Editor: Wolfram da Cunha Ramos  
APELAÇÃO CRIMINAL N.º 94.0163/5 - Guarabira
RELATOR : Des. Miguel Levino Ramos
APELANTE : Gilmar Crescêncio da Costa (Adv. Iraponil Siqueira Sousa)
APELADA : A Justiça Pública
VISTOS, relatados e discutidos estes autos, acima identificados:
ACORDA a egrégia Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, à unanimidade, negar provimento ao apelo.
Acusado da prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal contra a menor Geane Raquel Belarmino dos Santos, de apenas nove (9) anos, foi o réu Gilmar Crescêncio da Costa denunciado, no juízo da 3.ª Vara de Guarabira, como incurso nos arts. 214, c/c o 226, III, do Código Penal. Findou condenado a 07 anos e 06 meses de reclusão. Irresignado, apelou, ao fundamento de que não cometera o crime. As acusações são falsas, feitas por inimigos, com o intuito de prejudicá-lo. Ataca, ainda, a aplicação da pena. Teria o julgador desconsiderado o parágrafo único do art. 214, CP, que prevê pena inferior ao caput. Firma-se a douta Procuradoria de Justiça pelo provimento parcial do apelo, apenas para reduzir a reprimenda imposta, em face da regidez da Lei 8.072/90, que equiparou as sanções do estupro e do atentado ao pudor, delitos de dimensões estritamente diferentes. É o relatório.
1. Improcede o apelo.
1.1. Firmou-se o magistrado em elementos concretos, constantes dos autos, que afirmam a existência do crime. E atribuem ao apelante a autoria.
1.2. No inquérito, a vítima, de nove (9) anos de idade, contou em detalhes o ocorrido. O réu fora à casa dela. Sentara-lhe à mesa, despindo-a. Tentara colocar a genitália na sua boca. E, "depois de uns movimentos chegou a sujar a barriga da declarante com um negócio como se fosse um "mingau..." (fls. 10).
1.3. Em juízo, acrescentou que os atos deram-se, na residência dela, "por duas vezes, e na casa dele, acusado, por uma vez". E mais: "...das duas vezes que o acusado praticou atos libidinosos com a declarante, na sua residência, o fez pulando a janela da casa", sempre "...na hora do almoço, por isso ninguém da rua viu ele entrando". Negou, somente, em relação ao primeiro depoimento, o fato de haver o agente tentado "colocar o pênis na sua boca" (fls. 31/32).
1.4. A mãe da menor, Josefa Belarmino dos Santos, disse ter tomado conhecimento dos fatos por intermédio de Manoel Guedes, conhecido por "Barraco". Dissera-lhe ele haver "presenciado quando a testemunha SEBASTIÃO TRAJANO comentou que "GILMAR AINDA IA ENTRAR NUMA FRIA POR CAUSA DAQUELA MENINA, isso referindo-se à pessoa da vítima". Indagara da vítima a procedência das informações. E ouvira dela a confirmação de que "realmente o acusado GILMAR tinha entrado na sua residência, numa hora em que a declarante não estava em casa, pulando a janela e lá no interior da casa agarrou-a, tapou sua boca com a mão, colocou-a em cima de uma mesa, tirou sua "MINHOCA" para fora e colocou entre suas pernas", terminando "por sujar-lhe as pernas com um líquido branco que na expressão da menor era parecido com "MINGAU".
1.5. Levara o fato ao conhecimento das autoridades. E, ao ser intimado a comparecer à Delegacia, o o acusado "...foi à procura da declarante bastante agressivo, exigindo-lhe explicações", e ouvira dele que não atenderia ao chamado, porque "...TINHA DEIXADO UMA MOÇA COM UM BUCHO NO CONJUNTO MUTIRÃO, DO QUAL NASCEU UM FILHO E NINGUÉM NUNCA O OBRIGOU A DAR DE COMER; QUEBREI DUAS COSTELAS DE UM HOMEM E NUNCA FUI PRESO" e não seria daquela vez que a declarante conseguiria colocá-lo na cadeia".
1.6. Lembra que estivera no Fórum, onde também se encontrava o réu. E ouvira dele, do lado de fora, o desabafo, em tom intimidativo: "É POR ISSO QUE NESSES CASOS A GENTE MATA E VAI EMBORA E A POLÍCIA NÃO ENCONTRA". Confirma que já vinha desconfiada do imputado, "pois uma certa vez estava em casa no período da tarde e ele abriu a janela abruptamente, mas quando percebeu a presença da declarante ficou pálido, nervoso, sem jeito, e disfarçou perguntando-lhe por seu filho de nome "GILSON"..." (fls. 43/45).
1.7. A testemunha Valmir Albino da Silva ouviu comentários sobre os fatos, através de outras pessoas do bairro (fls. 45). Marina Olindina da Conceição tomou conhecimento por intermédio da mãe da vítima de que "...Manoel Guedes do Nascimento, vulgo "Barraco" havia lhe dito que o acusado Gilmar tinha praticado atos sexuais com a menor GEANE" (fls. 57).
1.8. As pessoas indicadas pela defesa nada trouxeram a derrogar essa prova. Mostraram-se mais preocupadas em denegrir a imagem da menor, dizendo-a menina depravada, afeita às coisas do sexo. Não negaram, contudo, os comentários de que o réu, realmente, teve com ela atos libidinosos diversos da conjunção carnal (fls. 71/74 e 80/82v).
1.9. Como se vê, a sentença não se embasou, especificamente, nos depoimentos de Manoel Guedes (fls. 33) e Sebastião Trajano (fls, 63), tidas inimigas do acusado. Firmou-se, sobretudo, nas declarações da ofendida e sua mãe, que encontram ressonância em outros dados do processo. Prova válida, portanto, à condenação. Sobretudo em se tratando de crimes sexuais, geralmente praticados às escondidas, longe dos olhares de testemunhas. 1.10. O Tribunal de Justiça de São Paulo, a propósito, pontificou:
1.11. No mesmo sentido:
1.12. Destaque-se a firmeza das declarações da ofendida, nas vezes em que foi ouvida. Inobstante a sua idade (apenas 9 anos), narrou os fatos com extrema coerência. Não se intimidou, sequer, na audiência de acareação, quando, diante de duas testemunhas, adultas, sustentou a versão que dera em Juízo (fls. 103/105).
1.13. Não há dúvida, por outro lado, de que a vítima é menina sapeca. A própria mãe o afirma. Isto, contudo, como assere a ilustrada Procuradoria de Justiça, no parecer retro, "não descaracteriza o crime praticado pelo Apelante. Afinal, não se trata de uma mulher devassa, mas uma criança de apenas nove anos e oito meses de idade à época do fato". 1.14. Aliás, o Supremo Tribunal Federal, fechou questão a respeito:
1.15. A absolvição perseguida, pois, é inadmissível.
2. A pena está correta. Fixou-a no mínimo o julgador. Acresceu-a de 1/4, visto ser o agente casado (fls. 164, 190/191).
2.1. Não poderia ter aplicado o parágrafo único do art. 214, CP. Como sabido, objetivava da Lei 8.069, de 13.07.90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), criar a figura do atentado violento ao pudor qualificado, cominando.-lhe pena entre 03 e 09 anos de reclusão, quando praticado contra menor de cartorze anos. Norma que só vigeria noventa dias após a sua publicação.
2.2. Ocorre, porém, que durante a vacatio legis, foi editada a Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), que entrou em vigor na data de sua publicação(26.07.90), atribuindo ao tipo, no caput, pena que varia entre 06 e 10 anos de reclusão. Revogado, pois, restou o parágrafo único, anteriormente inserido, a teor do art. 2.º da Lei de Introdução do Código Civil, que dispõe revogar a lei posterior a anterior, quando seja com ela incompatível.
2.3. Este o entendimento assente na jurisprudência:
2.4. Aliás, o STJ já havia afirmado:
2.5. Nem se diga que, pelo fato de haver entrado em vigor a Lei 8.069/90 depois da 8.072/90, teria aplicabilidade o parágrafo único. Ora, com a publicação, embora esteja a vigência programada para data futura, a lei passa a existir no campo jurídico. Só não tinha obrigatoriedade.
2.6. Foi lição do renomado JOSÉ FLÓSCOLO DA NÓBREGA que a vigência não se confunde com validade, "que é a condição da lei que preenche todos os requisitos de sua existência. A validade formal, ou material, conforme se trate dos requisitos formais, ou materiais. A lei pode ser válida sem ter vigência como acontece durante a vacatio legis; mas toda lei vigente se presume válida, salvo nos casos em que for declarada nula pelo poder judiciário" (INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO, Sugestão Literária, 7.ª ed., 1987, p. 99).
2.7. Nada a corrigir, portanto. Atendeu o magistrado ao rigor da lei, declinando as razões que o levaram ao quantum fixado.
2.8. Nega-se provimento ao apelo.
Presidiu o julgamento o Exmo. Des. Miguel Levino Ramos (relator), e dele participaram os Exmos. Desembargadores Orlando Jansen e Raphael Carneiro Arnaud. Presente a Dra. Bertha Áurea Cunha Barros * Procuradora de Justiça.
João Pessoa, 07 de junho de 1994.
 
 
Des. Miguel Levino Ramos
RELATOR


   Volta para os acórdãos

[email protected]

Hosted by www.Geocities.ws

1