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Doutrina Católica

O ESPÍRITO SANTO

Princípio de Santificação

L’OSSERVATORE ROMANO – Nº 30 – 25/07/98

1. O gesto de Jesus, que na noite da Páscoa “soprou” sobre os Apóstolos comunicando-lhes o Espírito Santo (cf. Jo 20, 21-22), evoca a criação do homem, descrita pelo Gênesis como a comunicação de “um sopro de vida” (2,7). O Espírito Santo é como o “respiro” do Ressuscitado, que infunde a nova vida na Igreja representada pelos primeiros discípulos. O sinal mais evidente desta nova vida é o poder de perdoar os pecados. Efetivamente, Jesus diz: “Recebei o Espírito Santo. Os pecados daqueles que perdoardes, serão perdoados. Os pecados daqueles que não perdoardes, não serão perdoados” . (Jo 20, 22-23). Quando se efunde “o Espírito de Santificação” (Rm 1,4), destrói-se o que se opõe à santidade, ou seja, o pecado. Segundo a palavra de Cristo, o Espírito Santo é aquele que “convence o mundo do pecado” (Jo 16,8). Ele faz com que se tome consciência do pecado, mas ao mesmo tempo é Ele mesmo que perdoa os pecados. A este propósito, S. Tomás observa: “Dado que é o Espírito Santo que funda a nossa amizade com Deus, é normal que por meio d’Ele Deus perdoe os nossos pecados” (Contr. Gent. 4,21,11).

2. O Espírito do Senhor não só destrói o pecado, mas realiza também uma santificação e divinização do homem. Deus “escolheu-nos – diz São Paulo – desde o princípio, para a salvação pela ação santificadora do Espírito e pela fé que vem da verdade” (cf. 2 Ts 2,13). Vejamos mais de perto em que consiste esta “santificação-divinização”. O Espírito Santo é “Pessoa-Amor. é Pessoa-Dom” (Dominum et vivificantem, 10). Este amor concedido pelo Pai, recebido e retribuído pelo Filho, é comunicado ao homem remido, que assim se torna “homem novo” (Ef 4,24), “nova criação” (Gl 6,15). Nós, cristãos, somos não só purificados do pecado, mas também regenerados e santificados. Recebemos uma nova vida, porque nos tornamos “participantes da natureza divina” (2 Pd 1,4): somos “chamados filhos de Deus. E somo-lo de fato!” (1 Jo 3,1). É a vida da graça: o dom gratuito com que Deus nos faz partícipes da sua vida trinitária. As três Pessoas divinas, na sua relação com os batizados, não devem ser separadas – porque cada um age sempre em comunhão com as outras – nem confundidas, pois cada Pessoa se comunica enquanto Pessoa. Na reflexão sobre a graça, é importante evitar concebê-la como uma “coisa”. Ela é, “antes de tudo e principalmente o dom do Espírito que nos justifica e nos santifica” (Catecismo da Igreja Católica, nº 2003). É a dádiva do Espírito Santo que nos assimila ao Filho e nos coloca em relação filial com o Pai: no único Espírito, através de Cristo, temos acesso ao Pai (cf. Ef. 2,18).

3. A presença do Espírito Santo realiza uma transformação que atingue o homem verdadeira e intimamente: é a graça santificadora ou deificadora que eleva o nosso ser e o nosso agir, tornando-nos capazes de viver em relação com a Santíssima Trindade. Isto acontece mediante as virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade, que “adaptam as faculdades do homem à participação da natureza divina” (Catecismo da Igreja Católica, 1812). Assim, mediante a fé o crente considera Deus, os irmãos e a história não simplesmente segundo a perspectiva da razão, mas sob o ponto de vista da revelação divina. Com a esperança, o homem olha para o futuro com certeza confiante e ativa, esperando contra toda a esperança (cf. Rm 4, 18), com o olhar fixo na meta da bem-aventurança eterna e da plena realização do Reino de Deus. Com a caridade, o discípulo compromete-se em amar a Deus com todo o coração e o próximo como o Senhor Jesus nos amou, ou seja, até ao Dom total de si mesmo.

4. A santificação de cada fiel verifica-se sempre através da incorporação na Igreja. “A vida de cada filho de Deus em Cristo e mediante Cristo está vinculada com laços maravilhosos à vida de todos os outros irmãos cristãos, na unidade sobrenatural do Corpo místico de Cristo, até quase a formar uma única pessoa mística” (Paulo VI, Const. Apost. Indulgentiarum doctrina,5). Este é o mistério da comunhão dos Santos. Um vínculo perene de caridade une todos os “santos”, tanto aqueles que já alcançaram a pátria celeste ou que ainda se estão a purificar no Purgatório, como aqueles que ainda são peregrinos na terra. entre estes, existe também abundante intercâmbio de bens, a tal ponto que a santidade de um beneficia todos. S. Tomás afirma: “quem vive na caridade, participa em todo o bem que se faz no mundo” (In Symb, Apost.), e ainda: “O ato de um realiza-se mediante a caridade do outro, daquela caridade por meio da qual todos nós somos um só em Cristo” (In IV Sent. d. 20, ª2; q. 3 ad 1).

5. O Concílio recordou que “todos os fiéis, seja qual for o seu estado ou classe, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade” (Lumen gentium, 40). Concretamente, para cada fiel o caminho para se tornar santo é o da fidelidade à vontade de Deus, como no-lo exprimem a sua Palavra, os mandamentos e as inspirações do Espírito Santo. Assim como para Maria e para todos os santos, também para nós a perfeição da caridade consiste no abandono confiante nas mãos do Pai, segundo o exemplo de Jesus. Isto torna-se mais uma vez possível graças ao Espírito Santo, que também nos momentos mais difíceis nos faz repetir com Jesus: “Eis-me aqui para fazer a tua vontade” (cf. Hb 10,7).

6. Esta santidade reflete-se de forma própria na vida religiosa, na qual a consagração batismal é vivida no compromisso de um seguimento radical do Senhor, através dos conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência. “Assim como toda a existência cristã, também a vocação à vida consagrada está intimamente relacionada com a obra do Espírito Santo. É Ele que, pelos milênios fora, sempre induz novas pessoas a sentirem a atração por uma opção tão comprometedora (...). É o Espírito que suscita o desejo de uma resposta cabal; é Ele que guia o crescimento deste anseio, fazendo amadurecer a resposta positiva e sustentando depois a sua fiel realização; é Ele que forma e plasma o espírito dos que são chamados, configurando-os a Cristo casto, pobre e obediente, impelindo-os a assumirem a sua missão”. (Exortação Apostólica Vota consecrata, 19). Uma eminente expressão de santidade, que se torna possível mediante a força do Espírito Santo, é o martírio, supremo testemunho do Senhor Jesus, dado com o sangue. Mas uma significativa e fecunda forma de testemunho é já o compromisso cristão, vivido nas várias condições de vida, dia a dia numa radical fidelidade ao mandamento do amor.

O ESPÍRITO SANTO NA ORIGEM DA IGREJA

L’OSSERVATORE ROMANO Nº 40 – 06/10/91

1. Referimo-nos mais do que uma vez, nas catequeses passadas, à intervenção do Espírito Santo na origem da Igreja. É justo que agora dediquemos uma catequese especial a este tema tão lindo e importante. É o próprio Jesus que antes de subir ao Céu diz aos Apóstolos: “E Eu vou mandar sobre vós O que Meu Pai prometeu. Entretanto, permanecei na cidade até serdes revestidos com a força lá do Alto” (Lc. 24, 49). Jesus pretende preparar diretamente os Apóstolos para o cumprimento da “promessa do Pai”. O evangelista Lucas repete a mesma última recomendação do Mestre nos primeiros versículos dos Atos dos Apóstolos. “No decurso de uma refeição que partilhava com eles, ordenou-lhes que não se afastassem de Jerusalém, mas que esperassem lá o Prometido do Pai”. (1,4). Durante toda a Sua atividade messiânica, Jesus, pregando sobre o Reino de Deus, preparava “o tempo da Igreja”, que havia de Ter início depois da Sua partida. Quando esta já estava próxima, Ele anunciou que se avizinhava o dia em que este tempo havia de iniciar (cf. Act. 1,5), ou seja, o dia da descida do Espírito Santo. E vagueando com o olhar sobre o futuro, acrescentava: “Mas ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis Minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judéia e Samaria, e até aos confins do mundo” (Act. 1,8).

2. Quando chegou o dia do Pentecostes, os Apóstolos, que juntamente com a Mãe do Senhor estavam recolhidos em oração, tiveram a demonstração de que Jesus Cristo agia em conformidade com o que anunciara: isto é, que se estava a cumprir “a promessa do Pai”. Proclamou-o o primeiro dos Apóstolos, Simão, Pedro, ao falar à assembléia. Pedro falou, recordando primeiro a morte na cruz, e depois passou ao testemunho da ressurreição e à efusão do Espírito Santo: “Foi este Jesus que Deus ressuscitou, do que nós somos testemunhas. Tendo sido elevado pela direita de Deus, recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou o que vedes e ouvis”. (Act. 2, 32-33).

3. O Espírito Santo dava assim início à missão da Igreja instituída para todos os homens. Mas não podemos esquecer que o Espírito operava como “Deus desconhecido” (cf. Act. 17,23), também antes do Pentecostes. Operava de modo particular na Antiga Aliança, iluminando e conduzindo o povo eleito pelo caminho que levava a história antiga rumo ao Messias. Operou sobretudo na encarnação do Filho, como testemunham o Evangelho da anunciação e a história dos acontecimentos seguintes, ligados à vinda ao mundo do Verbo eterno, que tinha assumido a natureza humana. O Espírito Santo operou no Messias e em torno do Messias desde o momento em que Jesus deu início à Sua missão messiânica em Israel, como resulta dos textos evangélicos sobre a teofania no momento do batismo no Jordão e as Suas declarações na sinagoga de Nazaré. Mas desde aquele mesmo momento e ao longo de toda a vida de Jesus, a expectativa acentuava-se e renovavam-se as promessas de uma futura e definitiva vinda do Espírito Santo. João Batista ligava a missão do Messias a um novo batismo “no Espírito Santo”. Jesus prometia aos que acreditavam n’Ele “rios de água viva”: promessa narrada pelo Evangelho de João, que a explica assim: “Jesus falava do Espírito que deviam receber os que n’Ele acreditassem; pois o Espírito ainda não viera, por Jesus não Ter sido ainda glorificado” (Jo 7,39). No dia de Pentecostes, Cristo, tendo sido já glorificado depois do cumprimento final da Sua missão, fez correr do Seu seio os “rios de água viva” e derramou o Espírito para encher de vida divina os Apóstolos e todos os crentes. Estes puderam, assim, ser “batizados num só Espírito” (cf. 1 cor. 12,13). E foi o início do crescimento da Igreja.

4. Como escreve o Concílio Vaticano II, “Cristo enviou o Espírito Santo de junto do Pai, para realizar interiormente a Sua obra salvífica e mover a Igreja à sua própria dilatação. Sem dúvida alguma, o Espírito Santo estava já a operar no mundo, antes da glorificação do Filho. Contudo, desceu sobre os discípulos no dia de Pentecostes, para com eles permanecer eternamente; a Igreja manifestou-se publicamente diante da multidão, a difusão do Evangelho entre as gentes através da pregação teve o seu início, e, finalmente, a união dos povos na catolicidade da fé foi prefigurada na Igreja na Nova Aliança que fala todas as línguas, e todas as línguas entende e abraça na caridade, triunfando assim da dispersão de Babel” (AG, 4). O texto conciliar põe em relevo em que consiste a ação do Espírito Santo na Igreja, iniciando a partir do dia de Pentecostes. Trata-se de uma ação salvífica, interior, que ao mesmo tempo se exprime exteriormente no nascimento da comunidade e instituição de salvação. Esta comunidade – a comunidade dos primeiros discípulos – está totalmente permeada pelo amor, que supera todas as diferenças e as divisões de ordem terrena. É sinal disto o evento pentecostal de uma expressão de fé em Deus compreensível a todos, apesar da diversidade das línguas. Atestam-nos os Atos dos Apóstolos que a gente, reunida em redor dos Apóstolos, naquela primeira manifestação pública da Igreja, dizia maravilhada: “Mas quê! Essa gente que está a falar não é da Galiléia ? Que passa, então, para que cada um de nós os ouça falar na nossa língua materna?” (Act. 2,7-8).

5. A Igreja que tinha nascido daquele modo no dia do Pentecostes, por obra do Espírito Santo, manifesta-se imediatamente ao mundo. Não é uma comunidade fechada, mas aberta – dir-se-ia escancarada – a todas as nações “até aos confins do mundo” (Act 1,8). Aqueles que entram nesta comunidade, mediante o Batismo, tornam-se, em virtude do Espírito Santo de verdade, testemunhas da boa nova, prontas a transmití-la aos outros. É, por conseguinte, uma comunidade dinâmica, apostólica: a Igreja “em estado de missão”. O Espírito Santo, em primeiro lugar, “dá testemunhos de Cristo (cf. Jo 15, 26), e este testemunho invade a alma e o coração daqueles que participam do Pentecostes, os quais se tornam, por sua vez, testemunhas e anunciadores. As “línguas à maneira de fogo” (Act. 2,3), pousadas sobre a cabeça de cada um dos presentes, constituem o sinal exterior do entusiasmo ateado neles pelo Espírito Santo. Este entusiasmo estende-se dos Apóstolos aos seus ouvintes, assim como já no primeiro dia depois do discurso de Pedro “se juntaram ... cerca de três mil almas” (Act. 2,41).

6. O livro inteiro dos Atos dos Apóstolos é uma grande descrição da ação do Espírito Santo nos inícios da Igreja, a qual – como lemos – “crescia como um edifício e caminhava no temor do Senhor, com a assistência do Espírito Santo” (cf. Act. 9,31). Sabe-se que não faltavam nem as dificuldades nem as perseguições, e que se tiveram os primeiros mártires. Mas os Apóstolos tinham a certeza que era o Espírito Santo a guiá-los. Esta sua convicção ter-se-ia de certo modo formalizada na sentença conclusiva do Concílio de Jerusalém, cujas resoluções iniciam com as palavras: “o Espírito Santo e nós próprios resolvemos ...” (Act. 15, 28). A comunidade atestava, deste modo, a própria consciência de se mover sob a ação do Espírito Santo.

O ESPÍRITO SANTO

PENHOR DA ESPERANÇA E FONTE

DA PERSEVERANÇA FINAL

L’OSSERVATORE ROMANO Nº 27 – 07/07/91

1. Entre os maiores dons, que São Paulo indica aos Coríntios como permanentes, há a esperança (cf. 1 Cor. 12,31). Ela tem um papel fundamental na vida cristã, como o têm a fé e a caridade, embora “a maior delas seja a caridade!” (cf. 1 Cor. 13,13). É claro que a esperança não deve ser entendida em sentido restrito de Dom particular ou extraordinário, concedido a alguns para o bem da comunidade, mas como Dom do Espírito Santo oferecido a cada homem, que , na fé, se abre a Cristo. A este Dom há-de ser prestada uma particular atenção, especialmente no nosso tempo, em que muitos homens – também não poucos cristãos – se debatem entre a ilusão e o mito de uma capacidade infinita de auto-redenção e realização de si, e a tentação do pessimismo, na experiência das frequentes desilusões e derrotas. A esperança cristã, embora incluindo o movimento psicológico da alma, que tende para o bem árduo, todavia coloca-se no nível sobrenatural das virtudes derivadas da graça (cf. Summa Theol., III, q. 7, ª2), como Dom que Deus faz ao crente, em ordem à vida eterna. É, por conseguinte, uma virtude típica do homo viator, do homem peregrino, que embora conheça Deus e a vocação eterna mediante a fé – ainda não chegou à visão. A esperança, de certo modo, fá-lo “penetrar além do véu”, como diz a Carta aos Hebreus (cf. Heb. 6,19).

2. Essencial nesta virtude, portanto, é a dimensão escatológica. No Pentecostes, o Espírito Santo veio cumprir as promessas incluídas no anúncio da salvação, como lemos nos Atos dos Apóstolos: Jesus “tendo sido elevado pela direita de Deus, recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou o que vedes e ouvis”. (Act. 2,33). Mas este cumprimento da promessa projeta-se sobre toda a história, até aos últimos tempos. Para aqueles que possuem a fé na palavra de Deus ressoada em Cristo e pregada pelos Apóstolos, a escatologia começou a realizar-se, aliás já se pode dizer realizada no seu aspecto fundamental: a presença do Espírito Santo na história humana, que do evento do Pentecostes adquire significado e impulso vital em ordem à meta divina de cada homem e da humanidade inteira. Enquanto a esperança do Antigo Testamento tinha como fundamento a promessa da perene presença e providência de Deus, que se teria manifestado no Messias, no Novo Testamento a esperança, pela graça do Espírito Santo que está na sua origem, já comporta uma posse antecipada da glória futura. Nesta perspectiva, São Paulo afirma que o Dom do Espírito Santo é como um penhor da felicidade futura: “fostes marcados – escreve ele aos Efésios – com o selo do Espírito Santo, que tinha sido prometido; o qual é o penhor da nossa herança, enquanto esperamos a completa redenção daqueles que Deus adquiriu para o louvor da Sua glória” (Ef. 1, 13-14; cf. 4,30; 2 Cor 1,22). Pode-se dizer que na vida cristã na terra há como que uma iniciação na plena participação na glória de Deus: e é o Espírito Santo a constituir a garantia da obtenção da plenitude da vida eterna, quando por efeito da redenção forem vencidos também todos os restos do pecado, como a dor e a morte. Assim, a esperança cristã não só é uma garantia, mas uma antecipação da realidade futura.

3. A esperança acesa no cristão pelo Espírito Santo tem também uma dimensão que se diria cósmica, incluindo a terra e o céu, o experimentável e o inacessível, o conhecido e o desconhecido. “A criação – escreve São Paulo – aguarda ansiosa a revelação dos filhos de Deus; se ela foi com a esperança de ser, também ela, libertada da escravidão da corrupção para participar, livremente, da glória dos filhos de Deus. Sabemos, com efeito, que toda a criação tem gemido e sofrido as dores do parte, até ao presente. E não só ela, mas também nós próprios, que possuímos as primícias do Espírito, gememos igualmente em nós mesmos, aguardando a filiação adotiva, a libertação do nosso corpo” (cf. Rm. 8, 19-23). O cristão, consciente da vocação do homem e do destino do universo, capta o sentido daquela gestação universal e descobre que se trata da divina adoção para todos os homens, chamados a participar na glória de Deus, que se reflete sobre toda a criação. Desta adoção o cristão sabe que já possui as primícias no Espírito Santo, e portanto olha com serena esperança para o destino no mundo, embora entre as tribulações do tempo. Iluminado pela fé, ele compreende o significado e quase experimenta a verdade do seguinte texto da Carta aos Romanos, onde o Apóstolo nos assegura que “o Espírito vem em ajuda da nossa fraqueza, pois não sabemos o que devemos pedir em nossos corações, mas é o próprio Espírito que intercede por nós com gemidos inefáveis. Aquele que perscruta os corações bem sabe qual é o empenho do Espírito, pois é em conformidade com Deus que Ele intercede pelos Santos. Ora nós sabemos que Deus concorre em tudo para o bem dos que O amam, daqueles que, segundo o Seu desígnio, são eleitos” (Rom. 8,26-28).

4. Como se vê, é no sacrário da alma que vive, reza e atua o Espírito Santo, o qual faz entrar cada vez mais na perspectiva do fim último, Deus, conformando toda a nossa vida ao Seu plano salvífico. Portanto Ele próprio nos faz rezar rezando em nós, com sentimentos e palavras de filhos de Deus (cf. Rm., 8, 15,26-27); Gál. 4,6; Ef. 6,18), em íntima ligação espiritual e escatológica com Cristo, que está sentado à direita de Deus, onde intercede por nós (cf. Rm. 8,34; Heb. 7,25; 1 Jo 2,1). Assim, Ele salva-nos das ilusões e dos falsos caminhos de salvação, enquanto, movendo o coração para a finalidade autêntica da vida, nos liberta do pessimismo e do niilismo, tentações particularmente insidiosas para quem não parta de promessas de fé ou pelo menos de sincera busca de Deus. É preciso acrescentar que também o corpo está envolvido nesta dimensão de esperança, da pelo Espírito Santo á pessoa humana. Diz-no-lo ainda São Paulo: “E, se o espírito d’Aquele que ressuscitou a Jesus dos mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou a Jesus Cristo dos mortos, há-de dar igualmente a vida aos vossos corpos mortais por meio do Seu Espírito, que habita em vós"” (Rom. 8,11; cf. 2 Cor, 5,5). Por agora contentemo-nos em Ter feito presente este aspecto da esperança na sua dimensão antropológica e pessoal, e também na dimensão cósmica e escatológica, sobre a qual havemos de voltar nas catequeses que, se Deus quiser, dedicaremos, na devida altura, a estes artigos fascinantes e fundamentais do Credo cristão: a ressurreição dos mortos e a vida eterna do homem todo, alma e corpo.

4. Uma última anotação: o itinerário terreno da vida tem um tempo que, se for alcançado na amizade com Deus, coincide com o primeiro momento da bem-aventurada. Mesmo que a alma tenha de sujeitar-se, naquela passagem para o Céu, à purificação das últimas escórias, mediante o purgatório, ela já está cheia de luz, de certeza, de alegria, porque sabe que pertence para sempre ao seu Deus. A esse ponto culminante, a alma é conduzida pelo Espírito Santo, autor e dador não só da “primeira graça” da justificação e da graça santificante ao longo da vida terrena inteira, mas também da graça glorificante in hora mortis. É a graça da perseverança final, segundo a doutrina do Concílio de Orange (cf. Denz. 183, 199) e do Concílio de Trento (cf. Denz 806, 809, 832), fundada no ensinamento do Apóstolo, segundo o qual compete a Deus produzir “o querer e o operar” o bem (Fil. 2,13), e o homem deve rezar para obter a graça de fazer o bem até o fim (cf. Rom. 14,4; 1 Cor. 10, 12; Mt. 10,22,24,13).

5. As palavras do Apóstolo Paulo ensinam-nos a ver no Dom da Terceira Pessoa divina a garantia do cumprimento da nossa aspiração à salvação: “A esperança não nos deixa confundidos, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo, que nos foi concedido” (Rom. 5,5). E, portanto: “Quem poderá separar-se do amor de Cristo?”. A resposta é decidida; nada “poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, Nosso Senhor” (Rom. 8,35.39). Portanto, o voto de Paulo é por que abundemos “na esperança, pela virtude do Espírito Santo” (Rom. 15, 13). Radica aqui o otimismo cristão: otimismo sobre o destino do mundo, sobre a possibilidade de salvação do homem em todos os tempos, mesmo nos mais difíceis e duros, sobre o desenvolvimento da história rumo à glorificação perfeita de Cristo (“Ele glorificar-Me-á”: Jo. 16, 14), e a participação plena dos crentes na glória dos filhos de Deus. Com esta perspectiva, o cristão pode ter a cabeça levantada e associar-se à invocação que, segundo o Apocalipse, é o suspiro mais profundo, suscitado na história pelo Espírito Santo: “O Espírito e a Esposa dizem: “Vem!” (Ap. 22, 17). E eis o convite final do Apocalipse e do Novo Testamento: “aquele que ouve diga: “Vem”. Aquele que tem sede, venha! Aquele que o deseja, receba gratuitamente a água da vida ... Vem, Senhor Jesus!”. (Ap. 22, 17,20).

O ESPÍRITO SANTO

protagonista da evangelização

L’OSSERVATRE ROMANO – Nº 27 – 04.07.98

1. Logo depois de o Espírito Santo ter descido sobre os Apóstolos no dia do Pentecostes, eles “começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes dava o poder de se exprimirem” (cf. Act 2,4). Pode-se, portanto, dizer que a Igreja, no momento mesmo em que nasce, recebe como Dom do Espírito a capacidade de “anunciar as maravilhas de Deus” (Act 2,11): é o dom de evangelizar. Este fato implica e revela uma lei fundamental da história da salvação: não se pode em síntese falar do Senhor e em nome do Senhor, sem a graça e o poder do Espírito Santo. Ao servimo-nos de uma analogia biológica, poderíamos dizer assim como a palavra humana é veiculada pelo sopro humano, assim também a Palavra de Deus é transmitida pelo sopro de Deus, pelo seu ruach ou pneuma, que é o Espírito Santo.

2. Este ligame entre o Espírito de Deus e a palavra divina pode-se notar já na experiência dos antigos profetas. A chamada de Ezequiel é descrita como a infusão de um “espírito” na pessoa: “(O Senhor disse-me: “Filho do homem, põe-te de pé; vou falar-te”. O espírito penetrou em mim, enquanto me falava, e mandou-me pôr de pé; e ouvi alguém que me chamava”. (Ez 2,1-2). No livro de Isaías lê-se que o futuro servo do Senhor proclamará o direito às nações, precisamente porque o Senhor pôs o Seu espírito sobre ele (cf. 42,1). Segundo o profeta Joel, os tempos messiânicos serão caracterizados por uma universal efusão do Espírito: “Depois disto, acontecerá que derramarei o Meu Espírito sobre toda a carne” (Jl 3,1); por efeito desta comunicação do Espírito, “os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão” (ibid).

3. Em Jesus, o ligame Espírito-Palavra atinge o vértice: de fato, Ele é a própria Palavra que Se fez carne “por obra do Espírito Santo”. Começa a pregar “com o poder do Espírito Santo” (cf. Lc 4,14 ss.). Em Nazaré, na Sua pregação inaugural aplica a Si a passagem de Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre Mim (...) enviou-Me para anunciar a Boa Nova aos pobres” (Lc 4,18). Como ressalta o quarto Evangelho, a missão de Jesus, “Aquele que Deus enviou” e “profere as palavras de Deus”, é fruto do Dom do Espírito, que Ele recebeu e dá “sem medida” (cf. Jo 3,34). Ao aparecer aos Seus no cenáculo na tarde da Páscoa, Jesus faz o gesto muito expressivo de “soprar” sobre eles, dizendo: “Recebei o Espírito Santo” (cf. Jo 20, 21-22). Sobre aquele sopro se desenvolve a vida da Igreja. “O Espírito Santo é o protagonista de toda a missão eclesial” (Redempt. miss., 21). A Igreja anuncia o Evangelho graças à Sua presença e à Sua força salvífica. Ao dirigir-se aos cristãos de Tessalonica, São Paulo afirma : “O nosso Evangelho não vos foi pregado somente com palavras, mas também com poder e com o Espírito Santo” (1 Ts 1,5). São Pedro define os apóstolos “aqueles que anunciaram o Evangelho no Espírito Santo” (1 Pd 1,12). Mas o que significa “evangelizar no Espírito Santo”? Sinteticamente, pode-se dizer: significa evangelizar na força, na novidade, na unidade do Espírito Santo.

4. Evangelizar na força do Espírito quer dizer ser investido daquele poder que se manifestou de modo supremo na atividade evangélica de Jesus. O Evangelho diz-nos que os ouvintes se maravilharam com Ele, porque “lhes ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas” (Mc 1,22). A palavra de Jesus “expulsa os demônios, aplaca as tempestades, cura dos doentes, perdoa os pecadores, ressuscita os mortos. A autoridade de Jesus é comunicada pelo Espírito, como Dom pascal, à Igreja. Vemos assim os apóstolos ricos de parresia, ou seja, daquele franqueza que os faz falar de Jesus sem medo. Os adversários ficam maravilhados com isto, “considerando que eram iletrados e plebeus” (Act 4,13). Também Paulo, graças ao Dom do Espírito da Nova Aliança, pode afirmar com toda a verdade: “Tendo, pois, esta esperança, agimos com plena segurança” (2 Cor 3,12). Esta força do Espírito é mais do que nunca necessária ao cristão do nosso tempo, ao qual é pedido que dê testemunho da sua fé num mundo com freqüência indiferente, se não hostil, fortemente marcado como está pelo relativismo e pelo hedonismo. E uma força de que têm necessidade sobretudo os pregadores, que devem repropor o Evangelho sem ceder a compromissos e falas tergiversações, anunciando a verdade de Cristo “oportuna e inoportunamente” (2 Tm 4,2).

5. O Espírito Santo assegura ao anúncio também um caráter de atualidade sempre renovada, a fim de que a pregação não decaia em vazia repetição de fórmulas e em inexpressiva aplicação de métodos. Com efeito, os pregadores devem estar ao serviço da “Nova Aliança”, a qual não é “da letra”, que faz morrer, mas “do Espírito”, que faz viver (cf. 2 Cor 3,6). Não se trata de propagar o “regime antigo da letra”, mas o “regime novo do Espírito” (cf. Rm 7,6). é uma exigência hoje particularmente vital para a “nova evangelização”. Esta será deveras “nova” no fervor, nos métodos, nas expressões, se aquele que anuncia as maravilhas de Deus e fala em nome d’Ele, tiver antes escutado Deus tornando-se dócil ao Espírito Santo. Fundamental é, portanto, a contemplação feita de escuta e oração. Se o anunciador não ora, acabará por pregar a si mesmo” (cf. 2 Cor 4,5) e as suas palavras reduzir-se-ão a “conversas vãs e profanas” (cf. 2 Tm 2,16).

6. O Espírito, por fim, acompanha e estimula a Igreja a evangelizar na unidade, construindo a unidade. O Pentecostes aconteceu quando os discípulos “se encontravam todos reunidos no mesmo lugar” (Act 2,1) e se entregavam “(todos) ... assiduamente à oração” (ibid., 1,14). Depois de ter recebido o Espírito Santo, Pedro pronuncia o primeiro discurso à multidão, “de pé, com os Onze” (ibid., 2, 14): é o ícone dum anúncio coral, que assim deve permanecer também quando os anunciadores estiverem dispersos pelo mundo. Anunciar Cristo sob o impulso do único Espírito, no limiar do terceiro milênio, implica para todos os cristãos um esforço concreto e generoso em prol da plena comunhão. E o grande empreendimento do ecumenismo, a ser ajudado com sempre renovada esperança e eficaz empenho, embora os tempos e os êxitos estejam nas mãos do Pai, que nos pede humilde prontidão ao acolher os Seus desígnios e as inspirações interiores do Espírito.

O ESPÍRITO SANTO NO ANTIGO TESTAMENTO

L’OSSERVATORE ROMANO Nº 20 (272) 16.05.98

1. Na preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000, o corrente ano é dedicado de modo particular ao Espírito Santo. Procedendo no caminho iniciado para a Igreja inteira, depois de ter concluído a temática cristológica, hoje começamos uma reflexão sistemática sobre Aquele “que é Senhor e dá a vida”. Em múltiplas ocasiões falei amplamente a respeito da terceira pessoa da Santíssima Trindade. Recordo, em particular, a Encíclica “Dominum et vivificantem” e a catequese sobre o Credo. A perspectiva do iminente Jubileu oferece-me a ocasião para voltar de novo à contemplação do Espírito Santo, a fim de perscrutar com espírito adorante a ação que Ele realizar no fluxo do tempo e da história.

2. Na realidade esta contemplação não seria fácil, se o próprio Espírito não viesse em ajuda da nossa debilidade (cf. Rm 8,26). Como discernir, com efeito, a presença do Espírito de Deus na história ? Só podemos dar uma resposta a esta pergunta recorrendo às Sagradas Escrituras que, inspiradas pelo Paráclito, nos revelam progressivamente a Sua ação e a Sua identidade. Elas manifestam-nos, de certo modo, a “linguagem” do Espírito, o Seu “estilo”, a Sua “lógica” . A realidade em que Ele atua, é possível lê-la também com olhos que penetram para além duma simples observação exterior, captando atrás das coisas e dos eventos os traços da Sua presença. A própria Escritura, desde o Antigo Testamento, ajuda-nos a compreender que nada de quanto é bom, verdadeiro e santo no mundo, se pode explicar independentemente do Espírito de Deus.

3. Uma primeira velada referência ao Espírito encontra-se desde as primeiras linhas da Bíblia, no hino a Deus criador com que se abre o livro do Gênesis: “O Espírito de Deus movia-Se sobre a superfície das águas” (Gn 1,2). Para dizer “espírito” usa-se aqui a palavra hebraica ruach que significa “sopro” e pode designar tanto o vento como o respiro. Como se sabe, este texto pertence à chamada “fonte sacerdotal” que remonta ao período do exílio babilônico (VI séc. a . C.), quando a fé de Israel tinha chegado explicitamente à concepção monoteísta de Deus. Ao tomar consciência do poder criador do único Deus, graças à luz da revelação, Israel chegou a intuir que Deus criou o universo com a força da Sua palavra. Unido a esta, emerge o papel do Espírito, cuja percepção é favorecida pela mesma analogia da linguagem que, por associação, vincula a palavra ao sopro dos lábios: “Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, pelo sopro (ruach) da Sua boca, todos os seus exércitos” (Sl 33,6). Este sopro vital e vivificante de Deus não está limitado ao instante inicial da criação, mas sustém em permanência e vivifica toda a criação, renovando-a continuamente: “Se lhes enviais o Vosso espírito, voltam à vida, e renovais a face da terra” (Sl 104,30).

4. A novidade mais característica da revelação bíblica é ter divisado na história o campo privilegiado da ação do Espírito de Deus. Em cerca de 100 passagens do Antigo Testamento o ruach JHWH indica a ação do Espírito do Senhor que guia o Seu povo, sobretudo nos grandes momentos do seu caminho. Assim, no período dos juízes, Deus fazia descer o seu Espírito sobre homens débeis e transformava-os em guias carismáticos, investidos de energia divina: é o que aconteceu com Jedeão, Jefte e em particular com Sansão (cf. Jz 6,34; 11, 29; 13, 25; 14.6.19). Com o advento da monarquia davídica esta força divina, que até então se manifestara de modo imprevisível e intermitente, alcança uma certa estabilidade. Isto é bem constatado na consagração régia de David, a propósito do qual a Escritura diz: “A partir daquele dia o Espírito do Senhor apoderou-Se de David” (1 Sm 16,13). Durante e depois do exílio na Babilônia toda a história de Israel é relida como um longo diálogo estabelecido por Deus com o povo eleito, “pelo Seu Espírito, pelo ministério dos profetas do passado” (Zc 7,12). O profeta Ezequiel torna explícito o ligame entre o espírito e a profecia, por exemplo quando diz: “Então desceu sobre mim o espírito de Deus e disse-me: “Diz: Assim fala Deus...”. (Ez 11,5). Mas a perspectiva profética aponta sobretudo no futuro o tempo privilegiado em que se cumprirão as promessas no sinal do ruach divino. Isaías anuncia o nascimento de um descendente, sobre o qual “repousará o espírito ... de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de ciência e de temor do Senhor” (Is 11,2-3). “Este texto – como escrevi na Encíclica Dominum et vivificantem – é importante para toda a pneumatologia do Antigo Testamento, porque constitui como que uma ponte entre o antigo conceito bíblico do espírito, entendido primeiro que tudo como “sopro carismático”, e o “Espírito” como pessoa e como Dom, Dom para a pessoa. O Messias da estirpe de David (“do tronco de Jessé”) é precisamente essa pessoa, sobre a qual “pousará” o Espírito do Senhor” (n. 15).

5. Já no Antigo Testamento emergem dois traços da misteriosa identidade do Espírito Santo, depois amplamente confirmados pela revelação do Novo Testamento. O primeiro traço é a absoluta transcendência do Espírito, que por isso chamado “santo” (Is 63, 10.11; Sl 51,13). Para todos os efeitos o Espírito de Deus é “divino”. Não é uma realidade que o homem pode conquistar com as suas forças, mas um Dom que vem do alto: só se pode invocá-lo e acolhê-lo. Infinitamente “outro” a respeito do homem, o Espírito é comunicado com total gratuidade a quantos são chamados a colaborar com Ele na história da salvação. E quando esta energia divina encontra um acolhimento humilde e disponível, o homem é arrancado do seu egoísmo e libertado dos seus temores, e no mundo florescem o amor e a verdade, a liberdade e a paz. Outra característica do Espírito de Deus é o poder dinâmico que Ele revela nas Suas intervenções na história. Às vezes corre-se o perigo de projetar sobre a imagem bíblica do Espírito concepções ligadas a outras culturas como, por exemplo, a concepção do “espírito” como algo evanescente, estático e inerte. A concepção bíblica do ruach está, ao contrário, a indicar uma energia supremamente ativa, poderosa, irresistível: o Espírito do Senhor – lemos em Isaías – “é torrente transbordante” (30,28). Por isso, quando o Pai intervém com o seu Espírito, o caos transforma-se em cosmo, no mundo acende-se a vida, e a história põe-se novamente em caminho.

O ESPÍRITO SANTO NO NOVO TESTAMENTO

L’OSSERVATORE ROMANO 16 (288) Nº 21 – 23/05/98

1. A revelação do Espírito Santo, como pessoa distinta do Pai e do Filho, velada no Antigo Testamento, torna-se clara e explícita no Novo. É verdade que os escritos neotestamentários não nos oferecem um ensinamento sistemático sobre o Espírito Santo. Contudo, recolhendo os muitos dados presentes nos escritos de Lucas, Paulo e João, é possível captar a convergência destes três grandes filões da revelação neotestamentária concernente ao Espírito Santo.

2. Em relação aos outros dois sinópticos, o evangelista Lucas apresenta-nos uma pneumatologia muito mais desenvolvida. No Evangelho ele tem em vista mostrar que Jesus é o único a possuir o Espírito Santo em plenitude. Certamente, o Espírito intervém também em Isabel, Zacarias, João Baptista e sobretudo em Maria, mas só Jesus, ao longo de toda a Sua existência terrena, detém plenamente o Espírito de Deus. Ele é concebido por obra do Espírito Santo (cf. Lc 1, 35). A respeito d’Ele João Baptista dirá: “ Eu batizo-vos em água, mas vai chegar Quem é mais poderoso do que eu (...): Batizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo” (Lc 3,16). Antes de batizar no Espírito Santo e no fogo, Jesus mesmo é batizado no Jordão, quando desce “sobre Ele o Espírito Santo em forma corpórea, como uma pomba” (Lc 3,22). Lucas sublinha que Jesus não só vai ao deserto “levado pelo Espírito Santo”, mas Se dirige para ali “cheio do Espírito Santo” (ibid., 4, 1), e ali vence o tentador. Ele empreende a Sua missão, Jesus aplica a Si mesmo a profecia do livro de Isaías (cf. 61, 1-2): “O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Me ungiu, para anunciar a Boa Nova aos pobres...” (Lc 4,18). Toda a atividade evangelizadora de Jesus é posta assim sob a ação do Espírito. Este mesmo Espírito sustentará a missão evangelizadora da Igreja, segundo a promessa do Ressuscitado aos Seus discípulos: “Eu vou mandar sobre vós O que Meu Pai prometeu. Entretanto, permanecei na cidade até serdes revestidos com a força lá do Alto” (Lc 24,49). Segundo o livro dos Atos, a promessa cumpre-se no dia do Pentecostes: “Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes inspirava que se exprimissem” (2,4). Realiza-se assim a profecia de Joel: “Nos últimos dias, diz o Senhor, derramarei o Meu Espírito sobre toda a criatura. Os vossos filhos e as vossas filhas hão-de-profetizar” (ibid. 2, 17). Lucas vê nos apóstolos os representantes do povo de Deus dos tempos finais, e ressalta com razão que este Espírito de profecia envolve o inteiro povo de Deus.

3. São Paulo, por sua vez, evidencia a dimensão renovadora e escatológica da obra do Espírito, que é visto como a fonte da vida nova e eterna comunicada por Jesus à sua Igreja. Na Primeira Carta aos Coríntios lemos que Cristo, novo Adão, em virtude da ressurreição, Se tornou “Espírito vivificante” (15,45): isto é, foi transformado pela força vital do Espírito de Deus de maneira que Se tornou, por Sua vez, princípio de vida nova para os crentes. Cristo comunica esta vida precisamente através da efusão do Espírito Santo. A existência dos crentes já não é a de escravos, sob a Lei, mas uma vida como filhos, pois receberam o Espírito do Filho nos seus corações e podem exclamar: Abbá, Pai! (cf. Gl 4,5-7; Rm 8, 14-16). E uma vida “em Cristo”, isto é, de pertença exclusiva a Ele e de incorporação à Igreja: “Foi num só Espírito que todos nós fomos batizados, a fim de formarmos um só corpo” (1 Cor 12, 13). O Espírito Santo suscita a fé (cf. 1 Cor 12,3), derrama a caridade nos corações (cf. Rm 5,5) e guia a oração dos cristãos (cf. Rm 8,26). Enquanto princípio de um novo ser, o Espírito Santo determina no crente também um novo dinamismo operativo: “Se vivemos pelo Espírito, caminhemos também segundo o Espírito” (Gl 5,25). Esta nova vida está contraposta à da “carne”, cujos desejos desgostam a Deus e fecham a pessoa na prisão sufocante do eu que se dobra sobre em si mesmo (cf. Rm 8, 5-9). Abrindo-se, ao contrário, ao amor doado pelo Espírito Santo, o cristão pode saborear o fruto do Espírito: amor, alegria, paz, paciência, benevolência, bondade, fidelidade ... (cf. Gl 5, 16-24). Segundo Paulo, contudo, aquilo que agora possuímos é só um “sinal” ou primícias do Espírito (cf. Rm 8, 23; cf. também 2 Cor 5,5). Na ressurreição final, o Espírito completará a Sua obra-prima, realizando para os crentes plena “espiritualização” do seu corpo (cf. Cor 15, 43-44) e envolvendo de algum modo na salvação o universo inteiro (cf. Rm 8, 20-22).

4. Na perspectiva joanina o Espírito Santo é sobretudo o Espírito da verdade, o Paráclito. Jesus anuncia o Dom do Espírito no momento de concluir a Sua obra terrena: “Quando vier o Consolador, que vo-hei-de enviar da parte do Pai, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, Ele testificará de Mim. E vós também darei testemunho, pois estivestes Comigo desde o princípio” (Jo 15,26 s). E ao esclarecer ulteriormente o papel do Espírito, Jesus acrescenta: “Ele guiar-vos-á para a verdade total, porque não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e anunciar-vos-á o que há-de-vir. Ele glorificar-Me-á, porque há-de receber do que é Meu, para vo-lo anunciar” (Jo 16, 13-14). O Espírito, portanto, não trará uma nova revelação, mas guiará os fiéis para uma interiorização e uma mais profunda penetração da verdade revelada por Jesus. Em que sentido o Espírito da verdade é chamado Paráclito ? Tendo presente a perspectiva joanina que vê o processo contra Jesus como um processo que continua nos discípulos perseguidos por causa do Seu nome, o Paráclito é Aquele que defende a causa de Jesus, convencendo o mundo “do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16,7s). O pecado fundamental que o Paráclito fará reconhecer é o de não se Ter acreditado em Cristo. A justiça que Ele indica é aquele que o Pai prestou ao Filho crucificado, glorificando-O com a ressurreição e ascensão ao Céu. O juízo, neste contexto, consiste em fazer emergir a culpa de quantos, dominados por Satanás, principe deste mundo (cf. Jo 16,11), rejeitaram Cristo (cf. Dominum et vivificantem, 27). O Espírito Santo é, pois, com a Sua assistência interior, o defensor e o patrocinador da causa de Cristo, Aquele que orienta as mentes e os corações dos discípulos para a plena adesão à “verdade” de Jesus.

A INFLUÊNCIA DO ESPÍRITO SANTO

NA VIDA CONSAGRADA

L’OSSERVATORE ROMANO Nº 12 – 25/03/95

1. Na Constituição dogmática sobre a Igreja, o Concílio Vaticano II declara que a vida consagrada, nas suas múltiplas formas, manifesta “a potência infinita com que o Espírito Santo maravilhosamente atua na Igreja” (LG,44). De igual modo, o Decreto do Concílio sobre a renovação da vida religiosa sublinha que foi “o impulso do Espírito Santo” que deu origem tanto à vida eremítica quanto à fundação das “famílias religiosas, que a Igreja de boa vontade escolheu e aprovou com a sua autoridade” (PC,1). A espiritualidade do empenho religioso, que anima todos os Institutos de vida consagrada, tem claramente o seu centro em Cristo, na sua pessoa, na sua vida virginal e pobre, levada até à suprema oblação de Si pelos irmãos, em perfeita obediência ao Pai. Trata-se, porém, de uma espiritualidade no sentido mais forte da palavra, isto é, de uma orientação dada pelo Espírito Santo. Com efeito, o seguimento de Cristo na pobreza, castidade e obediência não seria possível sem o impulso do Espírito Santo, autor de todo o progresso interior e dador de todas as graças na Igreja. “Movidas assim pela caridade, que o Espírito Santo derrama nos seus corações”, diz ainda o Concílio, as almas consagradas, “mais e mais vivem para Cristo e para o seu corpo, que é a Igreja” (PC,1).

2. Na vida religiosa, com efeito, e em toda a vida consagrada há uma ação soberana e decisiva do Espírito Santo, que as almas atentas podem experimentar de modo inefável, por uma certa com-naturalidade criada pela caridade divina, como diria São Tomás (cf. Summa Theol., II-II, q.45, a 2). Quando na sua Igreja Jesus Cristo chama os homens e as mulheres a seguirem-n’O, faz sentir a sua voz e a sua atração por meio da ação interior do Espírito Santo, ao qual confia a tarefa de fazer entender o chamamento e de suscitar o desejo de lhe responder, com uma vida completamente dedicada a Cristo e ao seu Reino. É Ele que desenvolve, no segredo da alma, a graça da vocação, abrindo o caminho requerido para que esta graça atinja o seu objetivo. É Ele o principal educador das vocações. É Ele o guia das almas consagradas no caminho da perfeição. É Ele o autor da magnanimidade, da paciência e da fidelidade de cada um e de todos.

3. Além de desenvolver a sua ação em cada alma individualmente, o Espírito Santo está na origem também das comunidades de pessoas consagradas: é o mesmo Concílio Vaticano II que o evidencia (cf. PC,1). Foi assim no passado, assim é também hoje. Desde sempre na Igreja o Espírito Santo concede a alguns o carisma de Fundadores. Desde sempre faz com que, ao redor do Fundador ou da Fundadora, se reúnam pessoas que compartilham a orientação da sua forma de vida consagrada, o seu ensinamento, o seu ideal, a sua atração de caridade, ou de magistério, ou de apostolado pastoral. Desde sempre o Espírito Santo cria e faz crescer a harmonia das pessoas congregadas e as ajuda a desenvolver uma vida em comum, animada pela caridade segundo a orientação particular do carisma do Fundador e dos seus fiéis seguidores. É consolador constatar que o Espírito Santo, também nos tempos recentes, tem feito nascer na Igreja novas formas de comunidades e suscitado novas experiências de vida consagrada. É importante recordar, por outro lado, que na Igreja é o Espírito Santo que guia as Autoridades responsáveis no acolher e reconhecer canonicamente as comunidades de almas consagradas, depois de terem examinado, eventualmente ordenado melhor e, por fim, aprovado as suas constituições (cf. LG,45), para depois encorajarem, sustentarem e não raro inspirarem as suas opções operativas. Quantas iniciativas, quantas novas fundações de Institutos e novas paróquias, quantas expedições missionárias têm a sua origem, mais ou menos conhecida, nas exigências ou nas indicações que os pastores da Igreja dirigiram aos Fundadores e aos Superiores Maiores dos Institutos! Com freqüência, a ação do Espírito Santo desenvolve e até mesmo suscita carismas dos religiosos, através da hierarquia. Em cada caso serve-se desta para assegurar às Famílias religiosas a garantia de uma orientação, conforme à vontade divina e ao ensinamento do Evangelho.

4. E ainda: é o Espírito Santo que exerce a sua influência na formação dos candidatos à vida consagrada. É Ele que estabelece a união harmoniosa em Cristo de todos os elementos espirituais, apostólicos, doutrinais e práticos que a própria Igreja considera necessários para uma boa formação (cf. Potissimum Institutioni, Diretrizes sobre a formação nos Institutos religiosos). É o Espírito Santo que faz entender, de modo particular, o valor do conselho evangélico da castidade mediante uma ilustração interior, que transcende a condição ordinária da inteligência humana (cf. Mt. 19, 10-12). É Ele que suscita nas almas a inspiração a uma doação radical a Cristo, no caminho do celibato. É por obra d’Ele que “a pessoa consagrada, mediante os votos religiosos, (põe) no centro da sua vida afetiva uma relação mais imediata com Deus, por meio de Cristo in Spiritu, como efeito do conselho evangélico da castidade” (Pot. Inst., 13). Também nos outros dois conselhos evangélicos o Espírito Santo faz sentir o seu poder operador e plasmador. Ele não só dá a força de renunciar aos bens terrenos e às suas vantagens, mas forma na alma o espírito de pobreza, instilando o gosto de procurar acima dos bens materiais um tesouro celeste. Ele dá também a luz necessária ao juízo de fé para reconhecer, na vontade dos superior, a misteriosa vontade de Deus e para discernir, no exercício da obediência, uma humilde mas generosa cooperação para a realização do plano salvífico.

5. Alma do Corpo Místico, o Espírito Santo é a alma de toda a vida comunitária. Ele desenvolve todas as prioridades da caridade que podem contribuir para a unidade e a paz na vida em comum. Ele faz com que a palavra e o exemplo de Cristo sobre o amor dos irmãos, sejam de força operante nos corações, como dizia São Paulo (cf. Rm. 5,5). Com a sua graça, Ele faz penetrar no comportamento dos consagrados o amor do coração manso e humilde de Jesus, a sua atitude de serviço, o seu heróico perdão. Não menos necessária é a influência permanente do Espírito Santo, para a perseverança dos consagrados na oração e na vida de união íntima com Cristo. É Ele que dá o desejo da intimidade divina, faz crescer o goto pela oração, inspira uma atração crescente pela pessoa de Cristo, pela sua palavra e pela sua vida exemplar. É ainda o sopro do Espírito Santo que anima a missão apostólica dos consagrados, como indivíduos e como comunidade. O desenvolvimento histórico da vida religiosa, caracterizado por uma crescente dedicação à missão evangelizadora, confirma esta ação do Espírito em apoio do empenho missionário das Famílias religiosas na Igreja.

6. Os consagrados, por sua vez, devem cultivar uma grande docilidade às inspirações e moções do Espírito Santo, uma insistente comunhão com Ele, uma incessante oração para obter os seus dons em abundância sempre maior, acompanhada de um santo abandono à sua iniciativa. Esta é a via descoberta sempre melhor pelos santos pastores e doutores da Igreja, em harmonia com a doutrina de Jesus e dos Apóstolos. Esta é a via dos santos Fundadores e Fundadoras, que abriram na Igreja tantas formas diferentes de comunidades, das quais surgiram várias espiritualidades: basiliana, agostiniana, beneditina, franciscana, dominicana, carmelitana e muitas outras: todas experiências, caminhos e escolas que testemunham a riqueza dos carismas do Espírito Santo e fornecem o acesso, por muitas vias particulares, ao único Cristo total, na única Igreja.

O Espírito Santo na Encarnação

1. Jesus está unido com o Espírito Santo desde o primeiro instante da Sua existência no tempo, como recorda o Símbolo niceno-constantinopolitano: «Et incarnatus est de Spiritu Sancto ex Maria Virgine». A fé da Igreja neste mistério funda-se na palavra de Deus: «O Espírito Santo — anuncia o anjo Gabriel a Maria — virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a Sua sombra. Por isso mesmo é que o Santo que vai nascer há-de chamar-Se Filho de Deus» (Lc 1, 35). E a José foi dito: «O que ela concebeu é obra do Espírito Santo» (Mt 1, 20). Graças à intervenção direta do Espírito Santo, atua na Encarnação a suprema graça, a «graça da união» da natureza humana com a pessoa do Verbo. Essa união é fonte de todas as outras graças, como explica S. Tomás (S. Th. III, q. 2, a. 10-12; q. 6, a. 6; q. 7, a. 13).

2. Para aprofundar o papel do Espírito Santo no evento da Encarnação, é importante retornar aos dados que nos oferece a palavra de Deus. São Lucas afirma que o Espírito Santo desce como força do alto sobre Maria, a qual é recoberta pela Sua sombra. Mediante o Antigo Testamento, nós sabemos que todas as vezes que Deus decide fazer brotar a vida, age através da «força» do Seu sopro criador: «Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, pelo sopro da Sua boca todos os Seus exércitos juntou» (Sl 33, 6). Isto vale para cada ser vivo, a ponto que se Deus «retirasse o Seu sopro e fizesse voltar a Si o espírito do homem, toda a carne pereceria no mesmo instante e o homem voltaria ao pó» (Jb 34, 14-15). Deus faz intervir o seu Espírito sobretudo nos momentos em que Israel experimenta a impotência de se erguer só com as suas forças. Sugere-o o profeta Ezequiel na visão dramática do imenso vale cheio de esqueletos: «O espírito entrou neles. Retornando a vida, endireitaram-se» (37, 10). A concepção virginal de Jesus é «a maior obra realizada pelo Espírito Santo na história da criação e da salvação» (Dom. et viv., 50). Neste evento de graça, uma virgem tornou-se fecunda, uma mulher, remida desde a sua concepção, gera o Redentor. Prepara-se assim uma nova criação e tem início a nova e eterna aliança: começa a viver um homem que é o Filho de Deus. Jamais antes deste evento se dissera que o Espírito Santo tivesse descido diretamente sobre a mulher para a tornar mãe. Quando na história de Israel se verificam nascimentos prodigiosos, a intervenção divina, quando a ela se alude, é referida ao nascituro e não à mãe.

3. Se nos perguntamos por que o Espírito Santo realizou o evento da Encarnação, a palavra de Deus responde-nos de maneira sintética, na segunda carta de Pedro, que isto ocorreu para que nos tornássemos «partícipes da natureza divina» (1, 4). «Com efeito — explica Santo Ireneu de Lião — este é o motivo por que o Verbo se fez homem, e o Filho de Deus, Filho do homem: para que o homem, entrando em comunhão com o Verbo e recebendo assim a filiação divina, se tornasse filho de Deus» (Adv. Haer. 3, 19, 1). Nesta mesma linha se põe Santo Atanásio: «Quando o Verbo desceu sobre a santa Virgem Maria, o Espírito juntamente com o Verbo entrou nela; no Espírito o Verbo assumiu um corpo e adaptou-o a Si, querendo, por meio de Si mesmo, unir e conduzir ao Pai toda a criação» (Ad Serap. 1, 31). Estas afirmações são retomadas por S. Tomás: «O Filho unigênito de Deus, querendo que fôssemos partícipes da Sua divindade, assumiu a nossa natureza humana a fim de, ao fazer-Se homem, tornar os homens deuses» (Opusc. 57 in festo Corp. Christi, 1), isto é, por graça partícipes da natureza divina. O mistério da Encarnação revela o maravilhoso amor de Deus, do qual o Espírito Santo é a personificação mais excelsa, sendo Ele o Amor de Deus em pessoa, a Pessoa-Amor: «Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco: em ter enviado o Seu Filho unigênito ao mundo, para que, por Ele vivamos» (1Jo 4, 9). Na Encarnação, mais do que em qualquer outra obra, revela-se a glória de Deus. Com muita razão no Gloria in excelsis cantamos: «Nós Vos louvamos e bendizemos... nós Vos damos graças pela vossa imensa glória». Esta expressão pode ser aplicada de modo especial à ação do Espírito Santo, que na Primeira Carta de Pedro é chamado «o Espírito da glória» (4, 14). Trata-se duma glória que é pura gratuidade: não consiste em tomar ou em receber, mas só em dar. Ao dar-nos o seu Espírito, que é fonte de vida, o Pai manifesta a Sua glória, tornando-a visível na nossa vida. Neste sentido Santo Ireneu afirma que «a glória de Deus é o homem vivo» (Adv. Haer. IV, 20, 7).

4. Se agora procuramos ver mais de perto o que o evento da Encarnação nos revela a respeito do mistério do Espírito, podemos dizer que este evento nos manifesta, antes de tudo, que Ele é a força benévola de Deus que gera a vida. A força que «estende a sua sombra» sobre Maria evoca de novo a nuvem do Senhor que se pousava sobre a tenda do deserto (cf. Ex 40, 34) ou que enchia o templo (cf. 1Rs 8, 10). É portanto a presença amiga, a proximidade salvífica de Deus que vem estabelecer um pacto de amor com os Seus filhos. É uma força ao serviço do amor, que se desenvolve no sinal da humildade: não só inspira a humildade de Maria, a escrava do Senhor, mas como que se esconde atrás dela, a ponto de ninguém em Nazaré conseguir intuir que «o que ela concebeu é obra do Espírito Santo» (Mt 1, 20). Santo Inácio de Antioquia exprime de modo estupendo este mistério paradoxal: «Ao príncipe deste mundo permaneceu escondida a virgindade de Maria e também o seu parto, e de igual modo a morte do Senhor. São estes os três mistérios da voz excelsa, que se realizaram no descanso silencioso de Deus» (Ad Eph. 19, 1).

5. O mistério da Encarnação, visto em perspectiva do Espírito Santo que o operou, lança luz também sobre o mistério do homem. Com efeito, se o Espírito age de modo singular no mistério da Encarnação, Ele está presente também na origem de cada ser humano. O nosso ser é um «ser recebido», uma realidade refletida, amada e doada. Não basta a evolução para explicar a origem do gênero humano, como não basta a causalidade biológica dos pais para explicar, por si só, o nascimento de um filho. Embora na transcendência da Sua criação, sempre respeitosa das «causas segundas», Deus cria a alma espiritual do novo ser humano, comunicando-lhe o sopro vital (cf. Gn 2, 7), através do seu Espírito que é «o dador da vida». Cada filho deve, portanto, ser visto e acolhido como um dom do Espírito Santo. Também a castidade dos celibatários e das virgens constitui um reflexo singular daquele amor «derramado nos nossos corações por meio do Espírito Santo» (Rm 5, 5). O Espírito que tornou partícipe da fecundidade divina a Virgem Maria, assegura também a quantos escolheram a virgindade por causa do Reino dos céus uma descendência numerosa no âmbito da família espiritual, formada por todos aqueles que «não nasceram do sangue, nem de vontade carnal, nem de vontade do homem, mas sim de Deus» (Jo 1, 13).

FONTE VATICANO

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