|
Aplicando medida sócio-educativa de
internação |
obs. Os nomes e diversos dados no
material abaixo, sobre os envolvidos, foram trocados como forma de
proteção. A sentença abaixo é para fins
acadêmicos. |
ESTADO DA PARAÍBA
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA
DA CAPITAL
2ª VARA DA Infância e da Juventude
SENTENÇA
Ação
Sócio Educativa nº 001/2001
Infratores:
L.S.
G.S.
ROUBO DUPLAMENTE QUALIFICADO-
Emprego de revólver e concurso de pessoas - Vínculo psicológico na
conduta dos envolvidos - Ato infracional caracterizado - Agentes
inadaptados ao convício social - Prova coligida na instrução
desfavorável - Autorias comprovadas - Infração consumada - Gravidade
do ato praticado - Procedência da representação - Aplicação da
medida sócio-educatica de internação - Inteligência do art. 112,
inc. VI, ECA.
-
Comprovado que o ato infracional revestiu-se de intensa gravidade,
tendo em vista o uso de arma de fogo, cometido por infratores em
liberdade assistida, o estabelecimento da medida sócio-educativa de
internação é de rigor.
- “Os adolescentes
(ECA art. 2º) são penalmente inimputáveis frente a legislação penal
comum, mas respondem penalmente, sendo imputáveis, frente a
legislação especial (CF 228 e ECA 103).”
-
“Para a caracterização do delito de roubo basta a subtração de coisa
alheia com emprego de violência e que, na ausência de outro
procedimento mais grave, como lesões, grave ameaça, etc., fique
expressa através de qualquer via de fato que tolha os movimentos da
vítima“.
CONCURSO DE PESSOAS -
Co-autoria - Caracterização - Presença de inequívoca colaboração
material e conduta previamente ajustada com os demais
agentes.
- A participação do
adolescente no ato infracional, demonstrada por atividade de
inequívoca colaboração material e pelo desempenho de conduta
previamente ajustada com os demais agentes, torna-o suscetível de
aplicação de medida sócio
educativa.
- “A existência da vontade no
co-participe - conclui Manzini - se deduz, em regra, da consciência
que ele teve de participar do ato imputável, a qual, por sua vez,
resulta normalmente das circunstâncias em que tal fato foi
praticado”.
- “Todos os que contribuem para a
integração do delito cometem o mesmo crime", pois, em tal hipótese,
"Há unidade de crime e pluralidade de
agentes”.
Vistos etc.
O Ministério Público, por sua representante, neste juízo, com
apoio nos autos de investigação infracional, ofereceu representação
contra L.S. e G.S., qualificados nos autos,
por terem violado o art. 157, § 2º, inc. I e II, CP. Assegura
que eles, em companhia de outros, assaltaram um ônibus da empresa
Cheguei Ok, armados com revólveres e facas peixeira, levando
dinheiro e ticktes de ônibus do cobrado e carteiras e celulares dos
passageiros. No curso da ação, um dos passageiros quebrou o vidro
lateral do ônibus e conseguiu escapar, fato que deixou os autores do
delito nervosos, levando-os a fugir, sem antes efetuarem disparos no
interior do coletivo, terminando de imediato com o
assalto.
Representação recebida em 09-01-2001, pelo despacho de fls.
33. Antecedentes às fls. 34. Infratores ouvidos na audiência de
apresentação, com decretação de internação (fls. 38/41).
Apresentadas defesas prévias, com rol de testemunhas, um das defesas
apresentadas em audiência (fls. 44 e 57). Liberação do representado
L.G., por excesso de prazo, tendo a insistência no depoimento de
testemunhas pelo MP (fls. 64/65). Expedição da carta precatório, com
intimação das partes da expedição (fls. 65). Estudo psicossocial às
fls. 90/92. Audiência adiada a pedido da defesa alegando doença
(fls. 103 e 104). Advogado constituído, devidamente intimado, para a
audiência de instrução e julgamento, não compareceu, tendo os
infratores e seus genitores consultados se queriam constituir outro
(fls. 107 e 109). Diante da informação negativa, nomeou-se defensor
público.
Nas alegações finais orais, a representante do Parquet entende provados os fatos e pede a
aplicação da medida sócio-educativa prevista no Art. 112, VI, ECA,
fls. 111.
A defesa dos adolescentes alega que eles têm bom
comportamento e não possuem periculosidade e pedem, portanto,
liberdade assistida com prestação de serviços à comunidade (fls.
112).
Feito o relatório, à decisão.
Aos representados é imputado ato infracional que na Justiça não especializada é crime de roubo, tipificado
no art. 157, § 2º, inc. I e II, CP, e que
o ECA chama de Infração.
Materialidade comprovada pelos autos pelos depoimentos de
fls. e fls., já que o produto do assalto não foi
recuperado.
In casu, L.S. confessou em juízo, perante o
Ministério Público e na fase inquisitorial que participou do assalto
(fls. 23, 30 e 38). Apenas, apresentou a versão de foi obrigado a
fazer parte da ação. Sustentou que estava no ônibus por acaso e os
ladrões eram conhecidos seus, de modo que foi forçado por eles, na
hora, para arrecadar o dinheiro, sendo que depois do fato foi
recompensado pela ação com R$ 20,00 (vinte) reais.
L.G., por seu turno, negou estar presente no momento do
assalto (fls. 25 e 39). Não prestou depoimento perante o
Parquet.
Não merecem fé as versões apresentadas pelos representados. A
testemunha J. reconheceu os dois representados na delegacia (fls.
16). Em juízo confirmou o depoimento (fls. 84). Esclareceu que foi
L.S. quem anunciou o assalto e que ele estava armado com revólver e
aparentava ser o líder do grupo (fls. 83). Ele, com convicção,
esclareceu que os assaltantes eram em número de quatro e reconheceu
G.S. como um deles, estando no momento da ação portando uma faca
(fls. 16 e 84). As demais testemunhas ouvidas apenas confirmaram a
prática do assalto ou trouxeram elementos sobre as vidas dos
incriminados (fls. e fls.).
De forma, que a prova testemunhal aponta os representados
como co-autores de roubo duplamente qualificado de que trata a
inicial, posto que para a ação usaram arma de fogo e estavam em
grupo com mais de duas pessoas.
A colaboração entre os representados foi bastante forte.
Porém, não era necessário tanto, para configurar a co-autoria. Vamos
conferir:
“A
simples presença preordenada no local do crime, desde que tenha ou
possa ter uma função útil para o executor -
tais como proteção, segurança, intimidação, guia, vigilância, etc.
-
configura os extremos da cooperação imediata. Por outro lado, a
existência da vontade no co-participe -
conclui Manzini - se deduz, em regra, da consciência que
ele teve de participar do ato imputável, a qual, por sua vez,
resulta normalmente das circunstâncias em que tal fato foi
praticado”, RJTJSP
65/311.
Neste diapasão, tenho que o assalto foi consumado, tendo em
vista que eles levaram o dinheiro do ofendido. A questão é
pacífica:
"O Plenário
desta Corte, ao
julgar, em 17.9.87, o RECr. 102.490, decidiu, por ampla maioria, que
o roubo já está consumado se o ladrão é preso em decorrência de
perseguição imediatamente após a subtração da coisa, não importando assim, que tenha, ou não, a
posse tranqüila desta", (grifamos), Lex - JSTF
114/390.
E arremata:
"Até há pouco havia divergência, neste
Tribunal, no que diz respeito ao momento da consumação do roubo,
mas, a 17.9.87, o Plenário, vencidos os Srs. Ministros Néri da
Silveira e Aldir Passarinho, decidiu que o roubo já esta consumado
se o ladrão é preso em decorrência de perseguição imediatamente após
a subtração da coisa, não
importando assim que tenha, ou não, posse tranqüila desta", (o
grifo é nosso), Lex - JSTF 114/396.
Outra:
"O momento da consumação do roubo
é aquele em que se efetiva a subtração com o emprego de violência ou
grave ameaça, sendo irrelevante a circunstância de o agente não ter
se locupletado com a coisa roubada", STF - RTJ
97/903.
Pelo colhido nos autos, há certeza plena de que os
representados agiram, em concurso, com dolo intenso. Usaram da grave
ameaça para conseguir os seus objetivos. Caracterizado o delito de
roubo consumado, com o surrupiamento do apurado que estava com o
cobrador do ônibus e de objetos dos passageiros, sendo que nada foi
recuperado.
Pelo exposto, julgo procedente a
representação movida contra os adolescentes L.S. e
G.S., qualificados nos autos, por terem violado o art.
157, § 2º, inc. I e II, CP.
Passo a análise da medida sócio-educativa a ser
aplicada.
Na espécie, trata-se de ato infracional que na Justiça não
especializada é apenado com reclusão.
No caso sub
judice, temos que os adolescentes L.S. e G.S. são bastante
desenvolvidos fisicamente erevelam possuir personalidades
desajustadas. Eles pertencem às chamadas "gangs" juvenis violentas.
Estavam em liberdade assistida por, em conjunto, terem tentado
assassinar um membro de uma gang rival (fls. 34, 28 e 38). São
acostumados ao uso de armas e com a prática de delitos. Precisam ser
reeducados. Praticaram ato infracional com grave ameaça a pessoa,
pondo em risco a vida de trabalhadores inocentes no interior de
coletivo. Não estudavam, não trabalhavam e fazem ou já fizeram uso
de drogas, sendo filhos de famílias desestruturadas que não lhes dão
apoio. Demonstram que não estão preparados para o reingresso
imediato ao seio da comunidade. Pelas suas declarações relevam
ausência de limites, não possuem ciência do desvalor de suas
condutas, que insistem em repetir. Ademais, com suas ações mostraram
especial audácia e temeridade, que precisam ser tratadas e
revertidas através de orientação específica, com internação unidade
especializada, a nível contínuo e diuturno, para que introjetem
normas mínimas de comportamento e convivência em sociedade, de modo
que tenham condições de integrá-la, como indivíduos adaptados e
úteis. Além disso, entendo que a coação as liberdades dos
representados, neste momento, é a mais benéfica. Com a medida
constritiva de liberdade, ocorrerá um trabalho de reaproximação
familiar e de conscientização para os estudos e o afastamento das
infrações, tudo no interesse dos adolescentes, para ao final lhes
permitir a reintegração social, consoante o Princípio da Proteção
Estatal adotado pelo Estatuto da
Criança.
Finalmente, restou plenamente caracterizada a grave ameaça
contra a pessoa, suficiente para a determinação da internação.
Vejamos:
“Habeas
Corpus - Menor –
Medida de Internação – Legalidade.
1 – Encontra amparo no inciso I,
do art. 12, do estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei
8.069/90 – a medida sócio-educativa de internação no caso de ato
infracional cometido com violência á pessoa. Ordem denegada”. (STJ -
Habeas Corpus nº 9.260 – São Paulo; 6ª Turma; Rel. Min. Fernando
Gonçalves; DJU,
11-10-1999).
Mais:
“HABEAS
CORPUS – Roubo Qualificado praticado por paciente menor -.
Aplicação da medida sócio educativa de internação, privação de
liberdade.
1. O
Tribunal a quo,
ao dar provimento à apelação do Ministério Público e reformar a
sentença que havia aplicado ao paciente a medida sócio-educativa de
liberdade assistida, para impor a de internação, privativa de
liberdade, fez a adequação do fato à lei (artigo 121, § 2º, do
Estatuto da Criança e do Adolescente). (STF – Rel. Ministro Maurício
Correia, DJ 28-05-99, pág. 6, Julg. 6/03/1999, 2ª Turma. Neste
sentido: HC-69480,
RTJ-144/268.
Ainda:
"O roubo
qualificado em que se envolveu com emprego de arma, autoriza a
imposição de medida sócio-educativa de internação, como prevista nos
artigos 112, inciso VI, e 121 do Estatuto da Criança e do
Adolescente. A determinação da sentença, neste ponto, mostra-se
merecedora de confirmação" (TJSP - Rel. Des.
Aniceto Aliende - JTJ
143/110).
Outra:
“‘Medida de internação. Imposição.
Desnecessidade de prova de reincidência. Cabimento, em face do
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), quando se tratar
de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência
contra a pessoa. Recurso não provido.’ (TJSP – RA n. 12.210-0 – rel.
Des. Marino Falcão, in Biblioteca dos Direitos da Criança ABMP :
Jurisprudência, v.
01/97).
Mais:
- "O roubo qualificado em que se envolveu com emprego de arma,
autoriza a imposição de medida sócio-educativa de internação, como
prevista nos artigos 112, inciso VI, e 121 do Estatuto da Criança e
do Adolescente. A determinação da sentença, neste ponto, mostra-se
merecedora de confirmação" grifei, (TJSP – Rel. Des. Aniceto Aliende, in JTJ
143/110).
De forma que, os adolescentes cometeram ato infracional
grave, com grave ameaça contra as vítimas, sendo a internação a
medida mais adequada (art. 122, inc. I, ECA).
Nos tempos atuais os valores estão invertidos. O homem de bem
não pode sair na calçada por causa da violência que impera, diante
do Estado omisso. A pobreza que, por vezes, não sendo a hipótese dos
autos, conduz o jovem ao crime, explica, mas não justifica a
violência aplicada na ação. Como ensina o eminente Magistrado Paulo
Lúcio Nogueira em seu livro Estatuto da Criança e do Adolescente
Comentado “na discussão da problemática do menor, existem certos
´demagogos´, que entendem não haver menor perigoso, mas sim vítima
da sociedade. Que ele seja vítima da sociedade é uma verdade que não
pode ser refutada, mas que não deixa de ser perigoso quem assalta,
mata, estupra é também uma verdade incontestável, que não pode ser
negada em face de nossa realidade”, e arremata, “não há condições de
deixar em liberdade quem precisa ser segregado da sociedade, ainda
que seja menor. Existe muita pieguice, demagogia ou falsos
escrúpulos na abordagem do menor perigoso, que, segundo alguns, deve
ser tratado com maior liberalidade possível, em face dos seus
discutidos direitos humanos, quando a periculosidade é própria tanto
do menor como do maior, devendo ambos ser recolhidos em defesa
social”, ECA Comentado, 3ª ed., pág. 286, Editora Saraiva,
1996.
Isto posto, aplico aos adolescentes
L.S. e G.S.
medida sócio-educativa de internação
por prazo indeterminado, nos termos do art. 112, VI, c/c o art.
121, § 2º, ambos do ECA. As avaliações e relatórios deverão ser
semestrais (art. 119, IV, c/c o art. 121, § 2º, todos do ECA).
Vedadas atividades externas, exceto as pedagógicas e educacionais,
com autorização prévia deste juízo. Determino, ainda, a medida
protetiva de escolarização compulsória, com fulcro no
art. 101, inc. III,
ECA.
Denego o direito dos infratores apelarem em liberdade. Eles
passaram toda a instrução internados, por não fazerem jus em
responder o feito soltos, liberar agora seria um contra-senso.
Ademais, em liberdade demonstraram ser um perigo para a ordem
pública, diante da tendência precoce para a prática de infração com
forte carga de violência, contra a pessoa humana desprotegida e
trabalhadora. Como é cediço, em sede da Justiça da Infância e da
Juventude o recurso de apelação, caso interposto, de regra terá
efeito apenas devolutivo, nos termos do art. 198, inc. VI, ECA,
salvo decisão fundamentada do Magistrado em contrário. Assim, as
determinações desta sentença deverão ser cumpridas incontinenti. Senão
Vejamos:
Intimem-se na forma do art. 190, ECA.
Expeçam-se mandados de busca e apreensão.
Capturados, encaminhe-os ao CEA e lavrem-se guias de internação em
triplicata.
Após o trânsito em julgado, anotem-se no rol
dos culpados e remeta-se a arma de fogo, caso existente, à douta
Corregedoria da Justiça, nos termos da Resolução 01/93, do Conselho
da Magistratura, juntando-se recibo nos autos.
Custas pelo Estado.
PRI.
João Pessoa (PB), 30 de fevereiro
2001.
WOLFRAM
DA CUNHA RAMOS
Juiz de Direito
|
-------------------------------------------------------------------- |
Sua opinião...
A matéria acima é de inteira
responsabilidade do autor e foi publicada com a finalidade de estudo e
informação. Se desejar mande um e-mail comentando, criticando elogiando,
ou seja, sua opinião é importande.
|
|