assistem a qualquer naufrágio do sucesso faz prova, e o juiz não precisa de testemunhas de avaluemos e assim:

Considero-que o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento, por quem roía brocha, para coxambrar com ella coisas que só o marido della competia coxambrar porque eram casados pelo regime da Santa Madre Igreja Cathólica Romana.

Considero-que o cabra Manoel Duda deitou a paciente no chão e quando ia começar as suas coxambranças viu todas as encomendas della que só o marido tinha o direito de ver.

Considero-que a paciente estava pêijada e em consequência do sucedido, deu a luz de um menino macho que nasceu morto.

Considero-que a morte do menino trouxe prejuízo a herança que podia ter quando o pae delle ou mãe falecesse.

Considero-que o cabra Manoel Duda é um suplicado deboxado, que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quis também fazer coxambranças com a Quitéria e a Clarinha, que são moças donzellas e não conseguio porque ellas repugnaram e deram aviso a polícia.

Considero-que o cabra Manoel Duda está preso em pecado mortal porque nos Mandamentos da Igreja é proibido desejar do próximo que elle desejou.

Considero-que sua Magestade Imperial e o mundo inteiro, precisa ficar livre do cabra Manoel Duda, para secula, seculorum amem, arreiem dos deboxes praticados e as sem vergonhesas por elle praticados e apara as fêmeas e machos não sejam mais por elle incomodados.

Considero-que o Cabra Manoel Duda é um sujeito sem vergonha que não nega suas coxambranças e ainda faz isnoga da incomendas de sua víctima e por isso deve ser botado em regime por esse juízo.

Posto que:

Condeno o cabra Manoel Duda pelo malifício que fez a mulher de Xico Bento e por tentativa de mais malifícios iguais, a ser capado, capadura que deverá ser feita a macete.

A execução da pena deverá ser feita na cadeia desta villa. Nomeio carrasco o Carcereiro solte o cujo cabra para que vá em paz. O nosso Prior aconselha: Homine debochado debochatus mulherorum inovadabus est sentetia qibus capare est macete macetorim carrascus sine facto nortre negare pote.

Cumpra-se a apregue-se editaes nos lugares públicos. Apelo ex-officio desta sentença para juiz de Direito deste Comarca.

Porto da Folha, 15 de outubro de 1833.

Assinado: Manuel Fernandes dos santos, Juiz Municipal suplente em exercícios."
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