Doutrina católica

Doutrina Católica

O nascimento de Jesus segundo os Evangelhos

Portugal, 23/12/2004 - 09:47

Todos os anos, ao celebrarmos o Natal de Jesus, nos encontramos com figuras e fatos que evocam a memória desse Natal de há dois mil anos. Vivemos de memórias e somos uma memória viva. Não há história sem memória nem memória sem história. Ao lermos o Evangelho de S. Mateus, nos dois primeiros capítulos, cheios de encanto e significado, passam por nós os reis magos, a estrela, o encontro dos magos com Herodes, a adoração do Menino, a fuga para o Egito, o massacre dos inocentes, o regresso do Egito e a vinda para Nazaré, dois anos e tal depois de se refugiarem no Egito. Porém, ao lermos o Evangelho de S. Lucas, também nos dois primeiros capítulos, deparamos com figuras e factos completamente distintos dos de S. Mateus: o anúncio do nascimento de S. João Batista a seu pai Zacarias, o anúncio do nascimento e Jesus a sua mãe, através do arcanjo S. Gabriel, a visita de Maria a Santa Isabel, o nascimento e circuncisão de Jesus no Templo de Jerusalém, juntamente com Simeão e Ana, o regresso da Sagrada Família a Nazaré, apenas uns quinze dias depois do nascimento, e, finalmente, o encontro de Jesus no Templo.

A apresentação destas figuras e fatos tem um objetivo: fazer com que o leitor perceba que as figuras e fatos narrados em S. Mateus não são os mesmos que em S. Lucas. De comum, os dois evangelistas só têm a conceição virginal de Jesus e o nascimento em Belém. Não seria mais normal que ambos apresentassem as mesmas figuras e fatos? Não podemos, de modo algum, estabelecer uma concordância entre os dois evangelistas, pois o concordismo bíblico é mau conselheiro. Assim sendo, temos de concluir que o evangelista S. Mateus não conhecia S. Lucas e vice versa. Por outro lado, partindo do princípio que S. Marcos foi o primeiro a escrever um Evangelho, onde não aparece o “evangelho da infância”, significa que nas primeiras comunidades cristãs o problema não era abordado. S. Paulo é o primeiro a escrever, cerca de quinze anos antes de S. Marcos, e deixa-nos apenas dois breves apontamentos sobre o nascimento de Jesus. Na carta aos Romanos 1,3 escreve que Jesus “nasceu da descendência de David segundo a carne, constituído Filho de Deus em poder, segundo o Espírito santificador pela ressurreição de entre os mortos”, e na carta aos Gálatas 4,4 escreve que “Deus enviou o seu filho, nascido de uma mulher, nascido sob o domínio da Lei, a fim de recebermos a adopção de filhos”.

Para S. Paulo só interessava a pessoa de Jesus como Salvador, mas nascido de uma mulher, sob o domínio da Lei, para acentuar que Jesus não é nenhum herói divino (aner theos), que caiu do céu, rodeado de esplendor e mistério. Ele é filho de uma mulher judia que vive na economia da “Lei de Moisés” e veio à terra para estabelecer a “economia do Espírito” em oposição à da Lei dos judeus. Só a economia do Espírito pode estabelecer a Fraternidade nova e a nova criação, rompendo com todas as culturas baseadas no sangue, família, pátria, circuncisão de Abraão.

É natural que os cristãos, sobretudo depois da derrocada de Jerusalém no ano 70, tenham começado a pensar seriamente sobre o nascimento do seu Salvador e tenham nascido muitas histórias divergentes. Nada do que está escrito nos Evangelhos é em directo, mas em diferido. S. Mateus e S. Lucas fornecem-nos narrativas vivas e coloridas, mas todas iluminadas pelo programa narrativo da salvação, segundo as promessas do Antigo Testamento e respectivas profecias. S. Mateus é bem explícito nesse programa narrativo ao apresentar quatro encenações arrancadas às Profecias: Mt 2,22: “Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho...”; Mt 5: “Eles responderam: Em Belém da Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta...”; Mt 2, 15: “Assim se cumpriu o que o Senhor anunciou pelo profeta...; Mt 2, 23: “Assim se cumpriu o que foi anunciado pelos profetas...”. Não há contradição entre S. Mateus e S. Lucas porque o objectivo de ambos não é narrar cenas de história factual, mas cenas de história de salvação, a que os exegetas bíblicos classificam de midrache bíblico. O Antigo Testamento está cheio destas cenas. À luz da história da salvação, estas cenas valem tanto como se fossem narrativas de história factual. E no meio de todas elas há duas comuns a ambos os evangelistas: nascimento de Jesus de uma mulher virgem e nascimento em Belém. É verdade que alguns exegetas modernos, católicos e protestantes, colocam no mesmo pé de história “midráchica” todas as cenas “construídas” a partir das profecias. Mas se assim for como compreender as demais cenas, ao longo da vida “histórica” de Jesus, como é o caso da pregação na Galileia (Mt 4, 14) e dos milagres (Mt 8, 17). No entanto, o que mais interessa nestas cenas da infância é a realidade do seu simbolismo messiânico. Deixemos que os nosso presépios contenham a estrela, magos, pastores, anjos, mas não façamos disso a centralidade da mensagem. Não é verdade que quando somos invadidos por sentimento de um grande amor, ou medo, ou opção de vida, sobretudo de ordem espiritual, dizemos: “Não tenho palavras para descrever”? Foi o que aconteceu com Mateus e Lucas diante do “mistério” da incarnação de Jesus como Emanuel, Deus-connosco. Para serem compreendidos, apresentaram o “mistério” através de cenas catequéticas, criadas e construídas de acordo com a sua mensagem de fé em Jesus Cristo. escreveram em diferido, muitos anos depois do “mistério” da paixão, morte e ressurreição do Menino nascido em Belém, duma virgem mãe.

Pe. Joaquim Carreira das Neves, OFM

Fonte: Font, Agência Ecclesia

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Côn. Vidigal - O Hino gratulatório de Maria

Mariana (MG), 26/12/2004 - 07:36

Hino de louvor e reconhecimento que fluiu do coração de Maria, o Magnificat vem merecendo da parte dos fiéis reflexões profundas que alimentam, e muito, a espiritualidade. Embevecem, de fato, a beleza, a riqueza e a profundidade do cântico mariano.Cumpre penetrar o sentido intrínseco de suas inspiradas palavras. Não foram fruto de um instante de arrebatamento efêmero, mas a expressão magníloqua do júbilo circunspeto da “humilde filha de Siâo”, que perante o ato de fé de sua prima Isabel, remonta a todas as promessas de Deus que libertaria o seu povo e manifesta o gáudio pela próxima vinda do Messias. Isabel a saudara como “Mãe de seu Senhor”, sem dúvida inspirada pelo próprio Espírito Santo. A resposta de Maria foi uma efusão de louvor e reconhecimento. Através dos tempos autores desavisados têm negado a autoria deste notável hino ao afirmar que Maria se limitou a repetir o que a literatura religiosa judia transmitira, referindo-se, sobretudo, ao canto de Ana (1 Sm 2,1-10). Não percebem eles as diferenças advindas das expressões e circunstâncias inteiramente outras. Ana agradecia a Deus a ter libertado de sua esterilidade, enquanto Maria exalta a fecundidade de Deus: “Todas as gerações me chamarão bem-aventurada”! Há como que uma antevisão do que se daria um dia no Calvário onde João seria o representante de toda a humanidade: “Eis aí a tua mãe”! Tudo isto porque ela conceberia pelo poder do Divino Espírito Santo que lhe daria a maternidade espiritual de todo Corpo Místico de Cristo. Apesar de reconhecer sua pequenez, ele tinha consciência de ter sido alvo do beneplácito divino. Ela saúda a salvação que chegou para os simples de coração, dado que Deus rebaixa os orgulhosos. Trata-se, portanto, de uma aclamação das maravilhas que o Todo-Poderoso operou nela e, por ela, para toda a humanidade. Todos os bons hermeneutas têm visto no Magnificat um conjunto homogêneo, lógico e harmonioso de versos que se encadeiam de maneira admirável. Maria principia por glorificar o Ser Supremo e patenteia que ela exulta em Deus, seu Salvador. Professa o reconhecimento de sua pequenez, mas há de ser perenemente exaltada porque todos reconhecerão a misericórdia divina que se estende “de geração em geração sobre aqueles que O temem” e ela foi o canal desta complacência do Onipotente (Lc 1,48-50). Os versículos de 51-53 apresentam uma antítese admirável entre os humildes e os orgulhosos, os potentados e os destituídos de arrogância, entre os famintos e os ricos. Finalmente, a terceira estrofe (vers. 54 e 55) ostentam a homenagem que Maria dirige à bondade de Deus que agraciou o seu povo. A despeito de sua simplicidade trata-se de um conteúdo é riquíssimo. Maria convida a um profundo desprendimento e antecipa o que seu Filho ensinaria: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5,2). Prega aos poderosos deste mundo o serviço humilde para que possam amealhar a benevolência do céu. Este cântico mostra bem como a alma de Maria era flamejante de virtudes. Em síntese, este hino mariano mostra como Maria não somente faz, mas também lê e escreve a história. Ela proclama a realização das promessas divinas de salvação feitas a seus antepassados e demonstra como a Mãe de Jesus sabia ler os sinais dos tempos. Ela, além disto, indica as modalidades históricas e sociais em que Deus realiza seu projeto, uma vez que Ele subverte as expectativas dos poderosos e realiza a sua salvação com os pobres e os humildes, entre os quais ela se arrola. A humanidade cultua valores que Maria combate: a força, a riqueza, o poder, a glória. Tal julgamento tem um aspecto perene e universal. De seu trono lá no céu ela contempla as condições sociais diferenciadas e injustas que persistem entre seus filhos. Daí a atualidade do Magnificat, manancial de mensagens que podem perfeitamente modificar a vida individual de cada cristão e também de toda a sociedade afetada pelos desmandos dos orgulhosos e dos donos do poder.

Fonte: Font, Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho

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