HABEAS CORPUS N. 76.689-0 (104)
PROCED. : PARAÍBA
RELATOR : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
PACTE. : W. F. R.
PACTE. : L. A. L. F.
IMPTES. : ANTONIO CARLOS MONTEIRO E OUTRO
COATOR : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO
DA PARAÍBA
DESPACHO: Defiro a suspensão liminar
da execução da sentença até o julgamento deste
habeas-corpus.
Com as informações, requisitem-se os autos originais.
Brasília, 11 de fevereiro de 1998.
Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE - Relator
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR
a teor do art. 5º, LXVIII, e 105, I, "c", da Constituição Federal, e dos arts. 647 e 648, I e VI do Códex Processo Penal, em favor dos menores W. F. R. e L. A. L. F., brasileiros, solteiros, residentes e domiciliados na cidade de Campina Grande/PB, devidamente representados pelos seus genitores, tendo como autoridade coatora o Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, presentemente sofrendo constrangimento ilegal nos autos do Processo nº 276/96, em tramitação na Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Campina Grande/PB, instaurado SEM JUSTA CAUSA e, data maxima venia, eivado de nulidades absolutas que, associadas à causa primeira, justificam o presente "writ", conforme adiante restará sobeja e cristalinamente demonstrado. (doc. 01)
01. O S F A T O S
Enfoque-se, em resumo, que o representante do parquet estadual, representou contra os pacientes, acusando-os de terem feito "inclusão de imagens de crianças e adolescentes na rede BBS, completamente nus, com práticas sexuais diversas, verdadeira exploração de menor em ambos os sexos..."
Tais imagens, segundo o custos legis, teriam sido publicadas pelos suplicantes, através da BBS e captadas por um denunciante, que a representação sequer se dignou a identificá-lo.
Como prova material, fez anexar à exordial, um disquete contendo as pseudas imagens e algumas fotos caricaturadas para, em seguida, ajustar a conduta dos adolescentes no tipo previsto no artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente. (Doc. 02 - xerox da representação)
Ao término da instrução, o douto e honrado Magistrado, acatando a tese do ilustre promotor e desprezando as provas produzidas pela defesa, quer seja testemunhal e de direito, julgou procedente aquela representação, impondo aos pacientes "medida sócio-educativa, enquadrando-os no Art. 112, III da Lei 8.069/90, culminando na prestação de serviços à comunidade pelo prazo de três meses, durante oito horas semanais em dia e ser escolhido de comum acordo pelos adolescentes e pela Curadoria da Infância e da Juventude etc" ,embora tenha reconhecido naquele decisum que:
Mantida a decisão do Juízo a quo, baixaram-se os autos à Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Campina Grande/PB, para o cumprimento da medida sócio-educativa imposta no decisum suso questionado, cuja audiência para o início dessa determinação judicial, encontra-se marcada para às 16:00 horas do dia 19 de fevereiro de 1998, conforme faz prova o Mandado de Intimação, incluso. ( doc. 07)
02. O DIREITO E SEUS FUNDAMENTOS
2.1. DA FALTA DE JUSTA CAUSA
Diz a doutrina, e dela não se afasta os nosso areópagos, que a ação humana, para ser criminosa, há de corresponder objetivamente à conduta descrita na lei, contrariando a ordem jurídica e incorrendo seu autor no juízo de censura ou reprovação social. Considera-se, então, o delito como a ação típica, antijuridica e culpável. Ele não existe sem uma ação (compreendendo também a omissão), a qual se deve ajustar à figura descrita na lei, opor-se ao direito e ser atribuível ao indivíduo a título de culpa lato sensu (dolo ou culpa). Lição que se extrai do renomado jurista Magalhães Noronha, em seu compêndio intitulado Direito Penal, volume l, Ed. Saraiva.)
In casu, a conduta que se atribui aos pacientes, ínsita na decisão de meritum, que ora se rebate e que o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba acatou in totum, ao denegar o recurso de apelação criminal número 97.001558-0 é, estreme de dúvidas, atípica na sua essência jurídico-penal. (docs. 04 e 05)
O artigo 241, do Estatuto da Criança e do Adolescentes, dispositivo que teria sido violado pelos pacientes, acha-se embutido no Capítulo I, que trata DOS CRIMES, e que assim verbera:
Esse fato, à luz artigo 225, do Estatuto em foco, reveste-se de absoluta atipicidade, senão vejamos, in verbis:
Da norma em testilha, pode-se
então concluir, que o sujeito ativo dos crimes ali previstos, só
pode ser atribuído ao maior de dezoito anos de idade, sendo inaplicável
às crianças e aos adolescentes, de vez que a lei substantiva
penal inadmite sanções arrimadas em presunções
ou em fatos analógicos, como soía acontecer.
2.2. DA ANTERIORIDADE DA LEI
Ademais, aos fatos trazidos à colação, há que se ater ao dispositivo desenhado no artigo 226, do Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis:
Não constituindo o fato crime,
tampouco pode-se falar em ato infracional, como se pretende emprestar ao
caso sub judice, impingindo a dois menores de 15 nos de idade, uma
sanção alternativa sem o devido respaldo legal. Situação
fática ilegal, quiçá hilariante.
2.3. DA NULIDADE ABSOLUTA
Vê-se a olho desarmado, quando da representação da lavra do insigne representante do parquet, (doc.02), que ali foram acostados um disquete e algumas fotos caricaturadas, que teriam sido divulgadas via BBS/Internet, pelos pacientes, segundo o ilustrado custos legis, cuja documentação constituiriam a prova material do delito.
Ocorre, todavia, que aludidas peças constantes dos autos, e que serviram de supedâneo à aplicação da pena sócio-educativa, sequer foram periciadas, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, dominante sobre o assunto em pauta.
Assim, prevendo o art. 226 do Estatuto menoril, que ao processo especial, aplicam-se as regras da Lei adjetiva penal, aquela exordial teria que ser julgada improcedente, justamente pela ausência da prova material, ou seja, por inexistir o competente exame de corpo de delito.
Outrossim, tratando-se de infrações que deixam vestígios e estando estes encartados nos autos e que serviram de mola propulsora para a representação, o exame de corpo de delito não poderia ser prescindido, conforme se embute no art. 158 do CPP, verbis:
Na hipótese do alusivo
processo, tal não aconteceu. Falha técnica que enseja nulidade
prevista no art. 564, III, "b", do instituto processual penal, que assim
verbera:
I................................................................
II...............................................................
III. por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:
b) o exame de corpo de delito nos crimes que
deixam vestígios, ressalvado o disposto no art. 167."
Ad argumentandum, o pseudo crime vislumbrado pelo parquet e por razões ilógicas, confirmado pelo douto Magistrado em sua sentença de mérito, devidamente confirmada pelo Juízo ad quem, simplesmente não existe, quer seja pelos motivos retro-enfocados, assim como por inexistir em nosso ordenamento jurídico, qualquer previsão legal desse jaez, que coíba a inclusão de cenas pornográficas na rede BBS/Internet.
Tanto é verdade, que a Constituição brasileira, e a Lei substantiva penal, consagram o princípio da reserva legal, consubstanciado na parêmia latina: nullum crimem,, nulla poena sine preavia lege.
Culmine-se por afirmar, que:
Esse foi o mesmo entendimento do Procurador de Justiça, quando da apreciação e julgamento do recurso da apelação pelo Tribunal de Justiça da Paraíba, que assim se expressou, em seu arrazoado, in verbis:
Finalmente, há que se trazer à colação, segundo entendimento de inúmeros estudiosos da matéria, assim da jurisprudência dominante, que o único recurso cabível à hipótese em testilha é, estreme de dúvidas, o remédio heróico que ora se impetra - Habeas Corpus, justamente para desconsiderar o decisum acima reportado, confirmado em segunda instância, vez que o Recurso Especial, igualmente questionado, não possui efeito suspensivo.
A propósito, assevera o mestre Magalhães Noronha, em seu livro intitulado Curso de Direito Processual Penal, Ed. Saraiva, pág. 338, in verbis:
Ante o retro-sumulado, requerem os impetrantes em prol do pacientes:
a) que seja concedida a medida liminar, determinando o sobrestamento do cumprimento da medida sócio-educativa, imposta aos pacientes, pelo Juízo da Infância e da Juventude da Comarca de Campina Grande/PB, acatada pelo Tribunal de Justiça da Paraíba, cuja audiência para o início da reprimenda, encontra-se agendada para às 16:00 horas do dia 19.02.98, conforme faz prova a intimação em anexo. (doc.07), fazendo-se cessar o constrangimento ilegal impingido aos suplicante e, logicamente, preservando-se a eficácia da decisão final do Writ, pois presentes embutem-se os pressupostos do pedido, quais sejam: fumus boni juris e periculum in mora.
b) que sejam notificados o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, na pessoa do seu Presidente, assim como o Excelentíssimo Doutor Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Campina Grande/PB, para prestar as informações que se fizerem necessárias.
c) que seja, finalmente, concedido o habeas corpus em favor dos menores L. A. L. F. E W. F. R., para, rejeitar a representação, trancar o processo, determinando o seu arquivamento, face a inexistência de qualquer delito a punir, por faltar a JUSTA CAUSA e pela flagrante nulidade do feito, como soía acontecer, ex abudantia esclarecido.
Termos em que,
P. Deferimento,
Brasília, 12 Fevereiro 1998
Antonio Carlos Monteiro - Advogado
Francisco Martins de Oliveira - Advogado