Positivismo
Ao surgir no século XIX, quando as descobertas
científicas e os avanços técnicos
faziam crer que o homem podia dominar a natureza, o
positivismo opôs às abstrações
da teologia e da metafísica o método
experimental e objetivo da ciência.
Ideologia e movimento filosófico fundado por Auguste Comte, o positivismo
tem como base teórica os três pontos seguintes: (1) todo conhecimento
do mundo material decorre dos dados "positivos" da experiência,
e é somente a eles que o investigador deve ater-se; (2) existe um âmbito
puramente formal, no qual se relacionam as idéias, que é o da
lógica pura e da matemática; e (3) todo conhecimento dito "transcendente" --
metafísica, teologia e especulação acrítica --
que se situa além de qualquer possibilidade de verificação
prática, deve ser descartado. A evolução posterior do
positivismo passou por diversas etapas e reelaborações, entre
as quais cabe destacar o positivismo crítico e o neopositivismo ou positivismo
lógico, e exerceu influência notável no desenvolvimento
da filosofia analítica em meados do século XX.
No aspecto crítico, como o positivismo repudia toda especulação
em torno da natureza da realidade que afirme uma ordem transcendental não-suscetível
de demonstração pelos dados da experiência, sua ética é secular
e terrena, e coincide essencialmente com o utilitarismo britânico --
sobre o qual influiu de maneira decisiva -- que se pode resumir na célebre
frase de Jeremy Bentham: "A maior felicidade possível para o maior
número possível de pessoas."
Positivismo de Comte. A doutrina filosófica do positivismo tem raízes
ideológicas em diversos movimentos que tiveram lugar no século
XVIII, como o empirismo radical de David Hume, que concedia primazia absoluta à experiência
no processo do conhecimento, e o Iluminismo, com sua crença no progresso
da humanidade por meio da razão. O positivismo é produto direto
de sua época. Com a revolução industrial já plenamente
realizada, em pleno florescimento das ciências experimentais, que conquistavam
progressivamente mais e mais espaço, em detrimento da especulação
racionalista, Comte tentou a síntese dos conhecimentos positivos de
seu tempo. Era recente e estrondoso o triunfo da física, da química
e de algumas idéias biológicas. Com intenção de
reforma social, o pensamento de Comte pretendeu ser um comentário geral
sobre os últimos resultados das ciências positivas.
Ao contrário do que afirmaram alguns divulgadores, Comte nunca se inclinou
a favor de um empirismo radical. Pelo contrário, situava o positivismo
entre o empirismo -- a pura experiência direta do fato -- e o racionalismo,
que ele chamava também de misticismo. O saber científico depende
tanto de dados empíricos como de elaboração racional.
O real não é dado diretamente, pela simples sensação,
ou mera apreensão da realidade pelos sentidos, que precisam ser complementados
por ação do intelecto. O espírito reage, reelabora os
dados dos sentidos e os organiza segundo uma hipótese de trabalho e
cria uma imagem de mundo formada por elementos empíricos e racionais.
No pensamento social de Comte manifesta-se a influência de seu mestre,
Saint-Simon, teórico do socialismo utópico, que preconizava uma
reforma da sociedade. Comte se propôs a dois objetivos básicos:
a elaboração de uma sociologia -- disciplina criada por ele e à qual
pensou dar o nome de "física social" -- sobre a base exclusiva
do estudo científico dos dados da experiência, e a reorganização
das ciências de acordo com o mesmo critério.
A doutrina de Comte, exposta no Cours de philosophie positive (1830-1842; Curso
de filosofia positiva), baseou-se na chamada lei dos três estados ou
etapas do desenvolvimento intelectual da humanidade. O primeiro estágio é o
teológico, no qual o homem explica os fenômenos da natureza mediante
o recurso a entes sobrenaturais ou divindades, e cuja fase superior é o
monoteísmo. No segundo estágio, o metafísico, não
se interpreta o mundo sensível em função de seres exteriores
a ele, mas apela-se para forças ou conceitos imanentes e abstratos (formas,
idéias, potências, princípios). Por último, no estado
positivo, o homem se limita a descrever os fenômenos e a estabelecer "as
relações constantes de semelhança e sucessão entre
eles". Nesse estágio, que é o da filosofia positiva, não
se pretende achar as causas ou a essência das coisas, mas descobrir as
leis que as regem, já que a filosofia está "destinada por
sua natureza não a descobrir, mas a organizar".
O objetivo básico da filosofia positiva é, pois, a ordenação
e a classificação das ciências. Comte estabeleceu uma pirâmide
de seis ciências puras, na base da qual se encontrava a matemática
-- única ciência que não pressupõe as demais --
seguida da astronomia, física, química, biologia e sociologia.
Todas seriam regidas pelo mesmo método descritivo, e cada uma delas
utilizaria os dados proporcionados pelas precedentes. Comte estabelecia assim
o princípio da unidade da ciência.
No Discours sur l'ensemble du positivisme (1848; Discurso sobre o conjunto
do positivismo), Comte incumbiu-se de relacionar os diversos sentidos da palavra "positivo":
relativo, orgânico, preciso, certo, útil, real. No mesmo ensaio,
parte dessas características do positivo para chegar a uma significação
moral e social mais ampla, de reorganização da sociedade, com
predomínio do coração e dos sentimentos sobre a razão
e a atividade, cujo ápice é a religião da humanidade.
O positivismo contém assim uma teoria da ciência, uma doutrina
de reforma social e uma religião.
Uma segunda fase na vida do criador da doutrina positivista inicia-se com o
predomínio dos propósitos práticos em detrimento dos teóricos
ou filosóficos, fase da qual é bem representativo o seu Système
de politique positive (1851-1854; Sistema de política positiva). Constitui-se
então a chamada "religião da humanidade", com ídolos,
novo fetichismo, sociolatria, sociocracia, sacerdotes, catecismo, tudo confessadamente
muito próximo do catolicismo. Assim, o positivismo assume a condição
de um credo baseado na ciência, que não exclui a abertura de templos
e a prática de culto. Os aspectos religiosos do positivismo se encontram
tratados em Le Cathécisme positiviste (1852; O catecismo positivista).
Ortodoxos e heterodoxos. Os adeptos do positivismo dividiram-se em dois grupos
antagônicos: os ortodoxos, que acompanharam Comte em sua fase religiosa;
e os heterodoxos, que se mantiveram fiéis somente à primeira
fase, de cunho científico e filosófico. Na França, Émile
Littré, autor de Fragments de philosophie positive et de sociologie
contemporaine (1876; Fragmentos de filosofia positiva e sociologia contemporânea),
líder dos heterodoxos, considerou a segunda fase de Comte como um retrocesso,
que entrava em conflito com a primeira e a renegava. Pierre Laffitte, ortodoxo,
foi o continuador da pregação e sacerdote máximo da religião
da humanidade.
Embora muito criticadas porque excluíam elementos próprios da
investigação científica, como o método hipotético-dedutivo,
as teorias de Comte tiveram grande número de seguidores. Assim, por
exemplo, o utilitarismo britânico, cujo principal representante foi John
Stuart Mill, e o pragmatismo americano sofreram decisiva influência da
doutrina positivista. Foi, entretanto, o chamado positivismo crítico,
centrado na teoria da ciência, que inspirou o desenvolvimento posterior
da doutrina.
Positivismo crítico e positivismo lógico. Com o nome de positivismo
crítico se conhecem as teorias enunciadas pelo pensador alemão
Richard Avenarius, que chamou seu sistema de empiriocriticismo, e o austríaco
Ernst Mach. Ambos sustentavam que todo conhecimento consiste unicamente na
organização conceitual e na elaboração dos dados
da experiência proporcionados pelos sentidos, isto é, pelas sensações.
Negavam, assim, não só conceitos especulativos, como o de substância,
mas também hipóteses científicas, como o espaço
absoluto, postulado por Newton.
As leis do positivismo crítico, junto com as formulações
lógicas de pensadores como o alemão Gottlob Frege, o britânico
Bertrand Russell e o austríaco Ludwig Wittgenstein, autor do fundamental
Tractatus logico-philosophicus, deram lugar ao positivismo lógico, também
chamado neopositivismo. Seu núcleo fundamental foi o Círculo
de Viena, integrado entre outros pelos alemães Moritz Schlick e Rudolf
Carnap e o austríaco Otto Neurath, cujas teorias foram expressas no
manifesto Wissenschaftliche Weltauffassung: Der Wiener Kreis (Concepção
científica do mundo: o círculo de Viena). Nele sustentavam que
a lógica, como ciência formal da representação simbólica, é autônoma
em relação às ciências empíricas, e que só estas
podiam proporcionar informações sobre a realidade. O objeto da
análise filosófica seria estabelecer a verificação
lógica das proposições da ciência e eliminar aquelas
pseudoproposições com sentido aparente, mas baseadas em enunciados
metafísicos não-demonstráveis. A validade de um enunciado
não-contraditório e suscetível de verificação
experimental seria objeto exclusivo das ciências empíricas.
O positivismo lógico foi duramente criticado por pensadores como o austríaco
Karl Popper, que considerou que o critério positivo de verificação
impedia a elaboração de hipóteses, fundamentais para a
ciência. Muitas das idéias dos positivistas lógicos, entretanto,
continuaram em discussão. Suas análises sobre o significado das
proposições e as relações entre as ciências
formais e as empíricas foram, de qualquer forma, fundamentais para a
evolução posterior da filosofia analítica.
Positivismo no Brasil. A história do positivismo no Brasil tem importância
especial para a evolução das idéias no país. Foi
sob o patrocínio do positivismo que, em grande parte, se fez a preparação
teórica da implantação da república. Vários
dos mais destacados propagandistas republicanos eram positivistas e, nos primeiros
anos que se seguiram à queda do império, ocuparam posição
de relevo na administração pública. Foi importante a influência
intelectual e política de Benjamin Constant, positivista e republicano.
A divisa Ordem e Progresso, da bandeira nacional, inspirou-se no conceito elaborado
por Comte de uma sociedade exemplar, que teria "o amor como princípio,
a ordem como base e o progresso como fim".
A ação do positivismo no Brasil lançou-se contra a posição
filosófica de base espiritualista, então a única existente.
Nesse combate, estava o positivismo ao lado do materialismo e do evolucionismo,
que tinham lugar destacado entre os pensadores da época. A influência
positivista, que foi preponderante nessa fase de renovação das
idéias filosóficas no Brasil, começou a estender-se, a
princípio, por meio de brasileiros que estudaram na França, alguns
discípulos do próprio Comte. Depois, alargou seu campo em virtude
de teses que diversos professores defenderam em escolas superiores, como a
de Luís Pereira Barreto, As três filosofias (1874-1876).
O centro principal de irradiação da doutrina foi a cidade de
Recife, por intermédio da chamada "escola de Recife", cujo
iniciador, Tobias Barreto, tomaria posteriormente outros caminhos no domínio
do pensamento. O mesmo ocorreu com outros dois vultos eminentes do grupo, Sílvio
Romero e Clóvis Beviláqua. A conversão de Miguel Lemos
e Raimundo Teixeira Mendes, que desenvolveram grande atividade no setor do
apostolado, foi importante para a expansão da doutrina no Rio de Janeiro.
Nessa cidade foi instalada a igreja e o Apostolado Positivista no Brasil, em
1881. No Brasil, o positivismo passou de ciência a doutrina de influência
geral, acolhida por limitado número de estudiosos, como Ivan Lins, mas
sem a força dinâmica que o caracterizava nas últimas décadas
do século XIX.
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