DOUTRINA CATOLICA

DOUTRINA CATOLICA

Doutrina Católica

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Temas -- Consistório , Leigos , Dominus Iesus , Carnaval

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VOZ DO PASTOR

D. Eugênio de Araújo Sales

07/06/2001

Lições do Consistório

O VI Consistório Extraordinário, convocado pelo Papa João Paulo II, teve por tema “Prospectivas da Igreja para o 3º Milênio à luz da Carta “Novo Millennio Ineunte””. Com a participação de 155 Cardeais, foi o mais numeroso da História.

No comentário da semana anterior, tentei abordar ocorrências do primeiro dia, que teve início com a recitação da Liturgia das Horas e a saudação do Cardeal decano ao Santo Padre, que foi recebido no Plenário com calorosa salva de palmas; - o mesmo se repetiu no começo de cada sessão – e a palavra do Papa João Paulo II dirigida aos presentes. Pôs em evidência a finalidade da reunião: a “ação da Igreja no 3º Milênio, sublinhando os objetivos missionários, as prioridades, os métodos de trabalho mais eficazes e a procura dos meios necessários” ao êxito da evangelização.

Nos dias subseqüentes, continuaram os pronunciamentos dos Cardeais. A quarta-feira, 23 de maio, foi dedicada à discussão dos objetivos do Consistório, em dez grupos lingüísticos. No final do dia, reunido em assembléia geral, o Plenário tomou conhecimento dos resultados e foi lida uma Relação Final. O círculo de estudos em língua portuguesa apresentou em Plenário as diversas propostas, atendendo às finalidades da reunião. Entre elas, a urgência de uma intensa evangelização “tanto nos países de longa tradição católica como naqueles que pouco ou nada conhecem de Jesus Cristo”. Os participantes sugeriram “o relançamento da missionariedade da Igreja tanto no plano Ad Gentes como nos ambientes já católicos, nos grandes “areópagos”. No que diz respeito a Jesus Cristo “será necessário proclamar, com clareza e coragem, a unidade de Jesus Cristo e que ele é o único Salvador para a Humanidade”. Igualmente será necessário “proclamar a instituição divina da Igreja, a qual, hoje em dia, é muitas vezes contestada ou esvaziada, como instrumento de salvação”. Acentuou-se, também, a importância de uma autêntica catequese que transmita realmente esses grandes conteúdos do “kerigma”, a natureza da Igreja. A evangelização deve, obrigatoriamente, conduzir a pessoa a um profundo encontro com Cristo, pois assim surgirá a adesão a Ele e nEle o envolvimento pessoal. Para tanto, “não basta ensinar todas as coisas sobre Jesus, mas é indispensável (...) um encontro pessoal e definitivo com Jesus Cristo”.

Para diminuir a distância entre o comportamento dos fiéis e a doutrina da Igreja, é preciso explicar as razões da Moral e uma nova reflexão sobre toda essa matéria, a exemplo de João Paulo II, em “Veritatis Splendor”. Isso leva em conta, também, os resultados das ciências humanas. A evangelização “nunca deve ser feita numa forma impositiva ou autoritária, mas, em primeiro lugar, através de um diálogo que acolhe as pessoas ou grupos”. A dimensão ecumênica e interreligiosa não impede, ao contrário, exige, que anunciemos integralmente o conteúdo de nossa Fé. O serviço ao mundo e a solidariedade com os pobres são outros aspectos do processo da difusão da Palavra de Deus. Foi fortemente salientado o papel dos leigos e dos meios de comunicação social nessa matéria.

Igualmente mereceu destaque a função do ministério petrino junto às igrejas particulares: “O primado de Pedro é a grande garantia da unidade de toda a Igreja”. Foi pedido ao Papa que se dirigisse aos Bispos para que exercessem o seu magistério episcopal enfrentando com coragem os desvios da Fé, em suas bases, de forma firme, mas pedagógica e misericordiosa.

Houve referências à santidade da Igreja, à questão ecológica, globalização, aos problemas das drogas, desemprego, pobreza e à revalorização do domingo, dia do Senhor.

Esses tópicos, extraídos de um dos grupos lingüísticos, o lusitano, dão uma idéia do rumo do trabalho realizado. Após elevado número de intervenções, os participantes, reunidos por idiomas, apresentaram as propostas, levadas de novo ao Plenário. Elas representavam a resposta dada ao Papa, convocando o Consistório, sugestões ao Vigário de Cristo. O Santo Padre, presente às reuniões, ouvia atentamente o que cada um desejava dizer-lhe de público, tudo para o bem da Igreja.

O Colégio Cardinalício publicou uma Mensagem que assim começa: “Ao término do Consistório, nós, Cardeais, vindos de todas as partes do mundo, reafirmamos nossa profunda comunhão de Fé e de Amor com o Santo Padre, Sucessor de Pedro”. E, no término do almoço conclusivo, na Casa Santa Marta, no Vaticano, o Papa falou deste modo aos Cardeais, antes de eles retornarem a seus países: “Agradeçamos ao Senhor pelos dias de graça e de profunda comunhão eclesial que, juntos, vivemos. Esse Consistório Extraordinário permitiu reforçar os vínculos de fraternidade, de estima recíproca e de profundo relacionamento que nos une, no serviço da Igreja.

Os participantes eram originários de todos os Continentes. Um total de 68 países. Cada Cardeal exerce ou exerceu uma atividade religiosa de grande relevância, em cidades importantes de todo o mundo. Representavam extraordinária soma de experiências sobre a Humanidade, seus problemas e possíveis soluções. No entanto, pouco poderá fazer o pastor sem seu rebanho e este, sem aquele; será inexoravelmente vítima dos lobos. O Vigário de Cristo pede a seus colaboradores imediatos reflexões e rumos para uma maior eficácia do trabalho que lhe foi confiado pelo Redentor. Juntos, peçamos ao Espírito Santo, que de modo invisível nos dirige, nos ilumine para obedecer a Jesus. Jamais devemos tentar construir a Igreja como uma obra meramente humana, isto é, conforme nossas idéias, concepções, pontos de vista ou ideologia. Permaneçamos sempre fiéis à vontade de Deus.

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VOZ DO PASTOR

D. Eugênio de Araújo Sales

22/09/2000

Dominus Jesus

A Declaração “Dominus Jesus” da Congregação para a Doutrina da Fé traz a data de 6 de agosto último. A 16 de junho, o Papa João Paulo II havia, “Em consciência certa e com sua autoridade”, ratificado e confirmado o Documento. Está destinado a exercer grande e benéfica influência na Igreja. Examinando a situação atual, constatamos algumas semelhanças com as condições existentes após 35 anos da realização do 1º Concílio Ecumênico em Nicéia, no ano 325. As diferenças entre a doutrina autêntica e interpretações distorcidas eram tão sutis naquela época, que sacerdotes e bispos ficavam perplexos diante da argúcia dos argumentadores em favor da heresia, mesmo um arianismo mitigado. Buscavam atenuar as exigências do Concílio de Nicéia. Este tratara do dogma fundamental da Fé cristã, a verdadeira identidade de Jesus Cristo, como Filho de Deus, “Deus verdadeiro de Deus verdadeiro”. Sob a pressão do Imperador Constâncio (337-361), muitos bispos foram forçados ou induzidos a aderir à heresia ariana, que havia motivado a convocação do Concílio de Nicéia. O Papa Libério resistia; o Bispo de Poitiers, Hilário, sofreu repetidos exílios. Sobre esse momento histórico, quando muitos se adaptavam a meias-verdades e tantos fiéis sofriam, por guardarem a Fé íntegra da grande Tradição, eis que São Jerônimo, o sábio Doutor da Igreja, escrevia uma frase que revela a situação alarmante, dramática: “Gemia o mundo inteiro e surpreendeu-se ao se ver “ariano”. “Ingemuit totus orbis et Arianum se esse miratus est” (Dialogo Adversus Luciferianos, nº 19).

Hoje, o poder do Imperador é substituído por interesses, pelo relativismo, subjetivismo, minando a reta Doutrina. Ao apresentar o Documento, o Cardeal Ratzinger resume a gravidade do momento atual: “Trata-se de convicções hoje já difundidas, não somente em ambientes teológicos, mas também em setores sempre mais vastos da opinião pública”. Na atualidade, os erros, de modo sutil ou agressivo, tentam infiltrar-se, atingindo diretamente a identidade da Pessoa de Cristo. Embora os moderados fautores dessa subversão da Fé reconheçam que Jesus é Deus e Homem, dizem que, por ser limitada a natureza humana de Jesus, “a revelação de Deus (em Jesus) não pode ser considerada completa e definitiva”. “Introduz-se, assim, a idéia errada de serem as religiões do mundo complementares à Revelação cristã”. (Declaração, nº 1). Tal pressuposto atinge “o centro e o núcleo da Fé cristã” (idem, 1.2) A partir dessa afirmativa, Jesus não passa de uma pessoa, talvez de extraordinárias qualidades pessoais – mas incapaz de representar Deus de modo universal e definitivo. Diz o Documento “Dominus Jesus”: “Semelhante posição está em total contradição com as (...) afirmações da Fé (...) Suas palavras e obras e o fato histórico de Jesus, se bem que limitados enquanto realidades humanas, têm, todavia, como sujeito a Pessoa divina do Verbo Encarnado (...) E assim, comporta o caráter definitivo e completo da Revelação dos caminhos salvíficos de Deus” (ibidem, 6.2). Quem fala nas palavras humanas de Jesus, é o própria Segunda Pessoa Divina, o Verbo. Graças a esta unidade pessoal em Jesus, do humano com o Divino, a verdade revelada por Ele é “única, plena e completa” (6.2;4.1)

A causa mais profunda e insidiosa dessa erosão da Fé está no “vazio metafísico da Encarnação histórica do Logos eterno reduzido a um simples aparecer de Deus na História” (idem 4.2). As outras grandes religiões são, muitas vezes, a projeção de uma sublime busca de Deus pela inteligência humana. O cristianismo, porém, não é primeiramente busca mas, supondo-a, é a resposta do Deus encarnado. (cfr Cap I. 5-8). Esta parte do Documento se refere mais às doutrinas e tendências oriundas do Oriente, que se infiltraram na Igreja, através de certo nivelamento na Fé. Cristo é a única norma para toda a obra da salvação, por isso, o trabalho missionário é insubstituível.

Levar o Evangelho aos confins do mundo é imperativo da Mensagem de Jesus. Somente Ele revela toda a verdade de Deus Pai. “O perene anúncio missionário da Igreja é hoje posto em causa por teorias de índole relativista, que pretendem justificar o pluralismo religioso, não apenas “de fato”, mas também “de direito” (4.1). O Cardeal Ratzinger, em sua apresentação do Documento, afirmava: “Na base daquelas concepções (relativistas), o falar em verdade universal e vinculante, é considerado uma espécie de fundamentalismo, um atentado contra o espírito moderno” Em seguida, Ratzinger nos faz entender que substituir a missão e a conversão pelo diálogo, “já não é diálogo, mas ideologia do diálogo”, porque fixa, apenas, posições, todas relativas, e já não ajuda o outro a encontrar a verdade, completa só na Revelação de Deus em Jesus Cristo Um profundo erro é distinguir entre Jesus – em quem habitaria ocasionalmente o Verbo eterno – e o próprio Verbo divino, que, fora da Encarnação de Jesus, continuaria agindo onde quisesse. Assim, as missões seriam desnecessárias; o mesmo Verbo, encarnado em Jesus, estaria, também, presente em outras culturas, religiões.

Todos nós, católicos e também os demais cristãos, devemos dizer: “Semelhantes teses estão em profundo contraste com a Fé cristã. Deve, de fato, crer-se firmemente na Doutrina da Fé que proclama ser Jesus de Nazaré, filho de Maria, e só Ele, é o Filho e o Verbo do Pai” (10.1) A sutileza dos erros expostos na Declaração “Dominus Jesus” revela a importância do Documento e a oportunidade de sua publicação. Urge que sejam detectados tão graves desvios e preservados os caminhos que levam a Deus, revelados por Jesus, Salvador único e universal

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VOZ DO PASTOR

D. Eugênio de Araújo Sales

15/09/2000

Senhor Jesus

A recente Declaração “Dominus Jesus” (“Senhor Jesus”), do Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, divulgada após a aprovação do Santo Padre, tem provocado divergentes comentários. A Igreja nada mais fez do que exercer seu direito e obrigação de ensinar sua Doutrina. Essa atitude se baseia em um duplo princípio que não pode ser contestado: a natureza intelectual da criatura humana e o mandato explícito do próprio Senhor Jesus Cristo.

Em relação ao primeiro aspecto, o homem tem consciência de que não é o senhor da Verdade, mas esta tem os alicerces na realidade objetiva, diante da qual se deve curvar. Este é o ensinamento do Concílio Ecumênico Vaticano II (“Gaudium et Spes”, 16; cfr “Veritatis Splendor”, 54). Em decorrência, “o homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus: sua dignidade está em obedecer-lhe e, por ela, é que será julgado” (idem).

A pessoa é um ente social, co-responsável pela sorte do próximo, e não pode, egoisticamente, usufruir do bem conhecido. Pelo contrário, tem o múnus de testemunhar e anunciar as verdades salvíficas que conduzem a sociedade e o indivíduo a verdadeira felicidade. Em outras palavras, deve compartilhar o ensino de Jesus Cristo, missão confiada à Obra por Ele fundada. Pode ser repetido aqui a frase de Newmann: “O homem tem direitos porque tem deveres” (citado em “Veritatis Splendor”, 34.2).

O segundo motivo pelo qual a Igreja Católica assume a tarefa de ensinar sua Doutrina é o mandato expresso do Senhor Jesus. Antes de subir aos céus, deixou uma ordem a ser cumprida até ao final dos tempos: “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos (...) ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28,18-20). E garante não faltar sua assistência.

Diante das ideologias que ofuscam a consciência dos homens, propondo a libertinagem moral e a degradação da dignidade de filhos de Deus, apregoadas por falsos profetas, inclusive utilizando o nome da Igreja, o dever do Magistério eclesiástico pronunciar-se não só é urgente mas grave. São Paulo, diante das divisões e erros entre os coríntios, exclama: “Ai de mim se não anunciar o evangelho!” (1 Cor 9, 16). Um cristão responsável reconhece que também na Igreja penetrou o subjetivismo e o relativismo. Em conseqüência, cada um se arroga o papel de juiz em causa própria, fazendo-se o árbitro da Verdade, do Bem e do Mal. Surgiram grupos que, inclusive, declarando-se “católicos” apregoam uma pseudo liberdade que os autoriza a interpretar a seu gosto a Lei de Deus e a dignidade do próximo. Um exemplo, entre outros, é a associação “Direito de decidir”. Assim, defendem o aborto. Cometem a mesma inversão da ordem divina, como fizeram os algozes que, pelo subjetivismo, julgavam-se no direito de eliminar multidões de inocentes nas câmaras de gás.

A Igreja tem a obrigação de corrigir esses erros, mantendo puro o ensinamento do Senhor Jesus, através dos séculos. Em cada época, desde os Apóstolos, ela tem defendido o corpo doutrinário que lhe foi confiado por Jesus Cristo. Ao fazê-lo, opõe-se, não raro, a maiorias clamorosas dos que, em boa fé ou não, reagem contra a obra de Cristo. Ela continua a exercer sua missão, confiando unicamente em seu Senhor e Mestre, assim como na dignidade humana, que sempre deve ser anunciada e preservada.

Comprovam estas palavras a oposição feita à Declaração “Dominus Jesus”. Fora e também no interior do rebanho de Cristo surgiram, nos últimos tempos, posições doutrinais que entram em conflito com seus ensinamentos. O Vaticano II, em relação ao ecumenismo e diálogo inter-religioso, é claro: em todas as religiões há parcelas de verdade, mas em geral, nas várias denominações cristãs não-católicas sobressai o que nos divide e não o muito que nos une. Afirma que, em determinadas situações, a salvação pode ser obtida fora do catolicismo. E por isso, o movimento ecumênico e de aproximação com outras religiões em nada foi afetado com o recente documento. Muito pelo contrário! Ele só será autêntico – e, portanto, fecundo – se cada denominação religiosa em um clima espiritual, procurar sinceramente a verdade, guiados pelo Espírito Santo e não por métodos humanos. Cada um deve firmar-se em sua posição diante de Deus e, em atitude sincera, buscar a Verdade. Diz o Concílio Vaticano II: “Nesta única Igreja de Deus, já desde os primórdios, surgiram algumas cisões que o Apóstolo censura asperamente, como condenáveis (...) Aqueles, porém, que agora nascem em tais comunidades, e são imbuídos na fé de Cristo, não podem ser acusados do pecado da separação. E a Igreja católica os abraça com fraterna reverência e amor (...). De fato, as discrepâncias (...) criam não poucos obstáculos, por vezes muito graves à plena comunhão. O movimento ecumênico visa superar esses obstáculos (...) O espírito de Cristo não recusa servir-se dele como meio de salvação, cuja virtude deriva da própria plenitude de graça e verdade confiadas à Igreja Católica (...) Só pela Igreja Católica que é o Sacramento de Salvação pode ser atingida toda a plenitude dos meios salutares” (Decreto “Unitatis Redintegratio” sobre o Ecumenismo, nº 3).

Através do Documento da Congregação para a Doutrina da Fé, o Papa tomou posição contra o mal que já era perceptível no tempo de Paulo VI. Esse levantava sua voz contra os que, dentro da Igreja, enfraqueciam o zelo missionário dos cristãos. (“Evangelii Nuntiandi”, nº 80.2).

O texto da Declaração corrige rotas errôneas, pelo menos para os católicos que buscam o cumprimento da ordem do Senhor: “Que todos sejam um” (Jo 17,21). Voltaremos ao assunto.

O Governador do Estado promulgou nestes dias a Lei nº 1233/99, que dispõe sobre o Ensino Religioso confessional nas escolas da Rede Pública do Ensino do Estado do Rio de Janeiro. Merece elogio e apoio dos homens de bem. Ele e os Parlamentares que votaram favoráveis a essa Lei merecem elogio e apoio dos homens de bem. Possibilitar o Ensino Religioso confessional às novas gerações é ir às raízes da violência, da corrupção e da imoralidade, fruto do desconhecimento de Jesus, ausência do temor de Deus.

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Mensagem do Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

12/02/1999

Carnaval e AIDS

Os momentos festivos são uma exigência da própria estrutura psicológica do homem. Eles constituem uma oportunidade para manifestar sentimentos alegres e fazê-lo comunitariamente. Só a pessoa humana sabe avaliar a beleza e a bondade do mundo e dos indivíduos. Em todos, ele entrevê um reflexo daquela plena felicidade para a qual foi criado. A Sagrada Escritura faz referência a esses costumes. O ritmo da natureza com sua fecundidade, novas luas, colheitas era celebrado com exuberante contentamento, como lemos em Oséias (2,13); Amós (8,5); primeiro livro de Samuel (20,28s). E cada povo, na mais antiga memória, possui seu calendário próprio e a maneira peculiar de comemorar acontecimentos e características de sua cultura. Em tudo se vislumbra a harmonia do universo, tendo seu reflexo no ser racional, agradecido diante de Deus. A mais profunda percepção da alma é a alegria, onde, em misteriosa paz, o homem se sabe assumido dentro de uma grande ordem que o ultrapassa e dignifica.

Esse comportamento expressa um novo e mais abrangente sentido de toda a existência. Tão poderoso ele é que envolve corpo e espírito, inclusive alivia a dor e preocupação, e dá ao sofrimento um novo significado.

Totalmente diverso é o caso dos instintos cegos e possessivos. A sexualidade, que possui indiscutível valor, se desenfreada, não conhece alegria em sua nobre acepção, mas somente busca objetivos primários, sem os encaminhar a meta mais elevada. Qualquer realidade relacionada apenas ao corpo e seus órgãos, ou a interesses egoístas, pode provocar a manifestação restrita, jamais a alacridade do homem todo. O prazer no primeiro caso morre com o momento de seu consumo; o júbilo, no segundo, revela à pessoa humana uma dignidade maior, eleva-a para além do momento limitado.

Ao mesmo tempo, todo ato racional, por mais nobre que seja a intenção de realizá-lo, está sujeito às condições a que foi reduzida a humanidade com a inclinação ao mal, introduzido pela desobediência a Deus. Livre, cada um pode usar bem ou não da liberdade que, aliás, é a fonte do mérito ou demérito de cada ação que se faz.

Essas considerações nos vêm por ocasião do Carnaval. Em si, seus divertimentos podem ser bons ou maus, dependendo da observância da Lei de Deus. Infelizmente, para muitos, tornou-se sinônimo de desregramentos morais. O cristão deve viver sua Fé atuando na própria comunidade. Exercer sua influência no que se refere aos folguedos carnavalescos, no sentido de reduzir a exibição da nudez e tudo o que exacerba os instintos é seu compromisso decorrente da vida cristã.

Merece destaque nessas considerações a AIDS, que pode ser mortal. Ainda e apesar dos esforços, não há vacina nem remédio para quem foi contaminado pelo vírus HIV. Embora transmitido apenas no uso de drogas injetáveis, nas relações sexuais e algumas outras circunstâncias, aumenta assustadoramente a epidemia. Doloroso contraste: a ciência consegue prolongar a vida dos infectados, e este fato se transforma em eficaz meio de mais propagar a doença. Multiplicam-se as nocivas relações hétero ou homossexuais, pois cresce o número de elementos contaminadores, apoiados pela campanha do sexo "seguro", através de preservativos. Estes são falhos. É uma inverdade afirmar o contrário. De acordo com o "1998 Medical Management of HIV Infection" de John G. Bartlett, MD, professor da Johns Hopkins University School of Medicine, Baltimore, Maryland, a "camisinha" usada de modo comum, falha em 12%. Citei um professor dessa Universidade por ser ela referência na matéria. E há outras informações com proporção de insucesso bem mais elevado.

O Governo brasileiro recentemente mudou sua estratégia em relação às campanhas de prevenção à AIDS. Hoje, enfatiza também o diálogo entre os parceiros sexuais. Mas isso está longe de resolver o problema. Tal promoção, sem a mudança do comportamento sexual, sem alertar para o fato de que, empregando o preservativo, a pessoa ainda corre grave risco de contrair o vírus, uma vez que ele é passível de falha.

Convém observar que a mudança do comportamento sexual de indivíduos que estão sob o efeito de drogas ou álcool os leva a manter relações sexuais com desconhecidos. Isso é comum no Carnaval.

Ao vir ao mundo, somos pressionados por tendências boas ou más. Evidentemente, estas devem ser coibidas para o aperfeiçoamento de nossa conduta. Diz o Catecismo da Igreja Católica (nº 1767): "Em si mesmas, as paixões não são boas nem más. *** Só recebem qualificação moral na medida em que dependem efetivamente da razão e da vontade". *** E adiante (nº 1768) "As paixões são moralmente boas quando contribuem para uma ação boa e más quando se dá o contrário".

Essa campanha incorreta e um cartaz indigno, no qual se insere a figura venerável do Santo Padre, patrocinado por organismos governamentais e outras instituições, devem ser avaliados à luz dos seguintes dados que revelam a gravidade do problema conforme dados da Organização Mundial da Saúde, no final do ano passado: Número de pessoas vivendo com o HIV/AIDS no mundo: 30 milhões. Número total de mortes de AIDS: 11,7 milhões. Número de crianças órfãs de AIDS: 8,2 milhões. Cerca de 16.000 pessoas se contaminam a cada dia em todo o universo. Diante de tão grave problema a solução apresentada é falha.

Como o Carnaval é uma ocasião propícia à maior propagação da epidemia e na oportunidade dessa campanha nacional que na verdade favorece a difusão do mal, cumpro o dever de alertar. Só pode fazer bem refletir, no Carnaval, sobre a verdadeira alegria e o risco de vida que muitos correm através da contaminação do vírus HIV.

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