Iluminismo (FILOSOFIA)
No decorrer do século XVIII, as idéias
do Iluminismo sobre Deus, a razão, a natureza
e o homem cristalizaram-se numa cosmovisão que
deitou raízes e acabou por produzir avanços
revolucionários na arte, na filosofia e na política.
Iluminismo foi o movimento cultural e intelectual europeu
que, herdeiro do humanismo do Renascimento e originado
do racionalismo e do empirismo do século XVII,
fundava-se no uso e na exaltação da razão,
vista como o atributo pelo qual o homem apreende o
universo e aperfeiçoa sua própria condição.
Considerava que os objetivos do homem eram o conhecimento,
a liberdade e a felicidade. O Iluminismo foi chamado
pelos franceses de Siècle des Lumières,
ou apenas Lumières, pelos ingleses e americanos
de Enlightenment e pelos alemães de Aufklärung.
Características gerais. O Iluminismo avaliou com otimismo o poder e
as realizações da razão humana, e a crença na possibilidade
de reorganizar a sociedade segundo princípios racionais. Não
ignorou a história, mas a encarou de modo crítico, sem aceitar
a idéia de que a evolução da humanidade fosse inexoravelmente
determinada pelo passado. Esse enfoque retirou do otimismo dos pensadores iluministas
qualquer caráter metafísico. Ao contrário, a visão
iluminista tinha por base a possibilidade, aberta a cada ser humano, de ter
consciência de si mesmo e de seus erros e acertos, e de ser dono de seu
destino: a confiança nos efeitos moralizadores e enobrecedores da instrução
se completava na exortação a todas as pessoas para que pensassem
e julgassem por si próprias, sem orientação alheia. A
crítica iluminista dirigiu-se contra a tradição e a autoridade
daqueles que se arrogavam a tarefa de guiar o pensamento, e contra o dogmatismo
que os justificava.
Essa luta contra as verdades dogmáticas deu-se, na esfera política,
com a oposição ao absolutismo monárquico. É certo
que houve alguns casos em que monarcas apoiaram e estimularam as novas idéias,
atitude que ficou conhecida como "despotismo esclarecido". Esse apoio
não configurava uma aliança, pois era quase sempre superficial
e ditado por conveniências políticas ou estratégicas.
A riqueza e complexidade do movimento iluminista teve como base alguns pontos
gerais: em primeiro lugar, a influência que os empreendimentos científicos
do século XVII e início do século XVIII tiveram sobre
as novas idéias. Na astronomia e na física, por exemplo, Galileu
Galilei, Johannes Kepler e Isaac Newton levaram a conceber o universo como "natureza",
ou seja, como um domínio ou realidade dinâmica, regida por leis
gerais que a razão sempre poderia acabar por descobrir. Em segundo lugar,
e como conseqüência, a substituição da idéia
de um Deus pessoal, responsável pelos acontecimentos humanos e eventos
naturais, por um deísmo, que valorizava a idéia abstrata de Deus
como princípio ordenador da natureza, "arquiteto do mundo" e
criador de suas leis, mas que não intervém diretamente nele.
Embora a idéia do deísmo não tenha sido compartilhada
por todos os pensadores iluministas -- alguns mantiveram a crença em
um Deus transcendente ao qual a humanidade concernia diretamente, enquanto
outros radicalizaram suas opiniões e chegaram ao ateísmo --,
essa foi a tendência dominante do pensamento da época.
Tudo isso levou à crença no "progresso histórico" da
humanidade, concebido não como produto de um plano divino, mas como
resultado da razão e dos esforços humanos. Formou-se assim pela
primeira vez a idéia de "humanidade" como integração
de todos os povos, acima de circunstanciais diferenças étnicas
ou situações temporais ou espaciais.
Como resultado lógico, a atividade e tarefa que os pensadores iluministas
se atribuíam não ficou centrada na criação de grandes
sistemas especulativos, e sim na difusão da cultura e na abertura de
novas perspectivas para a compreensão da realidade. Os gêneros
literários se diversificaram, surgiram inúmeras publicações,
e a diversidade de temas de estudo e de reflexão firmou-se como um dos
traços que permaneceram na cultura contemporânea.
Para avaliar globalmente o Iluminismo, deve-se levar em conta que, embora houvesse
uma atmosfera cultural comum em quase toda a Europa, as diferenças nacionais
e a existência de sistemas políticos distintos determinaram condições
e pontos de vista diversos. O Iluminismo francês, por exemplo, foi mais
anticlerical e de orientação política do que o Iluminismo
britânico, o qual se desenvolveu em um país onde já havia
se estabelecido uma monarquia liberal; já na Alemanha, o debate intelectual
se concentrou em questões metafísicas e religiosas.
Desenvolvimento e principais tendências. O Iluminismo produziu as primeiras
teorias modernas seculares sobre a psicologia e a ética. O filósofo
empirista inglês John Locke foi, de certo modo, o primeiro iluminista.
Em seu Essay Concerning Human Understanding (1689; Ensaio acerca do entendimento
humano), Locke rejeitou a escolástica, que baseava a explicação
do mundo em conceitos, e recusou também o apriorismo cartesiano: para
Locke, os objetos do entendimento ou conhecimento não poderiam ser entidades
constituídas prévia e independentemente dele, nem tampouco idéias
inatas. Assim, considerou que, na ocasião do nascimento, a mente humana é como
uma página em branco, uma tabula rasa na qual a experiência vai
formando o caráter individual. Essas idéias, radicalizadas por
David Hume, ensejaram uma nova visão da ética e da sociedade.
As ações corretas e a organização social justa
dependeriam do exercício da faculdade da razão.
Na França, a organização política não tinha
a flexibilidade e funcionalidade do sistema inglês, de modo que a reação
contra a rigidez hierárquica e a desigualdade levou quase forçosamente
a ideais revolucionários, que apareceram de modo bem definido em obras
como a do barão de Montesquieu, L'Esprit des lois (1748; O espírito
das leis). Nela, o autor postulava um liberalismo de tipo britânico,
assegurado -- e essa foi sua grande contribuição à filosofia
política -- pela separação dos poderes executivo, legislativo
e judiciário. Voltaire foi, em grande medida, o símbolo do "século
das luzes" francês; atacou com dureza o absolutismo e a igreja,
exaltou a razão e advogou um deísmo que assumiu algumas vezes
formas quase místicas e irracionais.
Denis Diderot e Jean Le Rond d'Alembert produziram o grande monumento intelectual
do Iluminismo: a Encyclopédie, obra portentosa que consistia numa série
de artigos e ensaios de vários pensadores e especialistas, que versavam
sobre o homem e suas "ciências, artes e ofícios". A
Encyclopédie, que se estendeu por 35 volumes e teve notável influência
intelectual na França e em outros países, deu grande importância
ao progresso e à ciência.
Jean-Jacques Rousseau foi uma das grandes figuras das Luzes. Para ele, a moral
surge com a sociedade, pressupõe o princípio da ordem e exige
a liberdade. A única sociedade política aceitável para
o homem é a que está fundada no consentimento geral. Rousseau
não preconizou a revolução nem incitou a ela, mas suas
idéias influenciaram os revolucionários franceses. Por sua riqueza
e originalidade, são também um marco inaugural do romantismo
e uma das referências do pensamento moderno.
Na Aufklärung, destacou-se Christian Wolff. Diferente das Lumières,
o Iluminismo germânico sofreu influência da reforma luterana e
do empirismo de Locke, e apresentou grande atração pelas matemáticas.
Todas essas tendências se incorporaram a um núcleo central representado
pela problemática metafísica. A estética foi estudada
principalmente por Gotthold Ephraim Lessing. Immanuel Kant é o resumo
por excelência do Iluminismo e iniciou uma nova forma de pensamento.
Em outros lugares da Europa, as idéias iluministas penetraram menos.
Na Itália, Giambattista Vico propôs uma definição
e um projeto racionais da história, na qual distinguia três idades:
a dos deuses, a dos heróis e a dos homens. Na península ibérica,
o predomínio da teologia cristã tradicional tolheu as novas idéias,
que encontraram maior difusão nas colônias hispano-americanas
e no Brasil, e contribuíram para a formação do pensamento
social e político dos líderes do movimento de independência.
Significado histórico. O Iluminismo extinguiu-se, ao menos em parte,
pelos excessos de algumas de suas idéias. A oposição às
idéias religiosas e a usurpação da figura de Deus tornaram-no
estéril e sem atrativos aos olhos de muitos para quem a religião
era fonte de consolo, esperança e sentimento de comunhão. O culto
quase ritualístico à razão abstrata, elevada à categoria
de autêntica divindade, levou também a cultos de tipo esotérico
ou obscurantista. E o período do "Terror", que se seguiu à revolução
francesa foi um golpe para a convicção iluminista de uma sociedade
justa e pacífica, fundada em princípios racionais partilhados
por todos os cidadãos.
Os pensadores iluministas deixaram como legado a definição e
desenvolvimento de muitos dos conceitos e termos empregados ainda hoje no tratamento
de temas estéticos, éticos, sociais e políticos. E o mundo
contemporâneo herdou deles a convicção, rica de esperanças
e projetos, de que a história humana é uma crônica de contínuo
progresso.
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