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Doutrina Católica

Mensagem do Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

14/05/2004

Devoção a Maria

O mês de maio é, tradicionalmente, dedicado a Maria, Mãe de Jesus. A devoção tem suas raízes na mais antiga tradição cristã e seus fundamentos no próprio Redentor que a escolheu por Mãe. O Salvador, que se fez criatura humana como nós, menos no pecado, nos dá evidentemente também o exemplo de um bom filho, em toda a extensão desse relacionamento. Nas bodas de Caná, segundo o relato do Evangelho de São João (2,1 ss), a Mãe de Deus estava presente. Seu Filho e os discípulos também. Em certo momento, ela observou que não havia mais vinho e comunicou essa ocorrência a Jesus, que respondeu: “Minha hora ainda não chegou”. “Sua mãe disse aos serventes: “Fazei tudo o que Ele vos disser”. E Jesus atendeu. Esse princípio dos sinais, Jesus o fez em Caná da Galiléia e manifestou sua glória e seus discípulos creram nele.

Tal episódio vem se repetindo até nossos dias, nas mais variadas modalidades. Causa-me profunda admiração ver como Maria é tratada nos escritos dos primeiros Padres, ao alvorecer da Igreja, e também a atitude dos cristãos diante de Maria, Mãe de Jesus. Assim, nos Atos dos Apóstolos (1,12-14), eles estavam reunidos na sala onde o Senhor havia tomado a ceia pascal: “Todos estes, unânimes perseveravam em oração com algumas mulheres, entre as quais Maria, a Mãe de Jesus, e com os irmãos dele” isto é, os parentes do Senhor. Com a manifestação do Espírito Santo, teve início a Igreja, estando Maria presente. O mês de maio é particularmente propício para se refletir sobre o comportamento das primeiras gerações cristãs, tantos e tantos discípulos, bem próximas dos Apóstolos, em relação a Maria. O Mestre havia deixado a ordem de guardar e transmitir o depósito da fé. Confiou seus ensinamentos a um Magistério vivo, sob a direção do Divino Espírito. Lemos a ordem do Senhor no Evangelho de São João (14,26): “O Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinará todas as coisas”. À medida que a Humanidade crescia, ampliava-se o anúncio da Mensagem Salvífica, mas surgiam novos problemas, que não existiam quando ainda vivia entre eles o Mestre. Entretanto, fazia-se mister dar soluções. Estas eram fruto do Espírito agindo através de um Magistério autêntico. Este, até hoje, nada mais é que a voz da doutrina ensinada pelos doze Apóstolos e desabrochada em resposta à realidade de cada época.

A devoção mariana é um exemplo do que vem desde cedo ocorrendo na Igreja de Cristo.

Desejo recordar essas verdades muito oportunas para reflexão no mês dedicado à Mãe de Jesus. Santo Inácio, sucessor de São Pedro, na sede Episcopal de Antioquia, levado a Roma para ser entregue às feras do circo, escreveu sete admiráveis cartas que documentam o cristianismo primitivo. Por elas se constata como era difundida e plenamente aceita a crença do nascimento virginal de Jesus. Em antiqüíssimas profissões de fé cristã salienta-se o papel de Maria como Mãe de Jesus. Ela insere o Filho na descendência de Davi e é instrumento da realização das profecias messiânicas. Justino, filósofo, que nasceu entre os anos 100 e 110 de nossa era e morreu mártir em 165, sob Marco Aurélio, refere-se ao nascimento virginal de Jesus. Maria dá à luz em uma gruta e a criança é depositada em um presépio. Foi o primeiro autor a estabelecer um paralelismo entre Eva e Maria. A primeira, pelo pecado, transmite a todos os homens a morte; a outra gerou o Redentor da Humanidade. O filósofo grego Aristides, que viveu na primeira metade do século segundo, redigiu uma apologia do cristianismo, na qual afirma a natureza imaculada e a maternidade de Nossa Senhora. Meliton, bispo de Sardes, escreveu em torno de 170 ao imperador Marco Aurélio falando da virgindade de Maria e chamando-a de “cordeiro imaculado”, por analogia a Jesus, o “Cordeiro de Deus”. Irineu, bispo de Lião, originário de Esmirna (entre o ano 140 e 160), é considerado o Pai da dogmática católica. Ele trata do papel de Nossa Senhora no plano da salvação. Assim como Eva, pela desobediência, trouxe a perdição ao gênero humano, a Virgem, pela obediência, desempenha um papel importante na obra da Redenção. Chama Maria de “causa da salvação”. Dá-lhe o titulo de “advogada”. Esta expressão lhe é aplicada então pela primeira vez na literatura cristã antiga.

A celebre “Escola de Alexandria”, no Egito, foi o mais antigo centro de ciência sacra do cristianismo. A doutrina ariana lá germinou, vinculada a grandes nomes, como Clemente de Alexandria, Orígenes, Atanásio, Cirilo. A primeira oração a Nossa Senhora, “Sub tuun praesidium” (“À vossa Proteção”), que ainda hoje rezamos, foi aí composta no século III e descoberto o texto grego em um fragmento de papiro. Exprime a fé dos cristãos no poder de intercessão da Virgem. Foi incorporada ao texto de muitas liturgias, orientais e ocidentais, formuladas pelas primitivas comunidades cristãs para implorar à Mãe de Deus proteção no perigo. A seguir, multiplicaram-se as invocações dirigidas Àquela que os fiéis batizados consideravam muito poderosa, na sua intercessão junto ao Senhor. Em nossos dias, João Paulo II, a 9 de maio último, falou a uma multidão na Praça de São Pedro, antes de rezar o Regina coeli, nestes termos: a “presença maternal de Maria é uma ajuda para os cristãos e todo o mundo”.

Nós nos incluímos, em nossa devoção entre aqueles anunciados no Evangelho de São Lucas (1,28-50): “Doravante as gerações todas me chamarão de bem-aventurada, pois o Todo Poderoso fez grandes coisas em meu favor” O Concílio Ecumênico Vaticano II, na Constituição Dogmática “Lumen Gentium” (nº 67), ensina e admoesta (...) “os filhos da Igreja a que generosamente promovam o culto, sobretudo o litúrgico, para com a Bem-Aventurada Virgem, dêem grande valor às práticas e aos exercícios de piedade recomendados pelo Magistério, no curso dos séculos” e observem religiosamente o que, em tempos passados, foi decretado sobre o culto às imagens de Cristo, da Bem-aventurada Virgem e dos Santos”.

Felizes as famílias, comunidades religiosas, paróquias que continuam a bela tradição de celebrar piedosamente o mês de Maio, fortalecendo, assim, a devoção mariana. E, caso tenham se esquecido, bem poderiam recuperar essa bela prática com um encerramento festivo, no final de maio, mês a Ela dedicado. Em meio às dificuldades vividas hoje, as drogas, a violência, a corrupção, recordemos o poder intercessor de todas as mães e, portanto, de Maria, junto ao Coração do seu Filho, que nos ajudará a superar tantos problemas.

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