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Farol do Cabo Raso
Amanhece em Lisboa. Já estamos a caminho de Cascais:
apanhámos o comboio no Cais do Sodré, agora corremos velozes como veloz corre
o Tejo,
desejoso de descansar no Atlântico. É cedo, a paisagem está banhada por uma
luz fria, a luz do rio. Depois de Algés, o nosso primeiro farol: a Gibalta, que
se ergue num recanto abrigado. Mas os olhos procuram outro destino. Ali está
ele, o Bugio, descansado e
imperturbável. A Fortaleza
de S. Lourenço da Cabeça Seca, situada nesta "terra de ninguém",
defendeu em tempos a entrada de Lisboa, servindo também de estabelecimento
prisional do estado. A sua capela foi lugar de devoção
até 1910. Hoje em dia é monumento nacional, embora em perigo de ruína.
Prosseguimos ao longo da Costa do Estoril. Entre Oeiras e Carcavelos, ergue-se
imponente e orgulhoso o Forte de S.
Julião
da Barra, com um dos mais fortes e mais bem construídos faróis da
nossa costa. Finalmente entramos em Cascais. Descemos a rua Direita, subimos ao
longo da baía, sentamo-nos a descansar em frente da Cidadela. Mais uns passos e
estamos em frente do farol de Santa Marta.
Subimos uns passos mais, espreitamos do alto das falésias a Boca do Inferno,
respiramos fundo e notamos que o vento mudou: estamos no Farol
da Guia. Avançamos já debaixo de uma forte ventania, com um fundo de mar
azul metálico e escuro. Na curva antes do Guincho, o cabo
Raso desenha-se tranquilo. O farol ergue-se no Forte de S. Brás. A
vista deixa-nos adivinhar o Guincho, com o seu alcantilado altivo a dobrar
a costa. O vento, a espuma e as areias das dunas perseguem-nos à sua maneira
selvagem até penetrarmos na estrada que nos sobe até ao cabo da Roca, uma
estrada sinuosa já em plena serra
de Sintra. Ao acabar a subida, lá está a tabuleta a mostrar o caminho para
a Azóia. É como chegar a outro mundo: de repente, deixámos para trás o
tempo, paramos à
beira do continente, onde "a terra acaba e o mar começa", num
lugar mágico que nem a presença dos turistas consegue dessacralizar. No ponto
mais alto, majestoso e protector, levanta-se o nosso amigo, o farol. E
não podemos deixar de nos sentar numa pedra e de ficar horas a contemplar a
paisagem, esse fim que não tem fim. Com a impressão de que não estamos sós.
Connosco estão os primeiros feixes luminosos da noite que começa. Para que não
nos possamos perder. E os barcos no mar parecem saudar o farol, é o início de
um diálogo de muitas eras.
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