Demonologia

Os temas demonológicos desempenharam um papel importante na literatura ocidental desde a Divina Comédia, de Dante, obra que descreve o céu e o inferno, detalhando sua hierarquia. Outro assunto comum na literatura é o mote "vender a alma ao diabo", aproveitado à perfeição por Göethe, em Fausto. Mas foi na pintura e na escultura que a demonologia foi mais explorada artisticamente, em cenas bíblicas e de tradição católica.
Ao contrário do que muitos imaginam, demonologia (do grego daimon, "divindade", "gênio", "espírito supra-humano", e logia, "ciência") não é exclusivamente o estudo dos espíritos malignos. Essa acepção prevalece na teologia cristã; em outras tradições metafísicas a demonologia estuda todos os entes sobrenaturais, supra-humanos mas abaixo de Deus, sejam eles benfazejos ou malfazejos.
Representações. A crença em espíritos surge no período paleolítico superior, como transição de uma magia centrada apenas na caça para uma magia mais elaborada, onde já se esboça a divisão social do trabalho. A associação dos cultos agrários com os cultos dos mortos produziu representações concretas do sobrenatural em obras de artesanato, indumentária ou esculturas. Rompeu-se então a fronteira entre o medo e o uso dos elementos sobrenaturais e surgiu a feitiçaria de cunho fetichista. Ainda hoje algumas sociedades primitivas se encontram nesse estágio.
Entre os antigos povos mesopotâmicos, por volta de 3500 a.C., a feitiçaria estava firmemente estabelecida e era tão ou mais forte que as religiões oficiais. A disseminação do culto aos espíritos malignos gerou uma reação popular que se traduziu em complexos rituais de exorcismo e purificação. Alguns traços de demonologia mesopotâmica vieram a influenciar os conceitos dos hebreus sobre o assunto, durante os cinqüenta anos em que durou o cativeiro na região, no século VI a.C.
Os persas também deixaram sua marca na religião judaica a partir do século VI a.C., quando a doutrina de Zoroastro estabeleceu um intenso dualismo entre o bem e o mal, que muito favoreceu a crença em demônios e demais entes sobrenaturais. Muitos estudiosos acreditam que os mitos, deuses e demônios persas dessa época tenham sido uma influência da cultura hindu.
Junto à influência mesopotâmica e ao dualismo de Zoroastro - incorporado durante a dominação persa - o judaísmo encontrou nos espíritos malignos os maiores adversários para seu deus único, Iavé. Satanás passa a ser a personificação do mal, assim como o foram Arimã para os persas e Nergal para os babilônios. No princípio, também os anjos do Antigo Testamento traziam em si a influência cultural mesopotâmica, confundindo-se num primeiro momento com o próprio Iavé e sendo mais tarde apresentados como componentes de sua corte. Só nos primeiros anos do cristianismo atribuiu-se uma hierarquia entre os anjos e surgiu a crença de que os demônios seriam anjos rebelados, expulsos dos domínios celestes.
Repressão. A religião cristã passaria a dar cada vez mais atenção a anjos e demônios e sua origem maniqueísta iria salientar a competição entre a "luz" e as "trevas". A crença na possessão demoníaca ganhou grande força entre os cristãos e tanto na antiguidade quanto na Idade Média certas doenças foram tomadas como casos para exorcismo. Cabe salientar, entretanto, que tais confusões também ocorriam em outras civilizações e que a magia ritual e a alquimia acabaram sendo a mãe da ciência médica.
O comportamento dos cristãos em relação aos assuntos ligados ao demônio passou a ser severamente repressor, chegando a extremos nos séculos XV, XVI e XVII, épocas em que muitas mulheres, condenadas pelo tribunal do Santo Ofício, foram queimadas como bruxas e feiticeiras. Mais tarde esse fenômeno iria despertar a atenção de estudiosos para a maneira como a demonologia reflete os conflitos sociais em cujo âmbito se propaga. Num quadro geral da história da demonologia, pode-se interpretar o satanismo como uma insubordinação às religiões oficiais, ou melhor, aos grupos sociais representados por essas crenças.
Em 1487, quando a perseguição à feitiçaria já era extremamente forte, foi lançado pelos monges dominicanos Heinrich Kraemer e Jakob Sprenger o Malleus maleficarum (O martelo das feiticeiras), verdadeiro manual para os inquisidores identificarem, capturarem e punirem adeptos da bruxaria. Também os protestantes dos séculos XVI e XVII perseguiram o satanismo.
A partir da segunda metade do século XVIII, a demonologia começa a entrar em declínio no Ocidente, assim como as demais crenças sobrenaturais. O início da revolução industrial, a ascensão política da burguesia e os avanços da ciência colaboraram para o declínio do interesse por tais fenômenos. Com o advento do Iluminismo, atitudes irracionalistas sofreram um irresistível processo de esvaziamento e o sobrenatural passou a enfrentar seu pior inimigo: o ceticismo.
Em meados do século XIX, surge o espiritismo, crença que prega a comunicação com espíritos e que, ao ser sistematizada pelo francês Allan Kardec, se difundiu pelo mundo inteiro. O espiritismo é hoje o principal suporte doutrinário dos que se voltam para o estudo de fenômenos sobrenaturais.
No Brasil, as mais representativas entidades supra-humanas são de origem africana, os exus. Entre os entes de origem indígena, mencionem-se o anhanga e o jurupari.

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