Editor: Wolfram da Cunha Ramos  
APELAÇÃO CRIMINAL N.º 94.0564/9 - Cuité
RELATOR : Des. Miguel Levino Ramos
APELANTES : Alberto Jorge Diniz e Silva e José Maurício da Costa (Adv. Genildo Gentil da Costa)
APELADO : A Justiça Pública
 
VISTOS, relatados e discutidos estes autos, acima identificados:
ACORDA a egrégia Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, à unanimidade, dar provimento ao apelo.
Na Comarca de Cuité, Alberto Jorge Diniz e Silva e José Maurício Costa foram denunciados como incursos nos arts. 319 (prevaricação) e 330 (desobediência), do Código Penal, pelo fato de terem deixado, propositadamente, de enviar ao Promotor de Justiça (como manda o art. 34, XII, da Lei Complementar n. 03/90), relatório mensal das atividades da Delegacia de Polícia do município de Nova Floresta. Finda a instrução, restaram condenados, a vinte e cinco (25) dias-multa, à base de 1/30 do salário mínimo da época do fato, só pela desobediência. Apelaram. Alberto Jorge erige preliminar - que mais se confunde com o mérito - dizendo-se cerceado no seu direito de defesa, posto que "...em nenhum momento na sentença foi reconhecido ter agido com dolo". Não se provou, por outro lado, que tivesse agido "de vontade livre e consciente de desobedecer à ordem do M. P."; não se negou a prestar as informações ou "afirmou não ser subordinado ao M.P., nem tampouco que não cumpriria a Lei..." (fls. 106/108). José Maurício diz descaracterizado o crime. Reclama que não foi observada a regra do art. 513 e seguintes, CPP, nem se instaurou inquérito administrativo, para apurar a suposta falta. A douta Procuradoria de Justiça firmou-se pelo improvimento das irresignações.
É o relatório.
1. Preliminarmente.
1.1. Laborou em equívoco a defesa de José Maurício. A hipótese não comporta defesa preliminar.
1.2. O crime pelo qual fora condenado (CP, art. 330) inclui-se entre os "praticados por particular contra a Administração em Geral" (Capítulo II do Título XI, CP). Não reclama as providências estatuídas nos arts. 513 a 518, do Código de Processo Penal, destinados aos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, assim classificados os previstos nos arts. 312 a 326 do diploma punitivo.
1.3. Explica MIRABETE (Processo Penal, 2.ª ed., Atlas, 1993, p. 534): "Ao mencionar os "crimes de responsabilidade de funcionários públicos", a lei processual está se referindo aos delitos próprios e impróprios previstos sob o título de "Crimes praticados por funcionários públicos contra a Administração em Geral" (arts. 312 a 326 do CP). São os crimes em que a condição de funcionário público é inerente à prática do delito (delito próprio, portanto), não abrangendo, pois, outros ilícitos comuns, que podem ser cometidos por qualquer pessoa, ainda que a qualidade de funcionário público intervenha como circunstância qualificadora, como os referidos nos arts. 150, § 2.º, 151, § 3.º, 289, § 3.º, 295, 351, §§ 3.º e 4.º etc. Tais ilícitos não são "crimes de responsabilidade" e não basta que o agente seja funcionário para que ele se caracterize; é necessário que esteja incluído entre os crimes funcionais".
1.4. De modo que, não há qualquer irregularidade a ser suprida. Sobretudo porque não demonstrado qualquer prejuízo.
2. Têm razão, entretanto, os apelantes, quando dizem desconfigurado o tipo do art. 330, CP.
2.1. Pesa-lhes a acusação de haver deixado, propositadamente, de atender à requisição do rep. do "Parquet", para que remetessem o relatório mensal das atividades da Delegacia de Nova Floresta, conforme o comando do art. 34, XII, da Lei Complementar n. 03/90 (Lei Orgânica do M. Público Estadual). Recusa feita em razão de suas funções de delegado e Superintendente Regional de Polícia, respectivamente. Conduta, portanto, ajustável à hipótese de prevaricação (CP, art. 319), próprio de funcionários públicos.
2.2. NELSON HUNGRIA, a propósito da indagação sobre qual o crime do funcionário que se nega a cumprir ordem judicial (e neste caso, a requisição ministerial, prevista em lei, se equipara), se desobediência ou prevaricação, acentuou: "O crime de desobediência é incluído pelo Código entre os praticados por particular (ou por funcionário entre cujos deveres funcionais não se inclua o cumprimento da ordem) e, assim, não pode ser identificado na hipótese formulada. O que se tem a reconhecer será, então, o crime de prevaricação, desde que apurado haver o funcionário agido por interesse ou sentimento pessoal (como tal devendo entender-se o próprio receio de descumprir ordens ilegais ocultamente expedidas por seus superiores hierárquicos, ou a preocupação de não incorrer na reprovação da opinião pública, acaso contrária a decisão judicial" (Comentários ao Código Penal, IX/377, ed. Revista Forense, 1958, citado na RT 588/333 - grifamos).
2.3. Não se discute que o funcionário público possa ser sujeito ativo do crime de desobediência. Mas, somente em casos excepcionais, quando praticado fora do âmbito das funções inerentes ao seu ofício. Assim entende MIRABETE (Manual de Direito Penal, 5.ª ed., 1993, p. 350): "Pratica o crime em apreço quem desobedece a ordem legal emanada de autoridade competente. Em regra, portanto, será o particular, mesmo porque está o ilícito incluído entre os crimes praticados contra a Administração em geral. A lei, porém, não faz distinção, e o funcionário público pode ser sujeito ativo do crime de desobediência (RT 418/249). É necessário, porém, que não esteja no exercício da função. Não se configura o citado ilícito se tanto o autor da ordem como o agente se achavam no exercício da função quando da sua ocorrência (RT 395/315, 487/289; RF 276/249; JTACrSP 12/96). Neste caso, o fato poderá caracterizar, eventualmente, o crime de prevaricação (art. 319)". 2.4. Neste sentido, a decisão firmada pelo STJ (citada pelo órgão ministerial, nas suas razões orais, à página 90):
2.5. Antigo aresto, em que se discutia o não acatamento, por prefeito municipal, de liminar judicial em mandado de segurança, entendeu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina a desobediência. E asseverou:
2.6. O Supremo Tribunal Federal, entretanto, reformou essa decisão, dizendo tratar-se a hipótese de prevaricação:
2.7. Noutra oportunidade, sustentou a Excelsa Corte:
2.8. Para DAMÁSIO DE JESUS, trata o art. 330 de crime comum, que "pode ser executado por qualquer pessoa, inclusive por funcionário público, desde que o objeto da ordem não se relacione com as suas funções" (Código Penal Anotado, 2.ª, 1991, SARAIVA, p. 807).
2.9. No caso em desate, diante da requisição do Promotor de Justiça - embora a este não estivesse o delegado subordinado - era obrigação dos acusados cumprir a ordem. Assim o determina a Lei Orgânica Estadual do M. Público (LC n. 03/90, art. 34, XII). Recusaram-se, dizendo cumprir ordens (verbais) superiores do Superintendente Geral da Polícia Civil e do Secretário de Segurança. Fizeram-no, sem dúvida, para satisfazer interesses pessoais.
2.10. Equivocou-se, assim, o douto Magistrado a quo, ao desconhecer o tipo do art. 319 e condenar o acusados pela desobediência. Deveria ter procedido ao contrário.
2.11. Corrigir, agora, o equívoco, é inadmissível. Os acusados foram absolvidos, em primeiro grau, do crime de prevaricação. Não houve recurso da acusação. Impossível, pois, a desclassificação, em recurso exclusivo do réu, em face da proibição da reformatio in pejus.
2.12. Não há outra alternativa, portanto, senão absolver os implicados do crime de desobediência, porque descaracterizado. 2.13. Dá-se provimento ao apelo.
Presidiu o julgamento o Exmo. Des. Manoel Taigy Filho (com voto) e dele participaram os Exmos. Desembargadores Miguel Levino Ramos (relator), Orlando Jansen e Raphael Carneiro Arnaud. Presente o Dr. Nelson Lemos * Procurador de Justiça.
João Pessoa, 16 de agosto de 1994.
 
 
Des. Miguel Levino Ramos
RELATOR


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