O amor e a rotina
Findara a cerimônia de casamento.
E os noivos, acompanhados pelos parentes e amigos, dirigiram-se à casa do homem mais sábio da aldeia.
Porque era essa a tradição do lugar; e assim faziam todos os novos casais.
E ajoelharam-se perante ele, como tantos outros já haviam feito; e pediram a sua bênção.
No silêncio, a sua voz soou alta e clara:
“- Pediste a minha bênção; e eu a dou, para que vos acompanhe.
Entretanto, não basta uma bênção para fazer feliz uma união; se assim o fosse, poucas seriam as uniões infelizes.
É do amor que necessitais.
Devereis cultivá-lo, em todos os dias, para que continue a florir em vossos corações.
E, se assim fizerdes, não vos devereis preocupar com os problemas da vida; entre eles, o amor, abre o seu caminho.
Ainda que todo o mundo se levante contra vós, sereis felizes; porque o amor é o escudo que protege os corações.
Ainda que sejam poucas as vossas posses, sereis felizes; porque a plenitude do amor é a mais maravilhosa das posses e tudo aquilo de que necessitais.
Ainda que vos busque a amargura, sereis felizes; porque a amargura não convive com o amor; apenas aproveita os vossos deslizes.
E todos os males que caiam sobre vós não serão capazes de separar-vos, mas antes aumentarão a vossa união; porque o amor tem as suas próprias defesas.
Assim, vencereis os grandes problemas.
Guardai-vos, apenas, das pequeninas coisas; porque a árvore, que resiste aos raios e vendavais, pode sucumbir ante os cupins. E a represa, que vence a força das águas, não resiste a uma pequenina fenda.
Acima de tudo, não vos entregueis à rotina.
Pois é ela que consegue o que todos os males não podem conseguir.
Ao instalar-se em vossos corações, dali desaloja o amor; que, de hóspede de honra, torna-se apenas albergado.
E perambula pelos cantos, coberto com a cinza das lembranças e tangido pelas comparações.
E, ainda que em alguns momentos possam as antigas brasas brilhar sob essas cinzas, isso não vos irá bastar; porque é das suas chamas que necessitais.
Pois são elas que vos aquecem os corações.
Vigiai, portanto, as vossas atitudes.
Para que não se transforme o beijo em mero roçar de lábios,
os pequenos aborrecimentos em gestos de enfado,
o interesse em cansaço,
o desejo em sono,
e as palavras de amor em expressões de desdém.
E atentai, também, para os vossos silêncios.
Porque dois tipos de silêncio podem existir entre um homem e uma mulher:
- o de quando nada é preciso dizer
- e o de quando nada existe a ser dito.
E, se o primeiro é o ideal do amor e o enlevo da alma enamorada, o segundo é o sinal da sua derrocada e o tormento de quem ama.
Assim, sede exigentes convosco; não com as tarefas da casa, mas com o cuidado do amor.
Pois se a partir de hoje passa a existir a vossa casa, é em função do amor que existe em vós.
E ainda que se separem todos os seus tijolos, sereis capazes de reconstruí-la muitas vezes, enquanto existir o amor em vós; mas não podereis reconstruir o vosso amor.
E nada separa tanto um casal como a vida em comum.
Cuidai-vos, portanto; para que sejais eternos namorados.
Pois, se algum dia o amor vos abandonar, descobrireis então como eram insignificantes os vossos problemas.
E como era importante o vosso amor!
Calou-se o velho.
E, em silêncio, observou os noivos que se erguiam e retornavam a caminhada, entre a alegria dos amigos e a sua própria felicidade.
Recomeçava a eterna luta, entre o amor e a rotina.