DOUTRINA CATÓLICA

DOUTRINA CATÓLICA

12/05/2000

VOZ DO PASTOR

D. Eugênio de Araújo Sales

05/05/2000

A Igreja e os Leigos

A Igreja está no mundo sem perder sua dimensão e estrutura transcendental. Toda atividade que realiza deve ser iluminada por essa verdade. Caso contrário, devido à limitação humana, fruto do pecado, surgem problemas que esterilizam generosos esforços tanto no campo social como no estritamente religioso. O Concílio Vaticano II marcou nitidamente o rumo a seguir, quando, na Constituição Dogmática "Lumen Gentium", o capítulo "Povo de Deus" antecede o que se refere à composição da Igreja, em especial, ao Episcopado. Todos, Bispos e leigos, são parte constitutiva do mesmo Povo de Deus. Eis a razão. No entanto, trata-se também de uma "sociedade hierarquicamente organizada"("Lumen Gentium", 20) E adiante (nº.23): "Os bispos, individualmente, são o visível princípio e fundamento da unidade em suas igrejas particulares". Portanto, a preciosa valorização do leigo, ensinada pelo Concílio, só é autêntica quando é respeitada a missão sagrada do Pastor da diocese.

Outro aspecto importante para o êxito do trabalho social dos fiéis é o fato da Igreja também participar das leis do mundo em que está inserida. Esta constatação exige que sejam conhecidas as normas específicas desse campo onde igualmente trabalha, tanto na Cultura, como na Educação, na Promoção social. É evidente que, por exemplo, numa campanha pela saúde, um médico mais capacitado alcançará melhores resultados. É justo que seja valorizado também este aspecto, que torne a iniciativa do médico mais útil ao próximo. Mas surge daí um duplo perigo: de um lado, pode prevalecer o aspecto técnico, em si valioso, sobre o da inspiração cristã propriamente dita. O cristão é, então, visto primeira e principalmente como técnico e não como testemunha de Fé e de vida.

Não se veja a Igreja apenas como uma entidade mística que se desliga do drama e do sofrimento da História, querendo antecipar as alegrias espirituais que serão plenas no céu. Seria igualmente errado o outro extremo: querer ver na obra de Cristo principalmente uma mera organização humana, uma entidade filantrópica, empresarial, política ou cultural.

Diz o Concílio Vaticano II com toda a clareza: "A missão própria que Cristo confiou à sua Igreja por certo não é de ordem política, econômica ou social, pois a finalidade que Cristo lhe prefixou é de ordem religiosa" ("Gaudium et Spes", nº 42.2).

Todavia a missão religiosa que Cristo confiou à sua Igreja exige demonstração através de iniciativas que transformem o mundo, ou como diz o Papa Pio XII, em sua Encíclica "Mystici Corporis": "A caridade (divina para conosco e nosso amor a Deus) torna-se vã (...) se não se demonstram efetivos com boas obras" (nº 72).

O admirável é o homem ser chamado por Jesus Cristo para participar eternamente deste amor e da própria vida trinitária. Ninguém pode participar deste admirável dom, se não assumir a missão de anunciar e revelar o eterno e divino Amor aos seus irmãos. Por isso, a dimensão religiosa deve se traduzir em expressão de amor ao próximo. E isto não só manifesta como faz crescer o amor entre Deus e nós

O Concílio Vaticano II diz, ao referir-se à pregação dos bispos, "aos quais foi confiada a missão de dirigir a Igreja de Deus, (...) todas as atividades terrestres dos fiéis sejam banhadas pela luz do Evangelho"("Gaudium et Spes" nº 43,5)

Jesus no Evangelho deu-nos esse princípio duplo: pela fé e a graça santificante os fiéis vivem em comunhão real e vital com a Santíssima Trindade. Ou, na linguagem da Bíblia, os leigos estão na medida de sua santidade pessoal em comunhão viva com Cristo, que é a Cabeça do seu Corpo Místico, a Igreja. Entretanto, esta verdadeira compenetração recíproca entre Cristo e os cristãos prolonga-se de modo misterioso no relacionamento fraterno entre os cristãos. Quem toca no irmão toca realmente em Jesus Cristo; e quem despreza ou menospreza o irmão menospreza realmente o próprio Cristo.

Toda obra de caridade, promoção humana, de inter-ajuda fraterna jamais pode limitar-se ao aspecto técnico, organizacional, sociológico. Deve ser visível reflexo do amor de Cristo e de Deus Pai por nós. Por mais importante que seja o aspecto da funcionalidade organizacional, eficiência técnica e comprometimento dos beneficiados com nossas obras, o essencial e primordial em toda atividade da Igreja, dos Pastores, dos fiéis é esta função missionária: anunciar, antes de tudo e prioritariamente, o amor de Deus por este mundo.

Entre os fiéis, a manifestação do amor divino é a primeira razão de ser de toda obra social. Outros aspectos culturais sociológicos, econômicos podem ser parte significativa da atividade dos cristãos, mas em posição secundária, totalmente subordinados à meta principal. Por isso, o homem de fé jamais pode fechar-se em um sistema burocrático nem tão pouco limitar-se a uma justa competência técnica. Ele deve sempre viver sua atuação em prol dos irmãos como uma manifestação da santidade de Deus. Isso não implica em proselitismo. Sendo o Corpo Místico de Cristo Ressuscitado, Ela toca sempre na divina intimidade, é o aspecto místico e, ao mesmo tempo, tem estruturas pois é o "corpo".

Essas reflexões são particularmente importantes em uma atmosfera onde se respiram anseios de uma democracia absoluta, liberdade sem qualquer freio, total independência, igualitarismo que redundam em uma comunidade eclesial deformada, diferente da instituída por Cristo. Somente a prática da virtude da obediência nos manterá fiéis ao Senhor Jesus.

VOZ DO PASTOR

D. Eugênio de Araújo Sales

24/03/2000

Vilipêndio ao sagrado

Os limites da atuação humana, conseqüência de sua natureza finita, sofrem a influência do mal no mundo, que é uma presença constante na história da Humanidade. A elaboração das leis pela inteligência criada e iluminada pelo Pai e sua observância, são fatores básicos para o progresso autêntico das nações e a paz, a concórdia entre os cidadãos. Ninguém de bom senso contradiz essa verdade, defendendo atitudes que agridem, por exemplo, uma Constituição feita por pessoas delegadas pela comunidade nacional, que deveriam conhecer os direitos inalienáveis de Deus.

O Brasil, em sua lei básica, com uma clareza meridiana, assim se expressa no Artigo 5º, inciso VI: "É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias." O Código Penal Brasileiro, no Título V, Capítulo I, Dos crimes contra o sentimento religioso, Artigo 208, trata do ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo: "Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa, impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso, vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso". A pena é a detenção de um mês a um ano, ou multa.

Evidentemente, nenhuma pessoa equilibrada e de caráter bem formado coloca suas paixões, interesses particulares acima dessa norma fundamental à boa convivência entre os cidadãos. Sem dúvida, os pareceres, as opiniões, são os mais variados e díspares. Basta passar os olhos pelas colunas de jornais, programas de emissoras de rádio e televisão, pela internet. A extrema pobreza material e moral de uns, as válidas advertências de outros nos levam a reconhecer a importância do discernimento para não sermos joguetes em mãos ineptas.

Um terreno que vem sendo alvo de crescentes e injustas críticas é a Igreja Católica e seu passado e não apenas fatos do presente. Isso ocorre com uma instituição, no seu gênero, única no mundo, que está a sobreviver por dois milênios, essencialmente a mesma no que se refere à identidade. Cresce seu prestígio. Felizmente, as imagens de televisão contradizem com freqüentes informações distorcidas. Pude constatar o extraordinário sucesso do Jubileu nestes primeiros meses, em Roma, contrariando algumas afirmações na mídia aqui. Quanto ao Rio, onde estou há quase três décadas, multiplicaram-se as paróquias, as construções de igrejas e de capelas, aumentou o número de Missas aos domingos para poder atender à expansão da freqüência de fiéis. Significativo o entusiasmo por ser católico, como vimos no Maracanã, por ocasião do "Em nome do Pai", A pesquisa do trabalho social da Arquidiocese, feito pelo CERIS (Centro de Estatística Religiosa e Informações Sociais) é elucidativa e conclusiva. No entanto, permanece ou cresce o ataque à Igreja de Cristo, mesmo quando há um gesto tão extraordinário e belo, como o do Papa pedindo perdão pelas faltas dos cristãos no decorrer dos séculos.

No entanto, a orquestração anti-clerical continua. Evidentemente, como Pastor perdôo mas devo alertar meu rebanho para esta situação que fere fundamentalmente o Povo de Deus. Respondo com o crescimento da prática religiosa, as grandes concentrações, os retiros espirituais, como o último no Maracanãzinho, de 4 a 7 de março, que chegou a contar 25.000 participantes num só dia.

Sem amargura, mas fiel ao meu dever, incluo entre as mais graves ocorrências o vilipêndio do Sagrado. Surgem roteiros sem um só fundamento histórico. Somente hipóteses nascidas do ódio da criatura ao Criador. A lama é lançada sobre a Virgem Maria, Cristo e Madalena. Isso revela que a responsabilidade também é de quem dá apoio, pela divulgação, pelo não-cumprimento da lei, pela difusão da anarquia na sociedade.

Resta o apelo à Justiça, mas esta é administrada por homens.

Nada mais abjeto do que acobertar com a libertinagem sinais do Sagrado provocando a pública degradação da dignidade humana, especialmente do pudor do elemento feminino. Como serão as mães de amanhã, se assim procedem hoje?

Desse clima são também vítimas as próprias Autoridades. Estas, por não zelarem devidamente pelos direitos do Senhor, recebem a paga pelo dissabor advindo do desrespeito à sua função, que importa ser acatada.

Essas considerações não chegam a levar o verdadeiro cristão à amargura ou ao pessimismo. Há uma experiência bimilenar e eis a vitalidade da obra de Cristo, em nossos dias. Sempre disposta ao perdão para quem se converte, aberta à paciência e ao acolhimento.

A Escritura, no Livro de Isaías (21,11) tem uma frase que define o papel do Pastor: "Custos quid de nocte?": "Guarda, como transcorre a noite?" Os responsáveis pelo Reino devem estar sempre de atalaia. Vigilantes pelo rebanho, advertem, quer sejam compreendidos ou não. Lutar sempre contra o vilipêndio ao Sagrado. E é vilipêndio ao Sagrado utilizar imagens, objetos de culto em manifestações que ferem a Moral cristã. Urge agradar a Deus, mesmo descontentando o pecador.

Diante do século e milênio que se abrem, o Santo Padre, falando aos 181 Embaixadores junto à Santa Sé, em 10 de fevereiro último, na oportunidade da apresentação de votos de Natal, assim resumiu o objetivo do seu trabalho: "É preciso que Deus tenha o lugar que lhe é próprio, na vida dos homens: o primeiro lugar!"

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