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Doutrina Católica
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ARTIGOS DE D EUGENIO SALES

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Temas -- Jogo , Graça , Carismas , Sucessor de Pedro

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Mensagem do Cardeal D. Eugênio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

07/12/2001

Jogo é Crime

Muito estranho propor como solução de problemas suprimi-lo por uma lei, um decreto. No caso de jogatina, mãe de tantos males, magistralmente descritos por Rui Barbosa, uma vez legalizado, imediatamente se transforma em benefícios para a sociedade. Governar assim, um papel publicado no “Diário Oficial” tudo transforma, é fácil e viveremos em um paraíso antecipado. No entanto, a realidade é bem diversa. Recordemos uma passagem bíblica.

Descia Moisés do monte Sinai, onde recebera as normas de conduta e de sua observância dependia a aliança com o Senhor. Javé o adverte, pois o povo eleito, na ausência do grande líder, abandonara suas determinações. Ele o previne, mas não propõe legalizar os maus costumes e sim aplicar as penas da Justiça divina, usando, ao mesmo tempo, de Misericórdia com Moisés, ao substituir por outros aqueles relapsos. O guia, em sua ira justa, quebrou as duas tábuas, aplicou severas penas e a história santa continuou, entre o perdão e o castigo, derrotas e vitórias, fraquezas e períodos de recuperação, sem jamais chamar o mal de bem, confundir o erro com a verdade.(Ex 32,7-35).

Pesquisando minha presença semanal na imprensa há mais de 30 anos, deparo-me com o seguinte trecho, no final do artigo publicado a 10 de maio de 1991: “Pensava eu que a insensatez nesse País fosse menor. A atual tentativa para a legalização dos cassinos encontra o Brasil em inacreditável onda de decomposição moral, com tantos escândalos que diariamente aparecem na Imprensa. Busca-se como remédio - ou como um dos remédios - a liberalização do jogo, isto é, a legalização de um valioso fator de decomposição moral. Além disso, é irracional o argumento de que o mal, como a jogatina, por ser de difícil ou impossível erradicação, deva ser legalizado”. Esse trecho merece ser repetido sem modificar, nem mesmo uma vírgula.

O Episcopado paulista publicou, a 24 de novembro de 1942, uma “Carta Pastoral sobre o Jogo, a dignidade da Família e a defesa do Brasil”. Assina, em primeiro lugar, Dom José Gaspar de Afonseca e Silva, Arcebispo da então única sede metropolitana do Estado. Aborda, a argumentação, ainda hoje amplamente utilizada. O primeiro raciocínio, denunciado pelos Bispos, ainda é utilizado periodicamente em nossos dias: “Em vez, pois, de baldar energias contra ele (o jogo), regulamentemo-lo, que será mais inteligente”. Os Bispos respondem com o mesmo raciocínio, aplicando-o ao crime de morte: “Em vez de o coibirmos, regulamentemos, pois, o homicídio, que será mais inteligente.”

O outro argumento é aproveitar a jogatina para obras de assistência social ou de caridade. A resposta é incisiva e franca: “Um país que baseie o seu orçamento não no trabalho honesto mas nos proventos da jogatina sob a alta proteção das autoridades, está infamado para sempre (...) com oficializar ou regulamentar o jogo (...) cria, ao mesmo tempo, novos e piores casos de assistência social”. Adiante, a carta Pastoral acrescenta: “Tenhamos a coragem de escrever também: o jogo, como instituição normal, legalizada, oficializada, é gravíssimo sintoma de decadência moral e política (...) à mentalidade do esforço sucede a mentalidade da preguiça.” Em uma época de crescente corrupção administrativa, parece-me infantil aceitar a

argumentação que ela será fator positivo na construção de uma sociedade onde impere a probidade da vida, o amor ao trabalho, a honestidade nas funções públicas, a integridade de caráter.

Seria ledo engano tentar corrigir esses e outros males pelo acovardamento em tomar medidas eficazes. Ou então, oficializar simplesmente essa decadência moral.

Neste período que antecede as eleições, parece-me oportuno trazer o assunto da responsabilidade do eleitor. Costumam acusar apenas os parlamentares, em seu campo de atividades, por todas as sombras que aí ocorrem, mas creio que elas devem ser compartilhadas também por aqueles que lhes possibilitam chegar ao Legislativo, pois a estes compete elaborar as leis. Caso o Colégio Eleitoral se revele atento a seus deveres, os Partidos pensarão duas vezes antes de convidar ou aceitar um candidato que espose teses vazias de critérios morais ou contrários a uma consciência bem formada.

Os Partidos políticos são responsáveis pela elevação do nível ético deste País, rejeitando unicamente o critério de número de votos para a inclusão de elementos na lista de futuros candidatos às eleições. Na tentativa de liberalização da jogatina vê-se uma série de sofismas, alegada para alcançar este objetivo. Essa situação é fruto de um mundo sem Deus, que ignora Jesus Cristo e sua mensagem salvífica. Muitos jovens crescem sem o conhecimento da Doutrina Cristã. Os casais nem sempre cumprem sua missão formadora ou não conseguem fazê-lo satisfatoriamente. O terrível mal das drogas, a difusão e a propaganda a título do culto pagão do hedonismo da antiga Grécia, a difusão do erotismo, especialmente nos meios de comunicação social e tantas outras causas carreiam para a sociedade conseqüências trágicas.

Outra maneira que afeta cada eleitor durante o intervalo entre uma e outra eleição é acompanhar o procedimento dos eleitos, quer para o legislativo ou executivo. Atitudes contrárias aos mandamentos de Deus, evidentemente, tornam quem assim procede, inábil para receber o voto de quem segue o Senhor.

Muita ingenuidade revela quem acredita que o mal da jogatina deixa de existir por mero decreto ou supressão de artigo da legislação vigente. Fácil prever as conseqüências, para os indivíduos e a sociedade, quando outros crimes e contravenções forem riscados do Código Penal pela dificuldade em combatê-los. _________________________________________________________________

Mensagem do Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

12/03/1999

O poder da Graça

Despertou grande alegria a inclusão, no ano passado, do primeiro brasileiro nato no elenco dos bem-aventurados. O exemplo de Frei Antonio de Sant’Anna Galvão, uma vida inteiramente consagrada a Deus e, em decorrência, a seus filhos e nossos irmãos, nos proporciona uma excelente oportunidade para recordar a vocação à santidade de todo discípulo de Cristo e abre perspectivas para melhor compreensão da história da salvação. Em Jesus, Deus quer dar a todos os que crêem e se convertem, participação na vida trinitária. Não se trata de uma atitude passiva, mas consciente, com ardor, no seguimento dos passos do Redentor. A Igreja é a esposa amada, a caminho para as eternas núpcias com seu divino Salvador. A Carta aos Efésios resume isto na magnífica frase: "Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de purificá-la (...) e santificá-la (...) para apresentar a si mesmo a Igreja, gloriosa, sem mancha, sem ruga, mas santa e irrepreensível" (Ef 5,25-26). E São Paulo exclama em sua primeira Carta aos Tessalonicenses: "Pois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação" (4,3; cf Ef 1,4). Por mais que a comunidade cristã ainda viva na penumbra da fé, desde agora tem essa destinação e nela cada fiel partilha do incomparável chamamento: "Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito" (Mt 5,48).Como todo homem, mesmo depois do nascimento pelo Batismo, permanece vulnerável ao pecado, a conversão a Deus pelo arrependimento das faltas cometidas, é algo fundamental ao cumprimento de nossos deveres de integrantes do Corpo Místico de Cristo, da instituição por Ele fundada e da qual é a Cabeça. A virtude em grau heróico, de cada membro, origina-se nesta basilar vocação de ser a esposa santa do Filho de Deus. Por isso, a pessoa declarada santa, - hoje esse reconhecimento é feito exclusivamente pelo Sucessor de Pedro, - é alguém que seguiu radicalmente os exemplos de Jesus. O Concílio Vaticano II fez sua esta doutrina e escreveu um capítulo inteiro sobre a "Vocação universal à santidade na Igreja" ("Lumen Gentium", cap V), não só constatando esta divina vocação dos batizados, mas lembrando-nos que "todos os cristãos são convidados e obrigados a procurar a santidade (...) pela caridade perfeita" (Idem, 42,4). Provocada pelo dinamismo do Espírito Santo, essa identidade com Cristo tem suas mais diversas formas, tanto na fidelidade do dia-a-dia, como ainda nas formas heróicas do martírio e da virtude cristã. Trata-se de uma manifestação, diante do mundo, do poder da Graça. O indivíduo sozinho é incapaz de cumprir as exigências da Mensagem do Evangelho, mas tendo à sua disposição o poder de Deus propiciado pela Redenção, torna-se possível, viável e gratificante desde esta existência. Em sua recente Encíclica "Fides et Ratio" de 14 de setembro último, o Santo Padre o Papa João Paulo II descreve a trágica situação não só da Filosofia, mas também da cultura hodierna em geral. Ela caracteriza este nosso tempo, resultado de um exacerbado racionalismo do homem auto-suficiente, pela tendência ao agnosticismo, relativismo e ceticismo, onde "a legítima pluralidade de posições cedeu o lugar a um pluralismo indefinido, fundado no pressuposto de que todas as posições são equivalentes: trata-se de um dos sintomas mais difusos, no contexto atual, de desconfiança da verdade (...) Neste horizonte, tudo fica reduzido a mera opinião (...) Em suma, esmoreceu a esperança de se poder receber da filosofia respostas definitivas a tais questões" ("Fides et Ratio" 5,3). E continua o Papa, em outra parte da Encíclica: "O niilismo está na origem duma mentalidade difusa, segundo a qual não se deve assumir qualquer compromisso definitivo, porque tudo é fugaz e provisório" (Idem nº 46,3). Esta calamitosa realidade cultural de hoje é, em dois sentidos, desmentida vigorosamente na vida do santo: pela motivação que o anima e pela fecundidade que manifesta. De um lado, ele empenha todo o seu ser, sua esperança, seu amor, sua vida, sua morte, na única e inabalável certeza do valor absoluto e eterno que, por Jesus Cristo está implantado em nossa existência. É a afirmação da total submissão à verdade que nos torna livres, a confissão da inefável alegria por pertencer à Igreja e, na Igreja, à verdade salvífica revelada pelo Deus Uno e Trino. E de outro lado, a existência de alguém elevado à honra dos altares, sem ser uma teoria, é fator de profundas transformações. No compromisso com a lei de Deus, alcançou a mais completa liberdade de servir a todos. E suas obras se tornaram admiráveis na conversão, na perspectiva cristã da fraternidade. E é fator de felicidade em inúmeras pessoas que com ele conviviam ou o conheceram por informações fidedignas. A dignificação de tantos outros, o conforto espiritual e material a seus devotos no decorrer dos anos são o testemunho mais eloqüente da vida do santo e a resposta ao mundo em crise: sim, há uma segurança; sim, a vida e o amor têm um sentido; sim, a morte não é destruição definitiva, mas pela vitória de Jesus Cristo, a morte é "fonte de vida e de amor" (Ibidem, 23,2). Como é confortador refletir sobre os exemplos deixados pelo Bem-aventurado Frei Galvão, apelo forte ao serviço da Igreja Católica em prol dos irmãos necessitados, a uma nova visão otimista de um mundo hoje ferido por tantos males.

Quantas considerações nos vêm à mente e ao coração, propósitos de mudança de comportamento, ao tomar conhecimento dos fatos gerados pela Mensagem de Jesus na existência desse seu servo! Correspondamos a essas benemerências que nos concede o Senhor Jesus por uma vida marcada pela fidelidade e uma obediência pronta, íntegra ao Evangelho.

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VOZ DO PASTOR

D. Eugênio de Araújo Sales

23/06/2000

Carismas na Igreja

Um afetuoso e verdadeiro relacionamento do sacerdote com o Cristo é fonte de extraordinária riqueza para todo o Povo de Deus.

A identidade dos pastores se manifesta na absoluta dependência de Jesus. E também no amor do Senhor e, por ele, ao rebanho pelo qual se entregou. A autêntica alegria do sacerdote está em sua vida ascética, no ânimo de retomar sempre de novo o caminho, com o espírito de total confiança, nos momentos de dificuldade. Outro motivo de contentamento é ter um rebanho e amá-lo, sem, no entanto, se esquecer de que ele é propriedade exclusiva do Senhor. Em tudo isso o padre haure a sua força no manancial inesgotável: o amor do Coração humano-divino do Salvador, Pastor feito cordeiro sacrifical por seu povo.

Cada fiel leigo porta consigo o sinal de sua pertença ao Corpo Místico que tem Cristo como Cabeça. Também é por uma total dependência de Jesus. E o manifesta pela ampla e irrestrita fidelidade na observância das diretrizes da Igreja, dirigida por seus legítimos Pastores.

Não só na sua vida terrena, mas agora na glória do Pai, Jesus leva todo o universo para o supremo louvor e adoração de Deus (1 Cor 15, 24.28). Esta nova humanidade, celebrando com Cristo e por Cristo o verdadeiro culto a Deus, é reunida na Igreja. Mesmo ainda peregrina, "a Igreja é, em Cristo, como que o sacramento ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano" ("Lumen Gentium", 1,1)

Todas as imagens utilizadas pelo Redentor para explicar a natureza da instituição por Ele criada, implicam na existência de uma organização hierárquica que, em sua dependência, deixa lugar para a livre e fecunda atuação do Paráclito. Cada carisma, "manifestação do Espírito para utilidade comum" (1 Cor 12,7) deve contribuir para o crescimento do Corpo de Cristo.

São inúmeros os dons que o Espírito Santo concede aos que a Cristo pertencem. Todo cristão ajuda no surgimento do homem novo, com as características da Redenção: a justiça, a paz, a caridade, a alegria. Desde já, neste mundo que contradiz o Evangelho, ele pode e deve participar da liturgia nova para a glória do Deus trino, "oferecendo o corpo em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: é este o culto espiritual" (Rm 12,1).

Na escolha concreta de seu serviço a Deus e aos homens, Jesus não seguiu outro critério senão o da obediência. Humana e religiosamente falando, outros caminhos poderiam patentear mais diretamente a glória do Pai como, por exemplo, a destruição física de seus inimigos ou a posse como Messias-Rei no Templo. No entanto, sua entrega ao Pai e seu serviço salvador e libertador estão essencialmente marcados pela submissão "até à morte e morte de cruz" (Fl 2,8).

É por isso que nenhum carisma poderá pretender ocupar espaço na Igreja se seu louvor e ministério não trouxerem como identidade mais profunda a submissão a Deus e a disposição de participar da Cruz do Mestre. Paulo nos dá exemplo de estar pregado com Cristo na Cruz (Gl 2,19). E de forma mais clara, a plena e generosa aceitação da vontade divina tem sua dimensão visível na obediência ao ministério hierárquico. E aqui está o ponto nevrálgico da vida eclesial em nossos dias.

É verdade que o Espírito Santo pode repartir "a cada um como lhe apraz" (1 Cor 12,11). Ele abre novos horizontes. E é certamente neste tempo de insegurança, de valorização dos direitos do homem sobre os de Deus, como acontece às vezes também dentro da Igreja, que o Paráclito faz eclodir os carismas.

Tal configuração com o Cristo obediente identifica-se fundamentalmente com os genuínos novos impulsos e a verdadeira coragem, bem diversos das manifestações de poder e de orgulho provenientes do mundo.

Em todo momento, o cristão deve estar disposto a trazer "em seu corpo os traços da morte de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste neste mesmo corpo" (Cfr 2 Cor 4,10).

O pastor, certamente, deve educar o povo para o uso verdadeiro desses dons gratuitos que aparecem em favor do bem comum. Eles se integram no culto definitivo e eterno do Cristo ressuscitado (1 Cor 15, 24.28), se contribuem direta ou indiretamente para a purificação, propagação e unificação da Igreja, também em sua estrutura visível e hierárquica.

Neste sentido, o Concílio Vaticano II exige que os portadores dos carismas sejam aptos e prontos – pela ação do Espírito Santo – a tomarem sobre si o que ajuda à renovação e maior incremento da Igreja (Cfr "Lumen Gentium", 12,2). No momento, cabe uma advertência em matéria de suma gravidade. Certas correntes de pensamento no campo religioso ferem dolorosamente o sinal de Deus, a unidade da obra do Cristo. Rasga-se a túnica inconsútil que até os soldados romanos respeitaram (Jo 19,24). Isto ocorre com a tentativa de construírem Igrejas à própria semelhança. Esse o fruto do Maligno que se expressa pelo subjetivismo que molda a estrutura eclesial às próprias concepções.

A capacidade de sofrer com Cristo na Cruz (Cfr Gl 2,20) é a marca fundamental de autenticidade do carisma. Porque sem a disposição de "completar em sua própria carne o que falta às tribulações de Cristo, por seu corpo que é a Igreja" (Cl 1,24), o cristão cultivaria talvez belos interesses subjetivos, mas não seria "útil às necessidades da Igreja" ("Lumen Gentium" 12,2). O batismo nos inseriu em uma comunidade fundada por Jesus que a confiou a Pedro e ao Colégio Apostólico, sob a direção do Espírito Santo.

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VOZ DO PASTOR

D. Eugênio de Araújo Sales

30/06/2000

O Sucessor de Pedro

Cristo confiou sua Igreja ao Colégio Apostólico que tem como cabeça Pedro. Durante sua vida terrena, antes de subir ao céu, a eles se dirigiu nesses termos: "Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo" (Mt 28,18-20).

Em meio às vicissitudes humanas, tem sido sempre preservada essa estrutura. Evidentemente, o homem não pode alterar a obra de Deus. Compete ao fiel acolher o que Cristo determinou e, para isso, não falta a ajuda do Espírito Santo que, através da Hierarquia, guia sua Igreja.

Tempestades e bonanças se sucedem, sem jamais a barca de Pedro soçobrar. Em cada período da História nestes dois milênios, diversificadas são as tormentas mas sempre viva e eficaz permaneceram a advertência e a garantia deixada por Cristo: "Referi-vos estas coisas para que tenhais a paz em mim. No mundo haveis de ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo." (Jo 16,33) Evidentemente, toda essa realidade é ininteligível para quem não tem Fé.

Cabe aos cristãos fiéis católicos celebrar o Dia do Papa na oportunidade da festa litúrgica de São Pedro e São Paulo. Em muitos lugares ocorre a 29 de junho e em outros, como o Brasil, é transferida para o domingo seguinte. Em um caso e outro, é uma excelente oportunidade e mesmo um dever, recordar a todos nós a missão do Sucessor do chefe dos Apóstolos, sua importância. Nosso compromisso é observar integralmente as suas diretrizes. O catolicismo, em nossa Pátria, tem sido caracterizado pela obediência ao Sumo Pontífice. Essa verificação nos dias atuais é ainda mais oportuna pela infiltração de atitudes que destoam desse comportamento. Essas sombras se apresentam em diversos campos e modalidades, quase sempre habilmente acobertadas por raciocínios e curiosas declarações. Assim, revistas e outras publicações, ao lado de afirmações de catolicidade, divulgam ou defendem doutrinas, interpretações de fatos que interferem nos rumos estabelecidos pelo Pastor universal. No campo da Liturgia é bastante comum a tolerância de infrações a claras leis pelo Papa promulgadas. Uma hábil embora falsa argumentação tenta justificar esse procedimento. Às vezes, normas pomposas facilmente enganam os incautos. Como exemplo, organização figadal opositora de graves pontos doutrinários proclama-se membro integrante da obra fundada por Cristo: "Católicas com direito de decidir". Desde os tempos apostólicos surgiram falsos ensinamentos, acobertados com o nome de Jesus. E sempre foram desmascarados pois Cristo deixou inerente à instituição que fundara, o direito e o dever de fazer brilhar a verdade. Nos Atos do Apóstolos, com freqüência há citações desses desvios, alerta às infiltrações no rebanho e os meios de distinguir o erro, mesmo acobertado com aparências de veracidade. Assim, São Paulo sobre o ferreiro que tantos estragos fazia entre os fiéis. O Apóstolo foi corajoso defensor da legítima doutrina quando buscavam insinuar falsos ensinamentos: "Alexandre, o ferreiro, me tratou muito mal (...) Fez oposição cerrada à nossa pregação" (2 Tm 4,14). Paulo cumpria um dever: preservar a verdade. Em nossos dias, não são menores esses perigos. Cabe aos Bispos corrigir o ensino contrário à doutrina de Jesus. Não se trata de algo facultativo. O Pastor dará severas contas a Deus se não se opuser firme e claramente aos lobos que procuram infiltrar-se no rebanho que lhe foi confiado. Realmente, em plano mundial, esta tarefa pertence ao Papa, como a todo o Colégio Apostólico que o tem como Cabeça visível. No entanto, isto em nada diminui a responsabilidade do Bispo, em sua diocese.

Um caso do meu conhecimento é bem ilustrativo. Um eclesiástico, com seus erros acobertados pela inteligência que Deus lhe havia dado para o bem, devastava a Igreja. Após paciente esforço, o Pastor decidiu agir. Bem sabia das conseqüências dolorosas que lhe adviriam. Recebeu proposta de ser o caso tratado integralmente em Roma. Negativa foi sua resposta. Não desejava transferir para o Pastor Universal o encargo oriundo da defesa da pureza doutrinária. A Diocese devia agir e não simplesmente deixar aumentar a obrigação da Igreja Universal. Caso não conseguisse alcançar êxito, pediria ajuda. Se cada Bispo cumprisse com fidelidade seu compromisso de sacrificar-se na defesa integral e vigilante da doutrina de Jesus, o grande mal que aflige os fiéis diminuiria sensivelmente. A confusão doutrinária, os desvios em matéria de moral causam grande prejuízo ao rebanho diocesano e universal.

A festa de São Pedro e São Paulo, o Dia do Papa nos oferece oportunidade de refletir sobre esse compromisso que, aliás, é um dever a ser observado movido pelo zelo das almas por parte do Pastor de cada Igreja Particular. O Sucessor dos Apóstolos deve ensinar tudo o que Jesus nos deixou. Assim agindo, o mundo será transformado.

Para que isso ocorra, faz-se mister ter a coragem de amar a Igreja de Jesus Cristo até o sacrifício do bem estar pessoal ou da própria vida. Acima de nosso modo de ver, afirmar sempre todo o corpo doutrinário a que juramos ser fiéis no dia de nossa ordenação episcopal.

Somos perjuros se por medo, covardia ou ignorância culposa nos omitimos na proclamação integral da Verdade evangélica. Por outro lado, seremos felizes quando o mundo, a opinião pública adversa nos condenar por defender o rebanho que nos foi confiado.

Mensagem do Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

28/05/1999

Várias raças, um só povo

O povo brasileiro é o resultado de um amálgama de raças. Como nos preparamos para a importante celebração dos 500 anos do Descobrimento, surgem os mais diversificados pareceres sobre assuntos relacionados com nossa formação étnica. A Igreja Católica esteve presente desde o primeiro ato público - a Missa celebrada por Frei Henrique Soares de Coimbra descrita no Documento de Pero Vaz de Caminha – uma espécie de certidão de nascimento do Brasil. Seu papel ora é solenemente ignorado ou julgado, não pelo muito que fez, mas por sombras que, na mentalidade da época, tinham bem diversa apreciação. Manda a mais elementar justiça que seja concedido à Igreja Católica absoluto destaque na história de nossa Pátria até nossos dias. Trata-se do reconhecimento de um serviço prestado ao povo brasileiro.

Desde o início, o País tem seguido uma trilha que nos levou a uma benéfica miscigenação das gentes, residentes ou ainda para aqui trazidas. Em empresa de tamanho porte e objetivos os mais variados, as falhas não estão ausentes e devem ser retificadas. Ao fazê-lo, contudo, preservemos os benefícios advindos desse relacionamento que tem produzido frutos em favor da coletividade. Em outras palavras, emendar o errado, sem destruir o que favorece o bem comum. O mais elementar bom senso a isso nos conduz.

Como a miscigenação trata de matéria delicada onde os traumas são freqüentes, as recordações de injustiças no passado e as que ainda restam criam barreiras a soluções lentas, mas válidas. A correção deve ser feita com prudência para não se tornar fácil presa de atitudes eivadas de sentimentos que geram confrontos, o que é negativo.

O ódio provocado por injustiças étnicas é de uma virulência profundamente anti-cristã. Nos últimos anos temos sido testemunhas, pelos meios de comunicação social, do que vem ocorrendo nos Bálcãs, na antiga Iugoslávia. Fatos que julgávamos, no final da 2ª Guerra Mundial, jamais seriam reproduzidos, multiplicam-se hoje! São estupros, morticínios em massa, torturas, populações inteiras expulsas do solo onde habitavam há séculos. Tudo em nome da pureza racial. Não é apenas a cor da pele, mas também a origem racial, agravada por absurdo ódio religioso, a causa de tantos atos que nos envergonham. Em vários países africanos, entre grupos dentro de seus limites geográficos o problema existe e com milhões de mortos, expulsos, feridos.

Esse amálgama de raças e culturas que formam a Nação brasileira deve ser preservado. A correção, para seu aperfeiçoamento, não pode ser pressi9onada pelo recalque, oriundo de erros no passado, mas orientado pelo bom senso e eficácia dos métodos. Devemos reconhecer os benefícios surgidos de povos diversos, que convivem na mesma pátria e constituem um só povo.

O básico é promover os mais necessitados. Ampará-los, inclusive pela legislação. Criar uma mentalidade que acolha os pertencentes a outras origens. Jamais isso pode ser obtido em prol do bem comum, caso se crie animosidade entre os componentes de etnias distintas. O acesso a uma convivência justa não pode ser feito em favor de uns mas sempre objetivando a comunidade em seu conjunto. A população do Brasil é fundamentalmente marcada por uma miscigenação oriunda de índios, portugueses, negros de diferentes raças, italianos, japoneses, poloneses, alemães, espanhóis e tantos outros. Exaltar apenas um, por ser mais necessitado de ajuda, deve ceder lugar a um maior esforço por defendê-lo, através de eficazes meios de promoção, de modo particular, a educação, o acesso ao trabalho que os eleva socialmente.

De grande e fundamental importância para abrir o coração dos que rejeitam e para animar os que necessitam subir a fim de integrar-se, é a verdade religiosa da paternidade de Deus. Todos são seus filhos e, portanto, somos irmãos. O relacionamento com o Mistério último da existência é o fruto mais construtivo de civilização e de paz. As conseqüências que daí devem brotar são claras. Essa ótica é fecunda em bons resultados e válido instrumento de conversão dos corações.

Na preparação do Grande Jubileu no ano de 1999, dedicado ao Pai, como o foi ao Filho 1997 e ao Espírito Santo 1998, à medida que vemos no próximo, mesmo pobre, ignorante, um verdadeiro irmão, todo espírito de separação tende a ser superado. Não há excluído, quando há um mesmo Pai comum. Toda a Missão Popular que desde 1997 se desenvolve em nossa Arquidiocese é um veículo de integração de raças e fator para acolher o próximo, seja qual for sua origem ou cor. Essa atitude é mais fecunda que apelar para a exaltação do próprio grupo, em detrimento dos demais.

Muito se fala, em nossos dias, na validade da inculturação. Isso ocorre de maneira especial, no plano litúrgico. Infelizmente, amiúde, essa nobre causa é posta a serviço de objetivos alheios ou contrários aos ensinamentos da Igreja sobre o assunto.

O maior aproveitamento da Paternidade de Deus e a fidelidade às normas eclesiais na inculturação litúrgica, oferecem válidas contribuições para fortificar o amálgama de raças que formam a nacionalidade brasileira. E evidentemente, por ocasião dos festejos do 5º Centenário do Descobrimento, é preciso corrigir, pelo entendimento mútuo – e não pelo atrito que gera maiores divisões – as falhas existentes.

Acima das etnias amemos o Brasil, busquemos fortalecer e aperfeiçoar nossa identidade racial. Nas lições do Evangelho temos o caminho certo.

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Mensagem do Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

18/06/1999

Os leigos na Igreja

Sem dúvida, a valorização do leigo na vida eclesial foi uma das mais importantes contribuições do Concílio Vaticano II à vida religiosa. O documento "Apostolicam Actuositatem" foi aprovado na oitava sessão, em 18 de novembro de 1965. Abriu grandes perspectivas, possibilitando maior e benéfica atuação do laicato. Entre inúmeras atividades e novos campos de trabalho, estão as pequenas comunidades de base. Nelas, o fiel, fundamentado na leitura e reflexão da Palavra de Deus, aperfeiçoa sua missão, decorrente do Batismo, da Confirmação e de contacto mais vivo, frutuoso com os irmãos, pela facilidade de estabelecerem relações entre grupos menores. O anonimato dos maiores aglomerados, mesmo dentro de um mesmo templo e paróquia, cede espaço ao acolhimento e mútuo conhecimento. Diz o Santo Padre, em sua recente Exortação Pós-Sinodal "Igreja na América" (nº 41): "A paróquia é um lugar privilegiado (...) Por Isso, é oportuna a formação de comunidades e de grupos eclesiais de tal dimensão, que permitam estabelecer verdadeiras relações humanas".

Esses novos horizontes que foram criados, devem ser constantemente conferidos com a doutrina. As interpretações pessoais, particulares, mesmo oriundas de cristãos zelosos e de elevado nível, sempre estão sujeitas ao Magistério vivo, deixado por Cristo, para governar a obra que fundou. O entusiasmo pelo novo, a descoberta de outros horizontes, pode ser destrutivo quando insinua edificar uma Igreja sem claro reconhecimento da hierarquia.

Ela é a expressão da estrutura divina da Igreja. Jesus Cristo, como homem, embora sendo Senhor, vive sob o olhar do Pai; quer fazer sempre a vontade de quem O enviou: "Pai, se é de teu agrado (...) Não se faça, todavia, a minha vontade, mas sim a tua" (Lc 22,42). Seu último testemunho é a entrega obediente, aceitando a Cruz. Ele quer que sua obra seja o exemplo que nos legou. Devemos ser testemunhas do Senhor Jesus, no Espírito Santo (cfr Jo 15, 26s). Fiel a essa exigência, São Paulo assim se expressa: "Sede meus imitadores, como eu mesmo o sou de Cristo" (1 Cor 11,1).

Essa estrutura hierárquica estabelecida por Cristo, como fundamento de sua Igreja, não se confunde com o conceito monárquico nem democrático. Qualquer paradigma sócio-político é inadequado. A autoridade da mesma não é fundada na convergência da vontade popular. Esta merece apreço, mas não se torna, por si mesma, sinal de veracidade ou exigência a ser cumprida.

Acresce que a expressão "Povo de Deus" não é a única imagem a revelar a essência da instituição fundada por Jesus. Há diversas outras, de igual valor, que se completam para nos mostrar a riqueza do ensinamento divino. Ver a Igreja como Corpo Místico de Cristo é fundamental para entendê-la e nos ajuda a obedecer aos que foram chamados a governar esse mesmo Povo de Deus. Jesus a comparou a um rebanho com o pastor. Ela é um serviço à comunidade. Trata-se da presença amorosa do Divino Redentor. Conserva essa característica mesmo quando corrige ou pune. Isto, quando assim o exige o bem comum ou o proveito do próprio fiel. São Paulo, que tanto exalta a santidade dos leigos pela habitação do Espírito Santo, com não menor clareza propõe e impõe o dever que o Senhor lhe deu: "Em nome de Cristo, exercemos a função de embaixadores e, por nosso intermédio, é Deus mesmo que vos exorta" (2 Cor 5,20). No uso dessa autoridade, o Apóstolo chega a excluir alguém da comunidade dos fiéis (Cfr 1 Cor 5,2-12): O Sacerdócio ministerial , em nome e com o poder de Jesus Cristo, recebeu o encargo de "formar e reger o Povo de Deus" ("Lumen Gentium" 10,2).

O cristão batizado que recebeu o sacramento da Ordem desde que viva em comunhão com o Papa, Sucessor de Pedro, e o Colégio Episcopal, continuador dos Apóstolos dá à comunidade a chancela de autenticidade cristã. E leva ao Povo de Deus a graça divina, pelos sacramentos. Seus gestos e palavras sacramentais são realmente poder redentor de Cristo no meio do povo.

À luz dessa doutrina católica o verdadeiro fiel proclama a importância do leigo e das organizações laicais. Ela em nada diminui a vitalidade e o valor dos mesmos, pois somente pela inserção na árvore que é Cristo, poderá produzir frutos duradouros. Nós queremos a Igreja conforme Jesus a organizou e não segundo o parecer e interpretações dos homens. Todo ensino discordante do que vem do Senhor através do Magistério, deve ser corrigido. Calar-se diante dele é atraiçoar a missão confiada por Jesus aos pastores de seu rebanho. As afirmações, mesmo parcialmente inexatas são, talvez, mais danosas que o próprio erro integral, pela facilidade de serem aceitas, acobertadas em parcelas de verdade. Assim, cita-se o Concílio Ecumênico mas seu espírito, nos pontos essenciais, é abandonado. Insinua-se, sob o título "Uma Igreja, Povo de Deus", sem uma autêntica hierarquia.

Ao proclamar o valor dado hoje ao laicato, que deve ser firmemente aceito e vivido, não devemos esquecer que, em nossos dias, não lhes foi outorgado algo de novo, pois sempre na Igreja o leigo ocupou espaço. Sua participação, isto sim, teve incentivada sua importância nos desafios dos nossos tempos. O mesmo se diga da posição da Bíblia no crescimento da vida de cada fiel.

Para nós, católicos, há um ponto de referência que nos assegura o caminho certo: estar em comunhão com o Magistério, obedecer às diretrizes do sucessor daquele a quem Cristo confiou a sua grei: "Pedro (...) apascenta minhas ovelhas" (Jo 21,17).

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