Dablio Criminal  
|Editor| Juiz Wolfram da Cunha Ramos|
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Aplicando medida sócio-educativa de internação
obs. Os nomes e diversos dados no material abaixo, sobre os envolvidos, foram trocados como forma de proteção. A sentença abaixo é para fins acadêmicos.

ESTADO DA PARAÍBA

PODER JUDICIÁRIO

COMARCA DA CAPITAL

2ª VARA DA Infância e da Juventude

 
SENTENÇA
Ação Sócio Educativa nº 001/2001
Prolator: Juiz Wolfram da Cunha Ramos
Infratores: L.S.
               G.S.
                
ROUBO   DUPLAMENTE QUALIFICADO- Emprego de revólver e concurso de pessoas - Vínculo psicológico na conduta dos envolvidos - Ato infracional caracterizado - Agentes inadaptados ao convício social - Prova coligida na instrução desfavorável - Autorias comprovadas - Infração consumada - Gravidade do ato praticado - Procedência da representação - Aplicação da medida sócio-educatica de internação - Inteligência do art. 112, inc. VI, ECA.
   - Comprovado que o ato infracional revestiu-se de intensa gravidade, tendo em vista o uso de arma de fogo, cometido por infratores em liberdade assistida, o estabelecimento da medida sócio-educativa de internação é de rigor.
   - “Os adolescentes (ECA art. 2º) são penalmente inimputáveis frente a legislação penal comum, mas respondem penalmente, sendo imputáveis, frente a legislação especial (CF 228 e ECA 103).”
 
   - “Para a caracterização do delito de roubo basta a subtração de coisa alheia com emprego de violência e que, na ausência de outro procedimento mais grave, como lesões, grave ameaça, etc., fique expressa através de qualquer via de fato que tolha os movimentos da vítima“.
CONCURSO DE PESSOAS - Co-autoria - Caracterização - Presença de inequívoca colaboração material e conduta previamente ajustada com os demais agentes.
   - A participação do adolescente no ato infracional, demonstrada por atividade de inequívoca colaboração material e pelo desempenho de conduta previamente ajustada com os demais agentes, torna-o suscetível de aplicação de medida sócio educativa.
- “A existência da vontade no co-participe - conclui Manzini - se deduz, em regra, da consciência que ele teve de participar do ato imputável, a qual, por sua vez, resulta normalmente das circunstâncias em que tal fato foi praticado”.
 
 - “Todos os que contribuem para a integração do delito cometem o mesmo crime", pois, em tal hipótese, "Há unidade de crime e pluralidade de agentes”.
 
                                                Vistos etc.
                                               
                                                O Ministério Público, por sua representante, neste juízo, com apoio nos autos de investigação infracional, ofereceu representação contra L.S. e G.S., qualificados nos autos, por terem violado o art. 157, § 2º, inc. I e II, CP. Assegura que eles, em companhia de outros, assaltaram um ônibus da empresa Cheguei Ok, armados com revólveres e facas peixeira, levando dinheiro e ticktes de ônibus do cobrado e carteiras e celulares dos passageiros. No curso da ação, um dos passageiros quebrou o vidro lateral do ônibus e conseguiu escapar, fato que deixou os autores do delito nervosos, levando-os a fugir, sem antes efetuarem disparos no interior do coletivo, terminando de imediato com o assalto.
                                                Representação recebida em 09-01-2001, pelo despacho de fls. 33. Antecedentes às fls. 34. Infratores ouvidos na audiência de apresentação, com decretação de internação (fls. 38/41). Apresentadas defesas prévias, com rol de testemunhas, um das defesas apresentadas em audiência (fls. 44 e 57). Liberação do representado L.G., por excesso de prazo, tendo a insistência no depoimento de testemunhas pelo MP (fls. 64/65). Expedição da carta precatório, com intimação das partes da expedição (fls. 65). Estudo psicossocial às fls. 90/92. Audiência adiada a pedido da defesa alegando doença (fls. 103 e 104). Advogado constituído, devidamente intimado, para a audiência de instrução e julgamento, não compareceu, tendo os infratores e seus genitores consultados se queriam constituir outro (fls. 107 e 109). Diante da informação negativa, nomeou-se defensor público.
                                                Nas alegações finais orais, a representante do Parquet entende provados os fatos e pede a aplicação da medida sócio-educativa prevista no Art. 112, VI, ECA, fls. 111.
                                                A defesa dos adolescentes alega que eles têm bom comportamento e não possuem periculosidade e pedem, portanto, liberdade assistida com prestação de serviços à comunidade (fls. 112).
                                                Feito o relatório, à decisão.
                                                Aos representados é imputado ato infracional que na Justiça não especializada é crime de roubo, tipificado no art. 157, § 2º, inc. I e II, CP, e que o ECA chama de Infração.
                                               
                                                Materialidade comprovada pelos autos pelos depoimentos de fls. e fls., já que o produto do assalto não foi recuperado.
                                                In casu, L.S. confessou em juízo, perante o Ministério Público e na fase inquisitorial que participou do assalto (fls. 23, 30 e 38). Apenas, apresentou a versão de foi obrigado a fazer parte da ação. Sustentou que estava no ônibus por acaso e os ladrões eram conhecidos seus, de modo que foi forçado por eles, na hora, para arrecadar o dinheiro, sendo que depois do fato foi recompensado pela ação com R$ 20,00 (vinte) reais.
                                                L.G., por seu turno, negou estar presente no momento do assalto (fls. 25 e 39). Não prestou depoimento perante o Parquet.
                                                Não merecem fé as versões apresentadas pelos representados. A testemunha J. reconheceu os dois representados na delegacia (fls. 16). Em juízo confirmou o depoimento (fls. 84). Esclareceu que foi L.S. quem anunciou o assalto e que ele estava armado com revólver e aparentava ser o líder do grupo (fls. 83). Ele, com convicção, esclareceu que os assaltantes eram em número de quatro e reconheceu G.S. como um deles, estando no momento da ação portando uma faca (fls. 16 e 84). As demais testemunhas ouvidas apenas confirmaram a prática do assalto ou trouxeram elementos sobre as vidas dos incriminados (fls. e fls.).
                                                De forma, que a prova testemunhal aponta os representados como co-autores de roubo duplamente qualificado de que trata a inicial, posto que para a ação usaram arma de fogo e estavam em grupo com mais de duas pessoas.
                                                A colaboração entre os representados foi bastante forte. Porém, não era necessário tanto, para configurar a co-autoria. Vamos conferir:
“A simples presença preordenada no local do crime, desde que tenha ou possa ter uma função útil para o executor - tais como proteção, segurança, intimidação, guia, vigilância, etc. - configura os extremos da cooperação imediata. Por outro lado, a existência da vontade no co-participe - conclui Manzini - se deduz, em regra, da consciência que ele teve de participar do ato imputável, a qual, por sua vez, resulta normalmente das circunstâncias em que tal fato foi praticado”, RJTJSP 65/311.
                                                Neste diapasão, tenho que o assalto foi consumado, tendo em vista que eles levaram o dinheiro do ofendido. A questão é pacífica:
"O Plenário desta Corte, ao julgar, em 17.9.87, o RECr. 102.490, decidiu, por ampla maioria, que o roubo já está consumado se o ladrão é preso em decorrência de perseguição imediatamente após a subtração da coisa, não importando assim, que tenha, ou não, a posse tranqüila desta", (grifamos), Lex - JSTF 114/390.
 
E arremata:
 
"Até há pouco havia divergência, neste Tribunal, no que diz respeito ao momento da consumação do roubo, mas, a 17.9.87, o Plenário, vencidos os Srs. Ministros Néri da Silveira e Aldir Passarinho, decidiu que o roubo já esta consumado se o ladrão é preso em decorrência de perseguição imediatamente após a subtração da coisa, não importando assim que tenha, ou não, posse tranqüila desta", (o grifo é nosso), Lex - JSTF 114/396.
 
Outra:
 
"O momento da consumação do roubo é aquele em que se efetiva a subtração com o emprego de violência ou grave ameaça, sendo irrelevante a circunstância de o agente não ter se locupletado com a coisa roubada", STF - RTJ 97/903.
                                                Pelo colhido nos autos, há certeza plena de que os representados agiram, em concurso, com dolo intenso. Usaram da grave ameaça para conseguir os seus objetivos. Caracterizado o delito de roubo consumado, com o surrupiamento do apurado que estava com o cobrador do ônibus e de objetos dos passageiros, sendo que nada foi recuperado.
                                                Pelo exposto, julgo procedente a representação movida contra os adolescentes L.S. e G.S., qualificados nos autos, por terem violado o art. 157, § 2º, inc. I e II, CP.
                                                Passo a análise da medida sócio-educativa a ser aplicada.
                                                Na espécie, trata-se de ato infracional que na Justiça não especializada é apenado com reclusão.
                                                No caso sub judice, temos que os adolescentes L.S. e G.S. são bastante desenvolvidos fisicamente erevelam possuir personalidades desajustadas. Eles pertencem às chamadas "gangs" juvenis violentas. Estavam em liberdade assistida por, em conjunto, terem tentado assassinar um membro de uma gang rival (fls. 34, 28 e 38). São acostumados ao uso de armas e com a prática de delitos. Precisam ser reeducados. Praticaram ato infracional com grave ameaça a pessoa, pondo em risco a vida de trabalhadores inocentes no interior de coletivo. Não estudavam, não trabalhavam e fazem ou já fizeram uso de drogas, sendo filhos de famílias desestruturadas que não lhes dão apoio. Demonstram que não estão preparados para o reingresso imediato ao seio da comunidade. Pelas suas declarações relevam ausência de limites, não possuem ciência do desvalor de suas condutas, que insistem em repetir. Ademais, com suas ações mostraram especial audácia e temeridade, que precisam ser tratadas e revertidas através de orientação específica, com internação unidade especializada, a nível contínuo e diuturno, para que introjetem normas mínimas de comportamento e convivência em sociedade, de modo que tenham condições de integrá-la, como indivíduos adaptados e úteis. Além disso, entendo que a coação as liberdades dos representados, neste momento, é a mais benéfica. Com a medida constritiva de liberdade, ocorrerá um trabalho de reaproximação familiar e de conscientização para os estudos e o afastamento das infrações, tudo no interesse dos adolescentes, para ao final lhes permitir a reintegração social, consoante o Princípio da Proteção Estatal adotado pelo Estatuto da Criança.
                                                Finalmente, restou plenamente caracterizada a grave ameaça contra a pessoa, suficiente para a determinação da internação. Vejamos:
Habeas Corpus - Menor – Medida de Internação – Legalidade.
1 – Encontra amparo no inciso I, do art. 12, do estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei 8.069/90 – a medida sócio-educativa de internação no caso de ato infracional cometido com violência á pessoa. Ordem denegada”. (STJ - Habeas Corpus nº 9.260 – São Paulo; 6ª Turma; Rel. Min. Fernando Gonçalves; DJU, 11-10-1999).
Mais:
HABEAS CORPUS – Roubo Qualificado praticado por paciente menor -. Aplicação da medida sócio educativa de internação, privação de liberdade.
1. O Tribunal a quo, ao dar provimento à apelação do Ministério Público e reformar a sentença que havia aplicado ao paciente a medida sócio-educativa de liberdade assistida, para impor a de internação, privativa de liberdade, fez a adequação do fato à lei (artigo 121, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente). (STF – Rel. Ministro Maurício Correia, DJ 28-05-99, pág. 6, Julg. 6/03/1999, 2ª Turma. Neste sentido: HC-69480, RTJ-144/268.
Ainda:
"O roubo qualificado em que se envolveu com emprego de arma, autoriza a imposição de medida sócio-educativa de internação, como prevista nos artigos 112, inciso VI, e 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A determinação da sentença, neste ponto, mostra-se  merecedora  de  confirmação" (TJSP - Rel. Des. Aniceto Aliende - JTJ 143/110).
Outra:
“‘Medida de internação. Imposição. Desnecessidade de prova de reincidência. Cabimento, em face do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), quando se tratar de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência contra a pessoa. Recurso não provido.’ (TJSP – RA n. 12.210-0 – rel. Des. Marino Falcão, in Biblioteca dos Direitos da Criança ABMP : Jurisprudência, v. 01/97).
Mais:
- "O roubo qualificado em que se envolveu com emprego de arma, autoriza a imposição de medida sócio-educativa de internação, como prevista nos artigos 112, inciso VI, e 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A determinação da sentença, neste ponto, mostra-se merecedora de confirmação" grifei, (TJSP – Rel. Des. Aniceto Aliende, in JTJ 143/110).
                                                De forma que, os adolescentes cometeram ato infracional grave, com grave ameaça contra as vítimas, sendo a internação a medida mais adequada (art. 122, inc. I, ECA).
                                                Nos tempos atuais os valores estão invertidos. O homem de bem não pode sair na calçada por causa da violência que impera, diante do Estado omisso. A pobreza que, por vezes, não sendo a hipótese dos autos, conduz o jovem ao crime, explica, mas não justifica a violência aplicada na ação. Como ensina o eminente Magistrado Paulo Lúcio Nogueira em seu livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado “na discussão da problemática do menor, existem certos ´demagogos´, que entendem não haver menor perigoso, mas sim vítima da sociedade. Que ele seja vítima da sociedade é uma verdade que não pode ser refutada, mas que não deixa de ser perigoso quem assalta, mata, estupra é também uma verdade incontestável, que não pode ser negada em face de nossa realidade”, e arremata, “não há condições de deixar em liberdade quem precisa ser segregado da sociedade, ainda que seja menor. Existe muita pieguice, demagogia ou falsos escrúpulos na abordagem do menor perigoso, que, segundo alguns, deve ser tratado com maior liberalidade possível, em face dos seus discutidos direitos humanos, quando a periculosidade é própria tanto do menor como do maior, devendo ambos ser recolhidos em defesa social”, ECA Comentado, 3ª ed., pág. 286, Editora Saraiva, 1996.
                                                Isto posto, aplico aos adolescentes L.S. e G.S. medida sócio-educativa de internação por prazo indeterminado, nos termos do art. 112, VI, c/c o art. 121, § 2º, ambos do ECA. As avaliações e relatórios deverão ser semestrais (art. 119, IV, c/c o art. 121, § 2º, todos do ECA). Vedadas atividades externas, exceto as pedagógicas e educacionais, com autorização prévia deste juízo. Determino, ainda, a medida protetiva de escolarização compulsória, com fulcro no art. 101, inc. III, ECA.
 
                                                Denego o direito dos infratores apelarem em liberdade. Eles passaram toda a instrução internados, por não fazerem jus em responder o feito soltos, liberar agora seria um contra-senso. Ademais, em liberdade demonstraram ser um perigo para a ordem pública, diante da tendência precoce para a prática de infração com forte carga de violência, contra a pessoa humana desprotegida e trabalhadora. Como é cediço, em sede da Justiça da Infância e da Juventude o recurso de apelação, caso interposto, de regra terá efeito apenas devolutivo, nos termos do art. 198, inc. VI, ECA, salvo decisão fundamentada do Magistrado em contrário. Assim, as determinações desta sentença deverão ser cumpridas incontinenti. Senão Vejamos:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ECA. Ato infracional – Violência contra a pessoa – Apelação – Efeitos.
I - A internação, nos termos do art. 122, I, da Lei nº 8.069/90, poderá ser aplicada quando o ato infracional é cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa. Prevê, ainda, o ECA, que a apelação contra a sentença que fixar referida medida será recebida apenas no efeito devolutivo, sendo, excepcionalmente, a juízo da autoridade judiciária, conferido efeito suspensivo quando houver possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação.
II - In casu, o alegado risco de dano irreparável ou de difícil reparação é o inerente a toda apelação, ou seja, possibilidade de provimento. Tal periculum não quis o legislador evitar, caso contrário a regra seria o duplo efeito da apelação. Recurso desprovido”. (STJ - RHC 9048/SP; (1999/0080721-9); DJ 08/11/1999, pág. 81, Rel. Min. Félix Fischer, julg. 19/10/1999; 5ª Turma, RT 774/539).
Outra:
“A teor do disposto no art. 198, VI, do ECA, o recurso de apelação tem, em regra, apenas efeito devolutivo, sendo, excepcionalmente, conferido efeito suspensivo, a juízo da autoridade judiciária. In casu, o magistrado negou o direito de apelar em liberdade com fundamento na garantia da ordem pública, acrescendo tratar-se de adolescente que esteve recolhida cautelarmente durante o curso do procedimento”. (STJ - HC 12884/SP Habeas Corpus (2000/0034561-0), DJ 07/08/2000,pág. 124, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, julg. 06/06/2000, 5ª Turma).
Intimem-se na forma do art. 190, ECA.
Expeçam-se mandados de busca e apreensão. Capturados, encaminhe-os ao CEA e lavrem-se guias de internação em triplicata.
Após o trânsito em julgado, anotem-se no rol dos culpados e remeta-se a arma de fogo, caso existente, à douta Corregedoria da Justiça, nos termos da Resolução 01/93, do Conselho da Magistratura, juntando-se recibo nos autos.
 
Custas pelo Estado.
 
PRI.
 
João Pessoa (PB), 30 de fevereiro 2001.
 
WOLFRAM DA CUNHA RAMOS
Juiz de Direito

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