doutrina Catolica

Doutrina Catolica

Mensagem do Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

26/11/2004

Opinião pública

Há uma recente publicação que, em sua versão inglesa, traz o título “O Papa João Paulo II e a atuação da Diplomacia Papal – Antologia (1978–2003)”. O Cardeal Renato R. Martino, em sua apresentação, alude a “novas e santas inquisições cheias do dinheiro da arrogância”. São grupos de pressão cultural, econômica e política, movidos sobretudo pelo preconceito a tudo o que é cristão. Citou, em particular, o “lobbie” na opinião pública em favor da descriminação do aborto, o reconhecimento de uniões matrimoniais entre pessoas do mesmo sexo e as experimentações com a vida humana, acobertadas sob título humanitário.

Estes assuntos são uma constante nas acusações à Igreja. O conhecido escritor Vittorio Messori publicou a obra “Legendas negras na Igreja”, restabelecendo a verdade sobre vários episódios explorados para renovar os ataques à obra de Cristo. As sombras existentes, fruto da fraqueza humana, devem ser julgadas dentro de sua contextura histórica. Disso é exemplo a Inquisição. No final de outubro de 1998, no Vaticano, um congresso reuniu historiadores universalmente reconhecidos como peritos em tribunais eclesiásticos. Há poucos meses, foi editado o livro Atas do Simpósio Internacional “A Inquisição”. Isto se deve, entre outros fatores, à abertura dos arquivos secretos da Congregação para a Doutrina da Fé (antigo Santo Ofício), determinada pelo Papa João Paulo II, em 1998.

O iluminismo do século XVIII e seus desdobramentos até nossos dias, buscam substituir a fé em Cristo pelo progresso da razão humana. Essa corrente filosófica é responsável pelo surgimento de muitos obstáculos à fé cristã, como o liberalismo, e o culto ao prazer, entre outros.

O Concílio Vaticano II, especialmente a Constituição Dogmática “Lumen Gentium” sobre a comunidade eclesial, a Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”, ou a Igreja no mundo de hoje, e o Decreto “Apostolicam Actuositatem”, acerca do apostolado dos leigos, tratam do laicismo e nos fazem refletir. Em “Lumen Gentium” (nº 36): “Assim como se deve reconhecer que a cidade terrena se consagra, a justo título, aos assuntos temporais e se rege por princípios próprios, assim com razão se deve rejeitar a nefasta doutrina que pretende construir a sociedade, sem ter em conta a religião, atacando e destruindo a liberdade religiosa dos cidadãos”. Já em “Gaudium et Spes” lemos: (nº 36), o Concílio é explícito ao declarar que a autonomia das realidades temporais não significa independência de Deus, pois, “sem o Criador, a criatura não subsiste”. Aliás, os crentes de qualquer religião, quando se esquecem de Deus, “a própria criatura se obscurece”. O mesmo documento (nº 43) reafirma: “Constitui-se um as criaturas se entregarem às atividades terrenas, sem as ordenar ao Criador. A vida religiosa não consiste apenas em atos de um culto e certos deveres morais. Este divórcio entre a fé que professam e o comportamento cotidiano de muitos, deve ser enumerado entre os mais graves erros do nosso tempo”. Em “Apostolicam Actuositatem”, o Concílio nos ensina: “O leigo, que é simultaneamente fiel e cidadão, deve sempre guiar-se por uma única consciência, a cristã” (Idem). Vários outros males que nos afligem têm suas raízes no liberalismo. Como o próprio nome indica, a doutrina atribui ao homem a liberdade, o que é correto, mas também conduzi-lo a erros, com nefastas conseqüências. Daí nasce a busca do prazer sem restrições, a qualquer preço e a marginalização a qualquer lei. Os efeitos são funestos.

Busquemos a solução desses males nos ensinamentos que servem de base à Doutrina Social da Igreja. Por mais que seja ignorada, ela apresenta um extraordinário acervo nesta matéria. Assim a Encíclica de João Paulo II “Solicitudo Rei Socialis”, “A solicitude social da Igreja”, datada de 30 de dezembro de 1987, no 20º aniversário da “Populorum Progressio”. Na conclusão desse documento a Igreja proclama: “Os povos e os indivíduos aspiram à própria libertação (...).Os valores positivos, mas também os desvios e os perigos de desvios ligados a esta forma de reflexão e de elaboração teológica foram oportunamente indicados pelo Magistério Eclesiástico” (nº 46). Referia-se à “Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação”, “Libertatis Nuntius”, de 6 de agosto de 1984. O Santo Padre vai à raiz do problema: “O obstáculo principal a superar para uma verdadeira libertação é o pecado (...). O processo de desenvolvimento e da libertação concretiza-se na prática da solidariedade” (idem). Recentemente, em algumas áreas da Igreja Católica, em particular na América Latina, difundiu-se uma nova maneira de enfrentar os problemas da miséria e do subdesenvolvimento, que faz da libertação a categoria fundamental e o primeiro princípio de ação.

Em recente declaração a um diário italiano, o Cardeal Joseph Ratzinger afirma que “existe uma agressividade ideológica preocupante”. Cita o caso ocorrido há pouco, na Suécia, quando um pastor protestante que havia pregado sobre homossexualidade, baseando-se em passagem da Escritura, foi condenado a um mês no cárcere. O laicismo já não é um elemento de neutralidade que abre espaço à liberdade de todos. Começa a se transformar em uma ideologia que se impõe através da política e não concede espaço público à uma visão católica e cristã, corre o risco de converte-se em algo puramente privado e, na realidade, mutilado. Devemos defender a liberdade religiosa contra a imposição de uma ideologia que se apresenta como se fosse a única voz da racionalidade.

Esse é um campo que nos questiona como pastores mas fala, de modo especial, ao laicato católico. Recordemos as palavras de Jesus apresentadas em Lucas (21,12-19): “Não perdereis um só fio do cabelo em vossas cabeças. É pela vossa constância que alcançareis a vossa salvação”, podemos ser otimistas.

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