PROCESSO:
018980009742 GUARABIRA-PB
AÇÃO PENAL
PÚBLICA INCONDICIONADA
PROMOTOR:
MARINHO MENDES MACHADO
INFRAÇÃO DE
TRÂNSITO - LESÃO CORPORAL - EMENDATIO LIBELLI PARA OMISSÃO DE
SOCORRO E DIREÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL -
ABSOLVIÇÃO.
Absolve-se o acusado da lesão corporal
leve quando caracterizada a culpa exclusiva da
vítima.
Na omissão de socorro, provado que a
vítima foi socorrida por terceiro, com ajuda do acusado, não se
vislumbra o delito.
Com a promulgação do Código Nacional de
Trânsito os delitos passaram a ser de perigo concreto, exigindo-se a
real comprovação de potencial dano à segurança
viária.
Se o acusado dirigia normalmente a
motocicleta, sem gerar real perigo de dano à segurança viária,
subexiste somente a infração administrativa e neste caso
absolve-se.
Vistos etc.
O
Representante do Ministério Público em exercício junto
a esta 1a Vara da Comarca de Guarabira, ofereceu denúncia contra
ARNALDO JOSÉ DE SOUZA ,
brasileiro, casado, motorista, natural desta cidade, com 30 anos de
idade, filho de José Pedro de Souza e Analice dos Santos Souza, cuja
conduta incursionou na subsunção do art. 303 da Lei
9503/97.
Aduz
o ilustre representante do Parquet, na denúncia de fls. 02/04, com
base em procedimento administrativo investigatório, que o Acusado
acima mencionado, em 31.05.1998, por volta das 9:00 horas, nas
imediações da Rua Amaro Guedes, Bairro Nordeste II, nesta cidade,
acometido de imprudência, imperícia e negligência, estava guiando
sem habilitação legal a moto Honda de placa MNW 4590/PB, de
propriedade de um terceiro, momento em que atropelou JEFFERSON
ANDERSON BEZERRA DE PONTES, de 03 anos de idade, causando-lhes
lesões Corporais leves descritas no laudo de exame de corpo de
delito de fl. 14, sem que houvesse prestado socorro à vítima,
evadindo-se do local.
A denúncia foi recebida em
27.07.1998.
O acusado foi preso em flagrante,
consoante o auto de prisão de fls. 06/08, e solto mediante fiança,
conforme documento de fl. 13.
No relatório da autoridade policial de
fl. 21, a mesma narra que o acusado não possuia habilitação para
dirigir motocicleta.
O interrogatório foi designado para o
dia 30.07.98, termo de fl. 30, onde o acusado defendendo-se das
imputações da denúncia alegou que no momento do acontecido tinha ido
comprar pão e não havia ingerido bebidas alcoólicas; que viu a
criança...; e que a mesma soltou-se da mão da sua mãe e correu em
direção ao mesmo.
A defesa prévia de fl. 31, foi
tempestivamente aforada pelo defensor do
acusado.
As testemunhas da denúncia foram
ouvidas às fls. 54/55 e 56 e nas fls. 65 e 66 as defesa
também.
O
Ministério Público apresentou alegações finais
de fls.69 a 71, no sentido de absolvição do acusado pelos
crime narrado na peça inicial, tendo em vista que o acriminado não
concorreu de qualquer forma para a prática do delito, eis que não
estava dirigindo com imprudência, Imperícia ou negligência.
Destarte, requereu o enquadramento da conduta do mesmo nos delitos descrito
pelo art. 304 e 309, da lei 9503/98, em forma de emendatio libelli.
O acusado apresentou alegações finais
de fls. 76/78, requerendo a absolvição, em face já haver decaído o
direito de representação em razão ao crime de lesões corporais, bem
como pela ilegitimidade do Parquet por falta de condição de
procedibilidade.
É o relatório.
Decido.
A materialidade do delito capitulado no
art. 303 da Lei 9503/98 encontra-se satisfeita através do laudo de
exame de corpo de delito inserido na fl. 18 dos
autos.
A autoria também está devidamente
comprovada através de declarações do próprio acusado no momento do
seu interrogatório de fls. 30 e 31, via do qual o mesmo esclarece
que encontrava-se em sua residência, que estava indo comprar o pão;
e que não havia ingerido bebidas alcoólicas; que quando estava no
bairro Nordeste percebeu que caminhava uma senhora com uma criança,
e que a mesma largou da mão da sua mãe; que chegou a bater na mão da
vítima; que no momento em que ocorreu o fato, pouco adiante quando
estava conduzindo sua moto, viu que o menor estava sendo socorrido;
que custeou as despesas da vítima; que não esta habilitado, mas
estava encaminhados os documentos para
habilitação.
Destarte para a caracterização do
delito de lesão corporal culposa, requer a comprovação de que o
agente não quer o resultado mas assume o risco de produzi-lo por
imprudência, negligência ou imperícia.
Da leitura dos depoimentos da
testemunhas, ressalto as declarações de Antônio Domingues dos
Santos, que disse:.
"presenciou o fato narrado na denúncia;
que o menor estava numa garagem junto com o seu tio que estava
trabalhando e uma das portas abertas tomou a visão do acusado e este
que vinha de moto em uma velocidade normal e a criança ao sair
correndo foi atropelada".
E, ainda, citando parte do depoimento
da declarante, mãe da vítima, Adriana Bezerra de Pontes, a mesma
reconheceu que:.
"que o menor no momento do acidente
estava na garagem com o tio, em frente à sua casa; que o
atropelamento ocorreu no momento em que o menor ia saindo da
calçada; que segundo informou o seu cunhado, tio da vítima, a moto
não vinha em alta velocidade, vindo numa velocidade
normal...";
Os testemunhos acima são suficientes
para inocentar o acriminado quanto ao delito de lesão corporal
culposa, com nova roupagem trazida pelo Código de Trânsito Nacional,
inclusive por se vislumbrar no caso a culpa exclusiva da vítima, não
se tratando de caso de compensação de culpa, o que não é permitido
em nossa legislação brasileira, mas ocorrência de culpa exclusiva da
vítima que correu em direção ao acusado, causando o acidente,
havendo causa de exclusão da culpa.
Outrossim,
como pretende o ilustre representante do Parquet, não será
possível, mediante emendatio libelli, caracterizar o delito
descrito no art. 304 da Lei 9503/98, já que o mesmo, tratando-se de
omissão de socorro, exige o agente não preste o auxílio ou que
ninguém pelo mesmo o faça, o que não foi o caso em tela, de vez que
a vítima foi socorrida por terceiro com ajuda do acrimidado,
eximindo a culpa do mesmo, segundo entende o mestre FERNANDO CAPEZ,
in ASPECTOS CRIMINAIS DO CÓDIGO DE TRANSITO BRASILEIRO, 2a Ed.,
Saraiva, São Paulo, 1999, p. 38:.
"a)Socorro por terceiro – o
condutor somente responderá pelo crime no caso de ser a vítima
socorrida por terceiros, quando esta prestação de socorro não chegou
ao conhecimento dele, porque já havia se evadido do local. Assim,
se, após o acidente, o condutor se afasta do local e, na seqüência,
a vítima é socorrida por terceiros, existe o crime. É evidente,
entretanto, que se terceira pessoa se adiante ao condutor e presta o
socorro. Não se pode exigir que o condutor chame para si a
responsabilidade pelo socorro, quando terceiro já o fez (muitas
vezes em condições mais apropriadas)" (grifei).
No depoimento da testemunha Silva da
Silva Guedes, a mesma alega que foi o acusado quem chamou o táxi
para socorrer o menor, conforme depoimento de fl.
54.
A dicção dos nossos tribunais assim
expõe: .
OMISSÃO DE
SOCORRO - IMPUTAÇÃO A MOTORISTA QUE ATROPELA E FERE TRANSEUNTE,
EVADINDO-SE DO LOCAL - AUSÊNCIA DE CULPA, CONTUDO, NO ACIDENTE
DE TRÂNSITO, PELO QUAL SEQUER FOI DENUNCIADO - SOCORRO PRESTADO
ÀQUELE POR TERCEIROS - DELITO, PORTANTO, NÃO CONFIGURADO -
ABSOLVIÇÃO - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 135 DO CP E 386, III, DO
CPP.
- Inexistindo conduta culposa do
motorista, não configura o crime do art. 135 do CP sua fuga do
local, sem prestar socorro à vítima que atropelou. (Red.) (TACrimSP
- Ap. 216.381 - Capital - 3ª C. - Rel. Juiz Geraldo Gomes -
v.u. J. 30.12.80) (RT 554/378).
Por
fim, cumpre analisar o delito insculpido no art. 309 da Lei 9503/98, ainda
em face da emendatio libelli, no que dia respeito a
conduta de dirigir veículo em via pública sem a devida permissão ou
habilitação legal, gerando perigo de dano.
É consabido que com a promulgação do
novo Código de Trânsito Nacional os delitos deixaram de ser de
perigo abstrato, ou seja, aqueles classificados como crimes de
perigo, segundo lição de DAMÁSIO EVANGELISTA DE JESUS, in Direito
Penal, 1º Vol., Parte Geral, 22ª Ed., Saraiva, São Paulo, 1999, p.
189: .
"É o considerado pela lei em face de
determinado comportamento positivo ou negativo. É a lei que o
presume juris et de jure. Não precisa de ser provado. Resulta da
própria ação ou omissão".
A caracterização de que o novo CTN
acatou a tese do crime de perigo concreto está na parte final do
art. 309, ao exigir a geração do dano, que tem de ser concreto,
efetivo, pois, caso contrário, a simples subsunção da conduta ao
modelo legal pode ser vista como infração administrativa, que
acomoda a espécie de perigo abstrato.
O eminente magistrado aposentado LUIZ
FLÁVIO GOMES, ao dissertar sobre o art. 309 do CTN, traçou o
seguinte paradoxo:
"Dirigir veículo em vias pública sem a
devida permissão ou habilitação é conduta perigosa, mas configura
tão-somente uma infração administrativa (art. 162). Para a
caracterização do delito é preciso um plus: é preciso "gerar perigo
de dano". (in Estudos de Direito Penal e processo Penal, RT, 1a Ed.,
São Paulo, 1999, p. 56).
Exige-se, no caso, a criação de um
perigo concreto, ou por exemplo estar o acusado dirigindo em
zigue-zague, fora da faixa, com velocidade excessiva, de forma a
causar algum perigo à segurança viária, segundo lição de LUIZ FlÁVIO
GOMES, Op. Cit. p. 35 e 36:
"Exemplificando: dirigir embriagado é
uma conduta, em geral (abstratamente perigosa). Ninguém põe negar.
Mas no processo penal agora, para além de se provar que o sujeito
dirigia o veículo embriagado (sob influência do álcool ou substância
de efeito análoga), impõe-se demonstrar que sua conduta anormal
(dirigir em zigue-zague, fora da faixa, velocidade abusiva etc.,)
concretamente perturbadora da segurança do tráfego, alcançou
idoneidade para afetar bens alheios (de outrem, leia-se de pessoas
indeterminadas)".
"Considerando-se que o conceito de
perigo é sempre relacional, isto é, o perigo sempre se refere a algo
ou a alguém (perigo para o quê? Perigo para quem?), há necessidade,
sempre, de se comprovar o requisito típico "dano potencial à
incolumidade de outrem"(que é o desvalor do resultado). A conduta
tem que se caracterizar, em síntese, pela capacidade do dano em
potencial- efetivo, real, concreto à incolumidade de terceiras
pessoas".
E perscrutando os autos, analisando os
depoimentos das testemunhas, à unanimidade, denota-se que o acusado
estava dirigindo normalmente, mesmo que sem a devida habilitação
legal, o que guarnece a infração administrativa descrita no art. 162
do CTN e não o delito descrito no art. 309 da mesma
legislação.
Quanto as alegações do advogado do
acusado, de decadência do prazo para ingressar com a ação, bem como
da ausência de condição de procedibilidade da representação, já que
a ação era pública condicionada, a jurisprudência nacional reconhece
que a representação da vítima ou de seus familiares, na fase
policial supre a necessidade de representação na fase judicial,
prejudicando assim a pretensão do acusado.
DISPOSITIVO:
Isto
posto, e do mais de dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE a
denúncia de fls. 02/04, para ABSOLVER, como de fato absolvo o acusado,
ARNALDO JOSÉ DE SOUZA (Gila),
dos delitos capitulados nos arts. 303, 304 e 309 da Lei 9503/98, com
fundamento no art. 386, III e V do CPP.
Sem custas.
P.R.I.C.
Guarabira-pb, 08 de dezembro de
1999.
ADRIANA BARRETO LOSSIO DE
SOUZA
Juíza de Direito |