Editor: Wolfram da Cunha Ramos  
Suspensa pelo Pretório Excelso, através de liminar, a execução da pena de menores que "incluíram" imagens obscenas via BBS/Internet em Campina Grande-PB. Leia a decisão do Ministro Relator e o "writ" impetrado. A publicação foi devidamente autorizada pelo Dr. Antonio Carlos Monteiro advogado do paciente.



Obs. Publicado no Diário da Justiça de 18-02-98

HABEAS CORPUS N. 76.689-0 (104)
PROCED. : PARAÍBA
RELATOR : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
PACTE. : W. F. R.
PACTE. : L. A. L. F.
IMPTES. : ANTONIO CARLOS MONTEIRO E OUTRO
COATOR : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA

DESPACHO: Defiro a suspensão liminar da execução da sentença até o julgamento deste
habeas-corpus.

Com as informações, requisitem-se os autos originais.

Brasília, 11 de fevereiro de 1998.

                              Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE - Relator
 


EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 
 
 

  Há que se conceder a liminar requerida, quando presentes os seus pressuposto, quais sejam o "periculum in mora e o fumus bonis juris", mormente quando os pacientes já foram intimados para a audiência, a fim de dar cumprimento a reprimenda imposta pelo Juiz sentenciante.  
 
"In meritum", há que se conceder a ordem pleiteada, quando restar cristalinamente comprovado no ventre do "writ", a falta de justa causa para o prosseguimento do feito que se rebate, assim como lei definidora do delito, determinando-se o seu trancamento, ainda mais quando nele se vislumbra flagrante nulidade absoluta, deixando-se de proceder ao competente exame de corpo de delito direto, quando os vestígios ali se encontram em abundância, de forma a caracterizar a materialidade da infração que se pretende apurar. Ex vi Constituição Federal, Código de Processo Penal, doutrina e jurisprudência.  
    Antonio Carlos Monteiro e Francisco Martins de Oliveira, brasileiros, advogados, inscritos na OAB/PB, sob os números 3874 e 9515, respectivamente, com escritório na Avenida Guedes Pereira, nº 55, sala 206, João Pessoa/PB e Av. Epitácio Pessoa, 1251, sala 1105 - Edifício Centro Empresarial Epitácio Pessoa/JPA/PB vêm, respeitosamente, perante essa Egrégia Corte Justiça, impetrar ordem de

 

HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR

 

a teor do art. 5º, LXVIII, e 105, I, "c", da Constituição Federal, e dos arts. 647 e 648, I e VI do Códex Processo Penal, em favor dos menores W. F. R. e L. A. L. F., brasileiros, solteiros, residentes e domiciliados na cidade de Campina Grande/PB, devidamente representados pelos seus genitores, tendo como autoridade coatora o Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, presentemente sofrendo constrangimento ilegal nos autos do Processo nº 276/96, em tramitação na Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Campina Grande/PB, instaurado SEM JUSTA CAUSA e, data maxima venia, eivado de nulidades absolutas que, associadas à causa primeira, justificam o presente "writ", conforme adiante restará sobeja e cristalinamente demonstrado. (doc. 01)

 

01. O S F A T O S

 

    Enfoque-se, em resumo, que o representante do parquet estadual, representou contra os pacientes, acusando-os de terem feito "inclusão de imagens de crianças e adolescentes na rede BBS, completamente nus, com práticas sexuais diversas, verdadeira exploração de menor em ambos os sexos..."

    Tais imagens, segundo o custos legis, teriam sido publicadas pelos suplicantes, através da BBS e captadas por um denunciante, que a representação sequer se dignou a identificá-lo.

    Como prova material, fez anexar à exordial, um disquete contendo as pseudas imagens e algumas fotos caricaturadas para, em seguida, ajustar a conduta dos adolescentes no tipo previsto no artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente. (Doc. 02 - xerox da representação)

    Ao término da instrução, o douto e honrado Magistrado, acatando a tese do ilustre promotor e desprezando as provas produzidas pela defesa, quer seja testemunhal e de direito, julgou procedente aquela representação, impondo aos pacientes "medida sócio-educativa, enquadrando-os no Art. 112, III da Lei 8.069/90, culminando na prestação de serviços à comunidade pelo prazo de três meses, durante oito horas semanais em dia e ser escolhido de comum acordo pelos adolescentes e pela Curadoria da Infância e da Juventude etc" ,embora tenha reconhecido naquele decisum que:

"É certo, que possivelmente as imagens não foram de produção dos dois jovens, entretanto possivelmente a eles enviadas e foram eles que permitiram a sua veiculação." (doc. 03 - xerox da sentença)

 

    Dessa decisão, apelaram os pacientes para o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba/PB, cujo apelo não mereceu acolhida e, tampouco, o Recurso Especial interposto tempestivamente, ensejando Agravo para o Superior Tribunal de Justiça. (docs. 04, 05 e 06 - xerox apelação, acórdão e recurso especial respectivamente)

  Mantida a decisão do Juízo a quo, baixaram-se os autos à Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Campina Grande/PB, para o cumprimento da medida sócio-educativa imposta no decisum suso questionado, cuja audiência para o início dessa determinação judicial, encontra-se marcada para às 16:00 horas do dia 19 de fevereiro de 1998, conforme faz prova o Mandado de Intimação, incluso. ( doc. 07)

 02. O DIREITO E SEUS FUNDAMENTOS

 2.1. DA FALTA DE JUSTA CAUSA

  Diz a doutrina, e dela não se afasta os nosso areópagos, que a ação humana, para ser criminosa, há de corresponder objetivamente à conduta descrita na lei, contrariando a ordem jurídica e incorrendo seu autor no juízo de censura ou reprovação social. Considera-se, então, o delito como a ação típica, antijuridica e culpável. Ele não existe sem uma ação (compreendendo também a omissão), a qual se deve ajustar à figura descrita na lei, opor-se ao direito e ser atribuível ao indivíduo a título de culpa lato sensu (dolo ou culpa). Lição que se extrai do renomado jurista Magalhães Noronha, em seu compêndio intitulado Direito Penal, volume l, Ed. Saraiva.)

    In casu, a conduta que se atribui aos pacientes, ínsita na decisão de meritum, que ora se rebate e que o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba acatou in totum, ao denegar o recurso de apelação criminal número 97.001558-0 é, estreme de dúvidas, atípica na sua essência jurídico-penal. (docs. 04 e 05)

    O artigo 241, do Estatuto da Criança e do Adolescentes, dispositivo que teria sido violado pelos pacientes, acha-se embutido no Capítulo I, que trata DOS CRIMES, e que assim verbera:

"FOTOGRAFRAR OU PUBLICAR CENA DE SEXO EXPLÍCITO OU PORNOGRÁFICA ENVOLVENDO CRIANÇA OU ADOLESCENTE."     Segundo a representação, os suplicantes "incluíram" imagens obscenas na rede BBS (sistema Internet), inclusão que, sob a ótica ministerial, se equipara a publicação.

    Esse fato, à luz artigo 225, do Estatuto em foco, reveste-se de absoluta atipicidade, senão vejamos, in verbis:

"ESTE CAPÍTULO DISPÕE SOBRE CRIMES PRATICADOS CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE,POR AÇÃO OU OMISSÃO, SEM PREJUÍZO DO DISPOSTO NA LEGISLAÇÃO PENAL"     Vê-se, insofismavelmente, que o preceito em tela ao se referir "sem prejuízo do disposto na legislação penal", cuida de fatos praticados por adultos, porquanto é comezinho afirmar aqui, alhures e na China, que segundo a nossa legislação penal, crianças e adolescentes não cometem crimes, mas tão-somente atos infracionais.

    Da norma em testilha, pode-se então concluir, que o sujeito ativo dos crimes ali previstos, só pode ser atribuído ao maior de dezoito anos de idade, sendo inaplicável às crianças e aos adolescentes, de vez que a lei substantiva penal inadmite sanções arrimadas em presunções ou em fatos analógicos, como soía acontecer.
 

2.2. DA ANTERIORIDADE DA LEI
 

    Ademais, aos fatos trazidos à colação, há que se ater ao dispositivo desenhado no artigo 226, do Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis:

"aplicam-se aos crimes definidos nesta lei as normas da parte geral do código penal e, quanto ao processo, as pertinentes ao código de processo penal"     Destarte, pelo enunciativo suso, conclui-se que os atos infracionais, por se alinharem aos crimes tipificados no Código Penal, estão, induvidosamente, sujeitos ao princípio da anterioridade da lei, vislumbrado no artigo 1º do referido Códex, que vigora no Brasil desde 1.940, funcionando em perfeita harmonia com a Lei Magna, que assim estabelece em seu art. 5º, inciso XXXIX: "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal."     Em verdade, significa dizer, que a nossa legislação penal, não contempla essa modalidade de crime para que se possa ser transplantada para o estatuto menorista, qual seja de publicar "através da rede BBS ou de qualquer meio de comunicação cibernética", imagens obscenas de crianças e adolescentes.

  Não constituindo o fato crime, tampouco pode-se falar em ato infracional, como se pretende emprestar ao caso sub judice, impingindo a dois menores de 15 nos de idade, uma sanção alternativa sem o devido respaldo legal. Situação fática ilegal, quiçá hilariante.
 

2.3. DA NULIDADE ABSOLUTA
 

    Vê-se a olho desarmado, quando da representação da lavra do insigne representante do parquet, (doc.02), que ali foram acostados um disquete e algumas fotos caricaturadas, que teriam sido divulgadas via BBS/Internet, pelos pacientes, segundo o ilustrado custos legis, cuja documentação constituiriam a prova material do delito.

    Ocorre, todavia, que aludidas peças constantes dos autos, e que serviram de supedâneo à aplicação da pena sócio-educativa, sequer foram periciadas, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, dominante sobre o assunto em pauta.

    Assim, prevendo o art. 226 do Estatuto menoril, que ao processo especial, aplicam-se as regras da Lei adjetiva penal, aquela exordial teria que ser julgada improcedente, justamente pela ausência da prova material, ou seja, por inexistir o competente exame de corpo de delito.

    Outrossim, tratando-se de infrações que deixam vestígios e estando estes encartados nos autos e que serviram de mola propulsora para a representação, o exame de corpo de delito não poderia ser prescindido, conforme se embute no art. 158 do CPP, verbis:

"quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado."     Nesse caso, faltante o exame, enseja-se a ocorrência de nulidade. Sendo possível o exame de corpo de delito direto, como soía acontecer no âmago dos autos, não pode supri-lo o indireto (feito, por exemplo, através de prova testemunha).

    Na hipótese do alusivo processo, tal não aconteceu. Falha técnica que enseja nulidade prevista no art. 564, III, "b", do instituto processual penal, que assim verbera:
 

"A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

I................................................................

II...............................................................

III. por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:

b) o exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o disposto no art. 167."
 

    Nesse mesmo norte e por construção jurisprudencial inequívoca, assim vem decidindo os nossos tribunais, senão vejamos, in verbis: "Sendo perfeitamente possível e viável o exame de corpo de delito, ausente na espécie, embora se trate de delito que deixa vestígios, não pode o magistrado pronunciar o non liguet. Cabe-lhe ordenar, de ofício, sua realização, nos termos dos arts. 156 e 502 do CPP, sob pena de nulidade da sentença, ex vi do art. 564, III "b" do mencionado estatuto." ( RT 545/348). No mesmo sentido, STF: RT 672/388).     Portanto, estando previsto no artigo 266 do ECA, que ao menor infrator, impõe-se as regras insculpidas no Código de Processo Penal, não poderia o douto prolator da sentença que se rechaça, trafegar na contramão do direito, doutrina e jurisprudência, mormente quanto a perícia que se fazia obrigatória, para se determinar a materialidade da infração que, injustamente impingiu-se aos pacientes, culminando-se por afirmar que, em assim sendo, não há crime a punir.

    Ad argumentandum, o pseudo crime vislumbrado pelo parquet e por razões ilógicas, confirmado pelo douto Magistrado em sua sentença de mérito, devidamente confirmada pelo Juízo ad quem, simplesmente não existe, quer seja pelos motivos retro-enfocados, assim como por inexistir em nosso ordenamento jurídico, qualquer previsão legal desse jaez, que coíba a inclusão de cenas pornográficas na rede BBS/Internet.

    Tanto é verdade, que a Constituição brasileira, e a Lei substantiva penal, consagram o princípio da reserva legal, consubstanciado na parêmia latina: nullum crimem,, nulla poena sine preavia lege.

    Culmine-se por afirmar, que:

"fora dos termos formais da lei inexiste crime, pois não se pode concluir, por indução, pela existência de alguma figura penal, sem que a lei defina expressamente."(Ac.Un.Do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, ao julgar a apelação nº 403.701, in Julgados 87/244, citado por Celso Delmanto no seu célebre Código Penal Comentado, Ed. Renovar, 2ª edição, pág.5l)     Portanto, antolha-se-nos em afirmar, que em nenhuma lei, tampouco em nenhum dispositivo, enquadra-se a conduta dos pacientes, isto porque o Estado, para concretizar sua pretensão punitiva, deve obediência ao princípio da reserva legal, justamente para evitar o arbítrio de determinadas decisões contrários ao direito do cidadão, data maxima venia.

    Esse foi o mesmo entendimento do Procurador de Justiça, quando da apreciação e julgamento do recurso da apelação pelo Tribunal de Justiça da Paraíba, que assim se expressou, em seu arrazoado, in verbis:

"...Por outro lado, desconhecemos ter no País, legislação específica para os chamados "crimes de informática, não se prestando um Código dos anos 40, até porque diz respeito aos imputáveis."(doc.08)     Até mesmo nos Estado Unidos da América, berço da democracia mundial, quando se tentou punir divulgações via internet, nesse particular, foi considerada inconstitucional. Senão vejamos: Nos Estados Unidos está sendo votado pelo Congresso um Comunictio Decency Act desde fevereiro de l995, com penas de até cinco anos de cadeia e multa de até 250 mil dólares (em casos de Felony). Mas essa legislação, não obstante em vigor a doutrina das "Unprotected Speachs" firmada em l982 pela Suprema Corte no caso Feber X New York - já foi antecipadamente declarada inconstitucional por Juiz Federal desde 12 de julho deste ano. Não havendo por lá nenhuma legislação aplicável a internet... É evidente que, cedo ou tarde, algum tipo de disciplina internacional virá, enquanto no presente só temos o paradoxo de falar em internet como um indicativo de modernidade," ( artigo escrito pelo jurista Pernambucano José Paulo Cavalcanti Filho, publicado no Jornal do Comércio, edição de 8 de novembro de l996).
 
03. CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Finalmente, há que se trazer à colação, segundo entendimento de inúmeros estudiosos da matéria, assim da jurisprudência dominante, que o único recurso cabível à hipótese em testilha é, estreme de dúvidas, o remédio heróico que ora se impetra - Habeas Corpus, justamente para desconsiderar o decisum acima reportado, confirmado em segunda instância, vez que o Recurso Especial, igualmente questionado, não possui efeito suspensivo.

    A propósito, assevera o mestre Magalhães Noronha, em seu livro intitulado Curso de Direito Processual Penal, Ed. Saraiva, pág. 338, in verbis:

"As nulidades, não apontadas no art. 572, podem ser, a qualquer momento, alegadas. Não há preclusão para elas. Mesmo depois de transitada em julgado a sentença condenatória, o habeas corpus é remédio legal para decretar sua nulidade ou a do respectivo processo. " 04. O P E D I D O

  Ante o retro-sumulado, requerem os impetrantes em prol do pacientes:

 

    a) que seja concedida a medida liminar, determinando o sobrestamento do cumprimento da medida sócio-educativa, imposta aos pacientes, pelo Juízo da Infância e da Juventude da Comarca de Campina Grande/PB, acatada pelo Tribunal de Justiça da Paraíba, cuja audiência para o início da reprimenda, encontra-se agendada para às 16:00 horas do dia 19.02.98, conforme faz prova a intimação em anexo. (doc.07), fazendo-se cessar o constrangimento ilegal impingido aos suplicante e, logicamente, preservando-se a eficácia da decisão final do Writ, pois presentes embutem-se os pressupostos do pedido, quais sejam: fumus boni juris e periculum in mora.

b) que sejam notificados o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, na pessoa do seu Presidente, assim como o Excelentíssimo Doutor Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Campina Grande/PB, para prestar as informações que se fizerem necessárias.

c) que seja, finalmente, concedido o habeas corpus em favor dos menores L. A. L. F. E W. F. R., para, rejeitar a representação, trancar o processo, determinando o seu arquivamento, face a inexistência de qualquer delito a punir, por faltar a JUSTA CAUSA e pela flagrante nulidade do feito, como soía acontecer, ex abudantia esclarecido.

Termos em que,

P. Deferimento,

Brasília, 12 Fevereiro 1998

 
 

Antonio Carlos Monteiro - Advogado

Francisco Martins de Oliveira - Advogado


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