DOUTRINA CATÓLICA

VIGÍLIA PASCAL

HOMILIA DO CARDEAL PATRIARCA

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"Estai vigilantes"

Sé Patriarcal, 30 de Março de 2002

1. Estamos em vigília de oração, longa vigília de quem caminha, guiados pela Palavra de Deus, iluminados pela luz de Cristo, purificados nas águas regeneradoras do baptismo, ao encontro de Cristo na Sua glória. A vigília é a atitude recomendada aos discípulos que esperam a vinda do Senhor. "Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia vai chegar o vosso Mestre" (Mt. 24,42). Estar vigilante, à espera do Senhor, é a atitude exigida à Igreja, povo da ressurreição e que acredita na segunda vinda de Cristo glorioso.

Segundo os ensinamentos de Jesus, o modo de preencher esta vigília é a oração: "Vigiai, pois, e rezai em todo o tempo, para terdes a força de escapar a tudo o que há-de acontecer e de vos apresentardes com confiança diante do Filho do Homem" (Lc. 21,36). E na longa vigília que foi a Sua agonia em Gétsemani, aos discípulos sonolentos, Jesus recomenda: "Porque é que estais a dormir? Levantai-vos e rezai, para não entrardes em tentação" (Lc. 22, 46).

Estamos em vigília porque vamos celebrar a Páscoa. Cristo ressuscitado manifesta-se na Sua Igreja, vem ao nosso encontro, talvez de maneira surpreendentemente única. Mas sempre a Igreja interpretou está vigília da Páscoa como a atitude de um Povo que se prepara para o encontro definitivo com Cristo glorioso. É por isso que nesta vigília cabe toda a nossa história, passada, presente e futura, desde a criação do mundo ou do início da vida de cada um de nós, passando pela redenção, caminho que cada um de nós começou a percorrer no dia do seu baptismo, na certeza de fé que o Senhor está connosco e nós vamos ao Seu encontro, pois Ele é a razão de ser e o ponto de convergência final da nossa vida e da nossa história. Nesta vigília cabe a vida de cada um de nós, com a sua história de graça e de pecado, de alegrias e de tristezas, de avanços e recuos, de desejo de fidelidade e de experiência dolorosa de fraqueza. Nesta vigília, a vida de cada um de nós revela-se como uma peregrinação, num esforço corajoso para não perder o rumo do caminho. Podem-nos acompanhar, nesta noite, todos aqueles e aquelas que entraram no nosso caminho, que caminharam connosco ou se desviaram do rumo certo. Aqueles que amámos, aqueles com quem sofremos, aqueles com quem partilhámos um ideal, porque queremos nesta noite, tudo deixar penetrar com a luz de Cristo ressuscitado.

Nesta vigília está toda a nossa Igreja de Lisboa, na sua peregrinação de fidelidade. Descobrir Cristo ressuscitado, assumir-se como Seu corpo e Seu povo, é o seu objectivo. Aprofundar a fé, construir comunhão, testemunhar o amor são os desafios que se lhe apresentam. Que longo caminho a percorrer para que sejamos a Igreja de Jesus ressuscitado, como Ele a deseja e a ama. Na oração desta noite estarão presentes: os nossos sacerdotes, para que sejam "outros Cristos"; os nossos seminaristas, para que se deixem cativar por esse Cristo que é a plenitude da vida; pelos catequistas, para que recebam a Palavra com amor e a testemunhem com convicção; os esposos, para que se abram à acção do Espírito de Jesus ressuscitado, que lhes santificará o amor; os nossos jovens, para que descubram a riqueza do seu baptismo.

Por esta vigília pode passar, também, toda a nossa Pátria, com os seus problemas, as suas lutas pela justiça e pela dignidade da pessoa humana. Pediremos ao Senhor que a luz de Cristo ilumine as inteligências e os corações daqueles que se preparam para governar, para que sejam generosos no serviço do bem comum, sábios e prudentes nos discernimentos, corajosos nas decisões inevitáveis, confiantes e mobilizadores de todos quantos desejam o progresso de Portugal. Somos uma Igreja em vigília e não podemos deixar de ter presente, na nossa oração, o Povo a que pertencemos.

2. A liturgia desta noite ensina-nos a fazer vigília, inspirando o ritmo de toda a nossa vida, concebida como peregrinação para a nova Jerusalém, ao encontro do Senhor. * Ilumina-nos a luz de Cristo ressuscitado. A luz é, nesta noite, o símbolo do Espírito Santo, dom Pascal por excelência, que dá um sentido novo a toda a nossa existência. Tudo na Igreja e na caminhada da fé é conduzido por esta luz, aliás toda a missão da Igreja consiste em iluminar todos os povos com essa luz de Cristo que se reflecte no seu rosto (cf. Lumen Gentium, n. 1). É esta luz que nos guia nos caminhos do bem e do amor e nos conduz à vida. Segundo o Apóstolo Paulo, sem essa luz, que é o Espírito de Cristo ressuscitado, nem conseguiremos reconhecer em Jesus o Senhor.

* Conduz-nos à meditação da Palavra de Deus e acolhê-la como Palavra viva de Deus, só é possível com a luz de Cristo. Nesta noite a Palavra convida-nos a percorrer a nossa história e a relê-la à luz da Páscoa de Jesus. Desde a criação, em que Deus criou o homem à Sua imagem; esta relação criador-criatura é tão frequentemente esquecida, sempre que os homens se arvoram em senhores da vida, esquecendo a componente que toda a vida tem, a dignificá-la, por ter a sua origem em Deus, Ele o Senhor da vida. Meditamos, depois, toda a longa história da nossa salvação, a proposta de aliança, aquele contraste entre a misericórdia de Deus e a nossa teimosia em pecar, aquele desejo de Deus de ter um povo, de que Ele possa ser Deus, isto é, reconhecido numa relação de intimidade e de proximidade e como Deus empenha neste projecto todas as suas armas, até à encarnação do próprio Filho de Deus.

* Neste longo percurso da Palavra somos convidados a reler, com outra luz, a nossa própria vida e a nossa história. Cristo, na plenitude do tempo, surge-nos aí como o caminho a seguir, o Senhor que nos atrai e nos chama, o amigo que nos consola, a plenitude onde queremos chegar.

* Iluminados pela luz de Cristo e guiados pela Palavra, somos convidados a redescobrir o nosso baptismo, o nosso novo nascimento para uma vida marcada pela novidade pascal. Reler a nossa existência à luz da graça baptismal que permanece. Como toda a nossa vida se renovaria se rejuvenescêssemos em nós a frescura do nosso baptismo. Esse é, nesta noite, o convite da Igreja e o desejo de Jesus ressuscitado. Ao deixarmos que o Espírito renove em nós a frescura do nosso baptismo, acolhemos com imensa ternura estes nossos irmãos que vão ser baptizados. A luz de Cristo vai, pela primeira vez, iluminar os seus corações e o Espírito Santo lhes abrirá o caminho do amor. Acolhemo-los com gratidão e esperança, pois eles querem juntar-se a nós, ser peregrinos connosco nesta caminhada ao encontro do Senhor. Continuemos em vigília, porque já nesta noite o Senhor pode vir ao nosso encontro, na expectativa do Reino.

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