A lenda do rouxinol
Encantado, determinou que o pássaro fosse capturado e levado ao palácio, para que pudesse ouvi-lo cantar em todas as horas do dia; e que os mais hábeis artesãos recebessem os metais mais preciosos e as gemas mais raras, para que pudessem construir a mais rica gaiola que já se viu neste mundo.
Assim se fez. E ao pássaro extraordinário foi reservado um local de honra, no palácio, onde a esmerada iluminação fazia refulgir todo o esplendor da magnífica gaiola.
Entretanto, o rouxinol definhava a cada dia. As suas penas, antes brilhantes e vistosas, tornaram-se opacas e nunca mais se ouviu o seu canto. Em vão, ordenou o Imperador que lhe fossem trazidos os mais atraentes e saborosos petiscos, que com as próprias mãos ofertava ao pássaro amado.
Um dia, o rouxinol fugiu. E nem todos os emissários do império, enviados pela China inteira, foram capazes de encontrá-lo novamente.
Então a tristeza dominou o Imperador, minando as suas forças. E em pouco tempo viu-se o poderoso regente preso ao leito, dominado por misteriosa e persistente doença, contra a qual de nada adiantavam os remédios receitados pelos maiores médicos do mundo, que para curá-lo foram chamados.
E veio uma madrugada em que, em meio ao delírio da febre, julgou o Imperador ver ao pé de seu leito o rouxinol. Queixou-se, desvairado:
- Ingrato, eis que te dei tudo de mim! Dei-te a gaiola mais rica que jamais existiu, o melhor lugar do palácio e até mesmo os melhores petiscos do mundo, com as minhas próprias mãos! Eu te amava e mesmo assim me abandonaste!
Respondeu-lhe o rouxinol:
- Dizes que
me amavas... e mesmo assim era mais importante a tua
vaidade. Para que todos pudessem ver e ouvir o pássaro
maravilhoso que possuías, me encerraste em uma gaiola,
ao teu lado, privando-me de tudo que eu mesmo amava.
Julgas, acaso, que a gaiola mais rica possa substituir a
beleza e a imensidão do céu? Ou que os esplendores do
palácio me sejam mais agradáveis que voar livre entre as
flores, vendo a sua beleza e respirando o seu aroma,
sentindo o calor do sol e o orvalho fresco da manhã?
Certo é que me alimentaste com as tuas mãos e que para
mim procuraste os petiscos que melhores julgavas. Mas
como podes acreditar que me fossem mais saborosos que os
alimentos por mim mesmo escolhidos e por meu próprio
bico colhidos?
Porém, não me cabe julgar-te. Sei que é assim entre os
homens; o que chamais amor não é senão a satisfação das
vossas vontades. Em nome do que dizeis sentir, buscais
acorrentar a vós aquele que jurais amar; e não
acreditais que alguém vos ame, a menos que se curve a
vossos desejos, esquecendo as suas próprias
necessidades. O que chamais “dor de amor” é, na verdade,
o vosso egoísmo contrariado.
Deixa-me, apenas, mostrar-te o que é o amor. Porque,
embora os emissários que enviaste para capturar-me não
me tenham encontrado, eu jamais me afastei de ti;
escondi-me em um arbusto do jardim, de onde às vezes
podia ver-te, sem que me visses. E renunciei ao canto,
que me denunciaria, para desfrutar da liberdade.
Entretanto retorno, agora que precisas de mim. E apenas
te peço que não tentes prender-me, ou o amor se perderia
na revolta. É certo que não estarei contigo todo o tempo
que quiseres, mas hás de ouvir-me sempre que me for
possível. Deixa-me cantar para ti porque te amo, não
porque assim o desejas!
Raiava o dia. E o Imperador, já melhor da febre que o
castigara, julgou ouvir um som maravilhoso que se
espalhava pelo quarto, trazendo de volta a alegria e as
cores da vida. Abriu os olhos para a luz do amanhecer,
como se os abrisse para a esperança.
No parapeito da janela, cantando como nunca, estava o
rouxinol.