Empirismo
Na história do pensamento, o racionalismo
fundou-se sobre a crença na capacidade do intelecto
humano para compreender a realidade. Incorreu, todavia,
em excessos metafísicos que fizeram dele um
sistema filosófico fechado. Diante disso, surgiria
na Inglaterra o empirismo, segundo o qual nenhuma certeza é possível,
nenhuma verdade é absoluta, já que não
existem idéias inatas e o pensamento só existe
como fruto da experiência sensível.
Empirismo é a doutrina que reconhece a experiência como única
fonte válida de conhecimento, em oposição à crença
racionalista, que se baseia, em grande medida, na razão. O empirismo
deu início a uma nova e transcendental etapa na história da filosofia,
tornando possível o surgimento da moderna metodologia científica.
Do ponto de vista psicológico, identifica-se com "sensualismo" ou "sensismo",
pelo menos em seus representantes mais radicais. Comparado ao positivismo,
designa principalmente o método, enquanto o positivismo designa a doutrina
a que esse método conduz. Em termos estritamente gnosiológicos,
o que o caracteriza e define é a afirmação de que a validade
das proposições depende exclusivamente da experiência sensível.
Na perspectiva metafísica, identifica-se o empirismo com a doutrina
que nega qualquer outra espécie de realidade além da que se atinge
pelos sentidos.
Caracterização. Nem sempre é fácil distinguir empirismo
e ceticismo. Considerado o fato de que o empirismo não participa da
dúvida universal, muitos entendem válida sua conceituação
como forma expressiva de dogmatismo. Todavia a dificuldade de caracterizá-lo
decorre do número elevado de suas ramificações. O fenomenismo
de David Hume e o imaterialismo de George Berkeley são duas de suas
ramificações mais significativas, às quais convém
ainda acrescentar o próprio positivismo. Apesar dessas diversificações,
alguns autores pretendem caracterizá-lo mediante seis afirmações
básicas, algumas delas essencialmente expressivas de suas formas mais
radicais. São elas: (1) não há idéias inatas, nem
conceitos abstratos; (2) o conhecimento se reduz a impressões sensíveis
e a idéias definidas como cópias enfraquecidas das impressões
sensoriais; (3) as qualidades sensíveis são subjetivas; (4) as
relações entre as idéias reduzem-se a associações;
(5) os primeiros princípios, e em particular o da causalidade, reduzem-se
a associações de idéias convertidas e generalizadas sob
forma de associações habituais; (6) o conhecimento é limitado
aos fenômenos e toda a metafísica, conceituada em seus termos
convencionais, é impossível.
Histórico. O empirismo revelou-se na filosofia grega sob a forma sensualista,
citando-se como seus representantes Heráclito, Protágoras e Epicuro.
Na Idade Média seu mais significativo adepto foi Guilherme de Occam;
expressou-se então por meio do nominalismo, cuja tese central é a
não-existência de conceitos abstratos e universais, mas apenas
de termos ou nomes cujo sentido seria o de designar indivíduos revelados
pela experiência.
O empirismo moderno tem como seus principais representantes John Locke, Thomas
Hobbes, George Berkeley e David Hume. Mas não se esgota aí o
movimento. Sem dúvida, Jeremy Bentham, John Stuart Mill (em que o empirismo
se converte em associacionismo) e Herbert Spencer podem ser citados como figuras
representativas do fenomenismo nos domínios da ética, da lógica
e da filosofia da natureza.
Esse empirismo enfrentou uma série de dificuldades, sendo a principal
e mais profunda a que Immanuel Kant reconheceu, ao proceder, em sua Kritik
der reinem Vernunft (1781; Crítica da razão pura), à distinção
entre a experiência enquanto passo inicial do conhecimento e enquanto
dado absoluto do conhecimento.
O significado do empirismo pode ser examinado considerando a validade de suas
afirmações centrais. Tais afirmações são:
(1) a rejeição da tese das idéias inatas; (2) a negação
das idéias abstratas; (3) a rejeição do princípio
da causalidade e, por decorrência e generalização, dos
primeiros princípios da razão. A argumentação contra
o inatismo foi esgotada por Locke. Negadas as idéias inatas enquanto
idéias explicitadas, elas não poderiam deixar de estar presentes
nas crianças e nos selvagens. A possibilidade de sua preexistência,
meramente virtualizada ou implícita, desde logo é prejudicada,
por se revelar contraditória com a conceituação da consciência
tal como a formulou Descartes e tal como a admitiu Locke. A argumentação
contra a validade da teoria da abstração é da autoria
de Berkeley. Hume considera-a definitiva e irrespondível.
Segundo Berkeley, não se poderia conceber isoladamente qualidades que
não podem existir em separado, como cor e superfície. Nenhuma
condição existe para se pensar em cor, senão em termos
de extensão ou superfície; a vinculação de uma à outra é essencial.
De resto esse foi um dos caminhos explorados por Edmund Husserl, em função
da técnica das variações imaginárias, para atingir
o reino das essências. Ainda segundo Berkeley, qualquer representação
será individual. Não se representa o homem, mas Pedro ou José.
O triângulo conceituado nunca deixará de ser isósceles
ou escaleno.
A crítica ao princípio da causalidade foi feita por Hume e constitui
um dos pontos centrais de sua contribuição à epistemologia.
A causalidade, entendida como poder de determinação e como relação
necessária, é recusada. Nenhuma fundamentação sensorial
se lhe poderia oferecer. Apenas se admitem seqüências de eventos
reforçadas em termos de hábitos. Aceita e ampliada sua validade,
a crítica invalida todos os chamados primeiros princípios. Precisamente
assim procederam Stuart Mill, Spencer e, mais modernamente, L. Rougier, Charles
Serrus e todo o Círculo de Viena.
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