Editor: Wolfram da Cunha Ramos  
APELAÇÃO CRIMINAL N.º 94.0482/1 - Sousa
RELATOR : Des. Miguel Levino Ramos
APELANTES : Francisco Adriano Vieira e Edval Vieira da Costa (Adv. João Marques Estrela e Silva)
APELADA : A Justiça Pública
 
VISTOS, relatados e discutidos estes autos, acima identificados:
ACORDA a egrégia Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, à unanimidade, rejeitada a preliminar de não conhecimento, erigida pelo rep. do M. Público a quo, no mérito, dar provimento ao apelo para, desclassificada a hipótese de lesões graves para leves, extinguir-se a punibilidade aos agentes, absolvendo-os do crime de dano, dada à falta da prova da materialidade.
Na Comarca de Sousa, Edval Vieira da Costa e Francisco Adriano Vieira foram denunciados, o primeiro, como incurso no art. 129, § 1.º, I, CP, e o segundo, art. 129, § 1.º, I, c/c o 163, parágrafo único, III, do mesmo diploma. Teriam, na noite de 11 de agosto de 1991, produzido ferimentos graves em Jaime Celestino de Paulo. Ato contínuo, o último implicado danificou lâmpadas, placas e o portão do Colégio Estadual André Gadelha, do qual a vítima era vigilante. Finda a instrução, entendeu o magistrado configurados os delitos, em relação a ambos os acusados. Condenou, o primeiro, a dois (2) anos e seis (6) meses de reclusão, pela lesão corporal, e um (1) ano de detenção e trinta (30) dias-multa, pelo dano qualificado; o outro, a dois (2) anos e quatro (4) meses de reclusão, mais dez (10) meses de detenção, cumulada com 20 dias-multa. Irresignados, apelaram. Dizem ter agido em legítima defesa; não há prova da gravidade das lesões; não se configurou o crime de dano. Pedem, portanto, a absolvição; a desclassificação do tipo para o caput do art. 129, CP; e que se afaste a hipótese do art. 163, CP. Erigiu o rep. do "Parquet" inferior preliminar de não conhecimento da irresignação, visto que o advogado que a subscreveu não recebeu poderes para interpô-la. Chamada a opinar, fê-lo a douta Procuradoria de Justiça pelo acolhimento do apelo, mas que se lhe negue provimento. É o relatório.
1. Rejeita-se a preliminar.
1.1. De fato. Não juntou o advogado Raimundo Nonato Costa a procuração. Fora ele indicado, pelos réus, no interrogatório. A partir daí, funcionou, em todos os atos do processo, na defesa destes. Imbuiu-se de todos os poderes. Substabeleceu-os ao Dr. João Marques Estrela, que subscreveu a petição de apelo. 1.2. Mera irregularidade. Nada que caracterize prejuízo à acusação, a ponto de obstar o conhecimento da manifestação.
1.3. Aliás, é perfeitamente admissível o mandato, em matéria penal, até mesmo verbal. Senão vejamos:
Aliás, a Excelsa Corte já decidiu "que a falta de mandato expresso, ou de nomeação dativa, constitui mera irregularidade, que não se pode erigir em nulidade absoluta, não se enquadrando na previsão do art. 564, III, "c", do CPP (HC 56.889, DJU 27.4.79, p. 3.380)" (RT 626/351).
2. Mérito.
2.1. A vítima, vigilante, fazia guarda no Colégio André Gadelha. Vira os dois acusados, que buscavam adentrar ao estabelecimento. Tentara impedir. Fora agarrado. Houve luta corporal. Do que resultou nas lesões a que se refere o laudo acostado (fls. 13).
2.2. Em verdade. Há testemunhos no sentido de que Jaime Celestino portava uma "foicinha" (fls. 35/36). Ele próprio confirma que chegou a usar esse instrumento contra os adversários (fls. 34).
2.3. Nem por isso, entretanto, deve-se reconhecer a legítima defesa invocada. Primeiro porque a vítima estava no seu local de trabalho. Tentou evitar que os acusados ali entrassem, sem autorização. Depois, eram dois contra um. Tanto que, conforme eles mesmos confirmam, tomaram-lhe o instrumento que portava, advindo da luta os ferimentos (fls. 28/29v).
2.4. Observe-se, mais. Os implicados deram causa ao entrevero. O que afasta a excludente. Esta a posição firme nos Tribunais:
"A absolvição dos contendores por insuficiência de prova supõe dúvida inafastável sobre a inocorrência da legítima defesa. Não basta a incerteza sobre quem iniciou o ataque, sendo mister não se possa, razoavelmente, afirmar a antijuridicidade da conduta dos litigantes. Se a prova dá a certeza da situação de injustiça de um dos antagonistas, ou aponta um deles como sendo quem voluntariamente deu causa à luta, não há abrigá-lo sob o pálio da excludente" (TACrimSP - Rel. Dante Busana - ADV 8.716/152)
3. Doutro modo.
3.1. Indiscutível. Não há prova da incapacidade para as ocupações normais por mais de trinta dias. Pelo contrário. Há sérios exageros e contradições nas próprias declarações do ofendido que, se considerados, desfiguram a qualificadora.
3.2. Contou, na Polícia, que fora assediado por quatro homens, que lhe pediram para entrar no estabelecimento que vigiava. Reconhecera apenas os acusados. Não aceitara. Daí, investiram eles, armados de pau e canos de ferro e, enquanto uns batiam, os outros seguravam. Saíra com a clavícula fraturada e vários ferimentos (fls. 06).
3.3. Em Juízo, disse ter sido atacado por três homens, que portavam dois pedaços de pau e um de cano; tivera quebrados quatro dentes, a clavícula e sofrera lesão na cabeça; passara quinze dias hospitalizado e sessenta sem poder trabalhar.
3.4. As testemunhas afastam essa versão. Fernando Firmino Vieira fora chamado a apartar a briga. Estavam os três agarrados; não vira "os acusados com cacetes e nem com cano e ouviu dizer que a vítima estava com uma foicinha". E mais: "na hora que chegou só tinham o depoente, os dois acusados e a vítima...". Tivera conhecimento de que Jaime Celestino passara quinze dias no hospital, mas não soube informar quanto tempo ficara este sem poder trabalhar (fls. 35/35v).
3.5. Edilson Roberto Lopes de Queiroga pouco acrescentou. Mas, "não viu os acusados com cano e nem com cacetes" (fls. 36).
3.6. Não fosse isso, o laudo pericial não atesta, com precisão, tenha havido fratura da clavícula. Refere-se, apenas, a sinais. Do mesmo modo, não faz alusão à quebra de dentes. Demonstra, apenas, a presença de hematomas e lesões no nariz, dentre outras escoriações (fls. 13).
3.7. Observe-se, ainda. Jaime Celestino prestou declarações, na Delegacia, no dia 13 de agosto de 1991. Apenas dois dias depois do fato. Isto põe em limbo a afirmação de que ficara quinze dias internado. E corrobora o teor da declaração do Diretor do Hospital, embora que somente acostada com as razões de apelação (fls. 87).
3.8. Por fim. A prova pericial carecia de complementação, após o trigésimo dia do fato. E somente a 15.07.93 (quase dois anos depois), é que se realizou novo exame, quando se constatou estar o ofendido curado das lesões (fls. 50).
3.9. É trivial. Inexistente a prova da incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias, calcada em exame complementar, realizado após o trintídio da agressão, tendo como único indício neste sentido as contraditórias afirmações da vítima, sem base em outros elementos, imperiosa a desclassificação do tipo de lesões corporais graves para leves. É o entendimento assente na jurisprudência:
3.11. Assim, considerados os fundamentos da sentença, no que se refere à fixação da reprimenda, estabelece-se, para o réu Francisco Adriano, a pena-base em sete (7) meses de detenção. Atenuada para seis (6) meses, em face da menoridade relativa. Tornada definitiva, à falta de agravantes ou causas especiais de aumento ou diminuição.
3.12. Ao acusado Edval Vieira da Costa, aplica-se a base em sete (7) meses de detenção. Mantida, à falta de circunstâncias que determinem acréscimo ou redução.
4. As penas fixadas, prescrevem em dois anos (CP, art. 109, VI). Contado o lapso entre a publicação da sentença, transitada em julgado para a acusação (23.11.93) e o recebimento da denúncia (14.10.91), decorreu tempo suficiente à prescrição retroativa da pretensão punitiva (CP, art. 110, §§ 1.º e 2.º).
4.1. Extingue-se, em conseqüência, a punibilidade aos agentes.
5. Pertinente ao dano.
5.1. A condenação não pode prosperar. Sobretudo em relação ao co-réu Edival Vieira da Costa que, sequer, foi, por este tipo, denunciado (fls. 02).
5.2. O fato é que não há prova da materialidade.
5.3. Trata-se de crime que se insere entre os que deixam vestígios. Necessita, pois, de exame de corpo de delito direto. Não lhe supre a falta a prova testemunhal ou, até mesmo, a própria confissão do acusado.
5.4. Segundo escólio de ESPÍNOLA FILHO, a "prova testemunhal para evidenciar o corpo de delito é meramente supletiva. Só é possível prescindir do exame de corpo de delito direto, quando ficou impossibilitado. O impedimento comum, obstando a realização do exame direto, é o desaparecimento dos vestígios, antes de levar-se a efeito. É o caso contemplado expressamente pelo art. 167. Isso porque, normalmente, o exame se fará, eis que perdurem os vestígios" ("Código de Processo Penal Anotado", vol. ÏI/466). 5.4. A jurisprudência, a propósito, é iterativa:
5.5. Na mesma linha:
"É indispensável o exame pericial para a tipificação do crime de dano, que é de natureza material e deixa vestígios, não sendo suficiente o auto de descrição do local do delito elaborado pela autoridade policial e subscritor duas testemunhas" (JTACrimSP 74/370).
5.6. No caso, juntou-se, apenas, um auto de avaliação. E o pior: quase dois anos depois do fato (fls. 48). Não se fez perícia, para detectar-se a existência ou não do dano.
5.7. A absolvição, assim, é de rigor.
5.8. Com estes fundamentos, dá-se provimento ao apelo.
Presidiu o julgamento o Exmo. Des. Manoel Taigy Filho (sem voto) e dele participaram os Exmos. Desembargadores Miguel Levino Ramos (relator), Orlando Jansen e Raphael Carneiro Arnaud. Presente o Dr. José Di Lorenzo Serpa - Promotor de Justiça convocado.
João Pessoa, 09 de agosto de 1994.
 
 
Des. Miguel Levino Ramos
RELATOR


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