Doutrina Católica

ARTIGOS DE D EUGENIO SALES

Temas :

1- Visita do Papa ao Brasil em 1980

2 - A Sagrada Eucaristia

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Mensagem do Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

16/7/2004

Recordação da visita do Papa

A 30 de junho de 1980 iniciava o Santo Padre João Paulo II sua primeira e histórica visita ao Brasil, percorrendo oito Estados. Aproxima-se o 25º aniversário, uma excelente oportunidade para serem recordados os ensinamentos do Sucessor de Pedro e o nível de fidelidade medido pelo cumprimento das diretrizes dadas pessoalmente e transmitidas, na ocasião, por uma extensa rede de comunicação. Ele abordou, com sua autoridade, os principais problemas da Igreja no Brasil e apontou aos católicos a solução. A lembrança dessa extraordinária peregrinação também possibilitará o fortalecimento de eventuais correções de rota. Estaremos assim nos preparando para as celebrações que, certamente, serão realizadas em caráter individual ou comunitário. João Paulo II foi bem explícito quanto aos objetivos da viagem. Ao desembarcar, em Brasília, a 30 de junho de 1980, presente o Presidente da República, afirmou: “Aqui me encontro numa missão nitidamente pastoral e religiosa”. Na catedral de Brasília, dirigindo-se aos sacerdotes e religiosos, assim se expressou: “sois os pastores de um povo bondoso e simples, que revela uma grande fome de Deus. Vivei, pois, com entusiasmo, a missão evangelizadora da Igreja. Para realizá-la, deveis assumir com coragem a tarefa de saciar esta fome, levando o povo ao encontro de Deus. Assim estareis contribuindo para torná-lo mais humano”. Na homilia da missa ele proclamou: “A fé católica (...) está na raiz da formação do Brasil, especialmente de sua cultura. Pretender cancelar esta fé é esvaziar séculos de história, (...) é mutilar a mensagem do Evangelho (...); a missão da Igreja não pode ser reduzida ao sócio-político, mas consiste em anunciar o que Deus revelou sobre si mesmo e sobre o destino do homem”. Aos presos do Presídio da Papuda, dirigiu estas palavras: “Gostaria de entrar, para uma visita como esta, em todas as prisões do Brasil. Que esta seja um símbolo e que cada prisioneiro se sinta visitado pelo Papa”. Em Belo Horizonte, a 1º de julho, exortou a juventude “a construir uma sociedade justa, livre e próspera, onde todos e cada um possam gozar dos benefícios do progresso”. No Rio de Janeiro, na missa do Aterro do Flamengo, o tema central foi a família: “como fechar os olhos para as graves situações em que concretamente se encontram numerosíssimas famílias entre vós e para as sérias ameaças que pesam sobre a família em geral? Algumas dessas ameaças são de ordem social; (...) outras são de ordem moral e referem-se à generalizada desagregação da família; (...) outras ainda são de ordem civil, ligadas à legislação referente à família (...). Queira Deus que assim não seja em vosso País (...). E aqueles que têm a responsabilidade de elaborar e promulgar as leis o façam no respeito aos valores insubstituíveis de uma ética cristã” (nº 5). No discurso aos intelectuais, a 1º de julho, o Papa assim falou: “Não tenhais medo, senhores, abri as portas do vosso espírito, da vossa sociedade, das vossas instituições culturais à ação de Deus, que é amigo do homem e opera no homem e pelo homem” (nº 3). Na visita à favela do Vidigal, fez o discurso síntese de todos os pronunciamentos no Brasil, como ele mesmo afirmou (nº 3). Ao referir-se à Igreja dos pobres, declarou que ela não é “de uma classe ou de uma só casta. (...) A Igreja dos pobres não quer servir àquilo que causa as tensões e faz explodir a luta entre os homens. (...) A Igreja dos pobres não quer servir a fins imediatos, políticos, às lutas pelo poder e (...) suas palavras e ações não sejam usadas para tal fim ou sejam ‘instrumentalizadas’” (nº 5). Inspira-nos na preparação ao 25º aniversário da primeira Visita de João Paulo II ao Rio de Janeiro e ao Brasil, o discurso que ele proferiu no Corcovado, com intensa participação desta Cidade através da cadeia das emissoras de rádio e televisão. Era o dia 2 de julho e assim começou: “Cristo! De que outro lugar, no Brasil e fora dele, faz ecoar este Nome - o único que nos pode salvar (cf Atos 4,12) - e que tem um particular direito de cidadania na história do homem e da humanidade (cf. “Redemptor Hominis”, nº 10). Não há melhor lugar para falar de Cristo do que do alto deste imenso penhasco feito altar, entre maravilhas naturais, criadas por Ele, o Verbo de Deus (cf. Jo 1,3), bem no coração do Rio de Janeiro. Aqui a estátua que há precisamente cinqüenta anos todo um Povo quis erguer no cimo do pedestal natural, se faz a um tempo símbolo, apelo e convite” (nº 1). Na tarde do mesmo dia, no estádio do Maracanã, o Santo Padre, ordenou 72 presbíteros, de muitas dioceses do Brasil. Na homilia da missa reafirmou: “O serviço sacerdotal é serviço excelente e essencialmente espiritual (...), não é o do médico, do assistente social, do político ou do sindicalista (...). Aos Bispos latino-americanos, reunidos no Rio de Janeiro tratou das atividades do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM). Destaco o seguinte: “A Igreja é para o crente objeto de fé e de amor. Um dos sinais do compromisso real com a Igreja é acatar sinceramente seu magistério, fundamento da comunhão. Não é aceitável a contraposição que se faz, às vezes, entre uma Igreja “oficial”, “institucional” e a Igreja “comunhão”. Voltaremos ao assunto, recordando, assim, todo o roteiro, etapas dessa extraordinária viagem. Evidentemente, a leitura integral de cada pronunciamento será uma ocasião de recordar, com maior eficácia, esta pregação do Evangelho em nossa Pátria, que bem merece uma digna celebração. Isso nos leva a um exame de consciência a respeito da nossa obediência aos ensinamentos e orientações do Santo Padre contidas em numerosos discursos e homilias que aqui pronunciou. Vamos reler a pregação de João Paulo II, examinar nossa conduta, fazer uma autocrítica da aplicação das diretrizes do Sucessor de Pedro. É, sem dúvida, a melhor maneira de celebrar os 25 anos da primeira visita do Papa ao Rio de Janeiro e ao Brasil.

Recordação da visita do Papa - 23/07/2004

Visita do papa II

Dom Eugenio Sales, Arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro.

O papa João Paulo II, até agora, fez 103 visitas a países, sempre com extraordinário sucesso. A primeira visita realizada ao Brasil teve início a 30 de junho de 1980. Ao celebrarmos o Jubileu de Prata dessa atividade pastoral, é-nos oferecida uma excelente oportunidade para reler os pronunciamentos do romano pontífice e recordar as diretrizes do pastor universal às Igrejas particulares em nosso País. Esse acontecimento nos leva à ação de graças pelo que já foi posto em prática e, diante de eventuais omissões, tomar as medidas necessárias em favor da obediência ao magistério pontifício. Em São Paulo, na homilia da missa, João Paulo II apresentou a extraordinária figura do bem-aventurado José de Anchieta como exemplo aos cristãos em nossos dias: “Lembrai-vos: José de Anchieta respondeu com generosidade e o Senhor fez dele o “Apostolo do Brasil” aquele que, de maneira insigne, contribuiu para o bem do nosso povo” (nº 2). No discurso aos trabalhadores, em São Paulo, a 3 de julho, afirmou: “O bem comum requer, como exigência fundamental, que a sociedade seja justa!” (nº5). Nesse mesmo dia, na mensagem aos religiosos: “Se o testemunho que se espera do leigo é o da secularidade, da ação nas realidades temporais, o testemunho conatural à vida religiosa em geral e a cada religioso em particular é o das bem-aventuranças vividas no cotidiano” (nº3). A 4 de julho, em Aparecida, o papa declarou: “Venho, pois, consagrar esta Basílica, testemunho de fé e devoção mariana” (n. 4),“elementos fundamentais na cultura latino-americana (...) são um dos traços característicos da religiosidade do povo brasileiro” (nº8). Ainda na Homilia, o romano pontífice fez um apelo: “Sede fiéis àqueles exercícios de piedade mariana tradicionais na Igreja: a oração do Ângelus, o mês de Maria e, de maneira toda especial, o Rosário. Quem dera renascesse o belo costume - outrora tão difundido, hoje ainda presente em algumas famílias brasileiras - de reza do terço em família” (idem nº 9). A etapa seguinte, a 4 de julho, foi a capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Na saudação ao povo, João Paulo II abordou o tema da catequese, adequada às circunstâncias, sempre conforme o sentir da Igreja: “não quero por isso, deixar passar esta oportunidade sem vos exortar a vós, pastores, bispos e presbíteros; vós pais e mães de família, vós professores, a um corajoso e perseverante esforço de catequese para crianças, jovens e adultos” (nº2). Voltou a insistir sobre a importância da catequese e acrescenta: “Finalmente quero lembrar a grande contribuição que nos vem dos meios de comunicação social” (nº5). No encontro ecumênico manifestou sua satisfação pela criação do Conselho Nacional das Igrejas, integrado pela Conferência dos Bispos e diversas denominações evangélicas, em busca de diálogo. No dia 5 de julho teve o encontro com os vocacionados. Abordou a problemática dos seminários. Disse o papa: “Temos o dever de reexaminar algumas iniciativas, tomadas certamente com boas intenções, mas que podem deformar as orientações do Concílio e levar a resultados enganosos e prejudiciais” (nº8). Refere-se a “experiências que ou não deram fruto, ou se revelaram negativas”. Convém ter bem presente que as correções e advertências feitas pelo romano pontífice, não dizem respeito apenas ao lugar onde fala o papa, mas são para todo o Brasil e os destinatários, aqueles que, porventura, necessitem do zelo do pastor universal. Nesta oportunidade, João Paulo II retornou ao tema família: “Meu pensamento e minha exortação dirigem-se também às famílias cristãs, que o Concílio Vaticano II indicou como “primeiro seminário” da vocação: compete a vós criar no próprio meio aquele clima de fé, de caridade e de oração, que oriente os filhos para se confrontarem, numa atitude de generosa disponibilidade, com a iniciativa de Deus e com o seu plano sobre o mundo” (nº9). A 5 de julho chega a Curitiba. Em sua saudação inicial, o papa se referiu novamente à família brasileira formada pelas mais diversas raças “vós representais a universalidade da Igreja”. Na homilia da missa no dia 7 de julho, o santo padre louvou o acolhimento dado aos imigrantes e perguntou: “Haverá países em que a assimilação e integração do imigrado se faça com tanta naturalidade? Com maior naturalidade do que aqui, é impossível” (nº3). E ainda: “De todas as belezas de vosso País não sei se levarei no coração imagem mais tocante e significativa do que o da concórdia, da alegria descontraída, do senso de autêntica fraternidade com que convivem aqui as mais variadas raças” (nº5). Nesse mesmo dia, chega a mais uma etapa, São Salvador da Bahia. Na saudação inicial assim se expressou: “Pisando este solo, tenho a viva consciência de um encontro marcado com as nascentes mais puras do Brasil” (nº1). Aos construtores da sociedade pluralista de hoje, “aos que detêm nas mãos um certo poder, pela posição e atividades que exercem, o papa exorta a recusar a violência como meio de resolver os problemas sociais. A violência é contra a vida, é destruidora do homem. Aplicai vosso poder a serviço da solidariedade” (nº6). Na visita aos hansenianos da Bahia: “Em nome daquele mesmo Jesus que eu hoje represento diante de vós, exorto-vos também a utilizardes bem e valorizardes o sofrimento que trazeis impresso no vosso corpo e no vosso espírito” (nº3). Na mensagem aos moradores da Favela Alagados: “não digam que é vontade de Deus a permanência em uma situação de pobreza, doença, má habitação (...). Não esperar tudo de fora, mas começar a fazer todo o possível, instruir-se para ter mais possibilidades de melhoria” (nº3). Na homilia em Salvador, ensinou: “Somos os guardiães da Palavra de Deus e, portanto, não temos o direito de mutilá-la em nossas pregações” (nº4). Estamos às vésperas do 25º aniversário da primeira visita de João Paulo II ao Brasil. Suas diretrizes, passado um quarto de século, permanecem atuais. A proteção da Virgem Aparecida, particularmente neste ano do centenário de sua coroação, nos assegura a alegria da fidelidade.

Mensagem do Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

28/5/2004 -- Santíssima Eucaristia

A Sala de Imprensa da Santa Sé, a 23 de abril passado, divulgou um documento da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos intitulado “Redemptionis Sacramentum”. Trata de alguns itens que devem ser observados, em relação à Santíssima Eucaristia. A apresentação foi feita pelo Cardeal Prefeito desse Dicastério e pelo Secretário do mesmo. Fez-se presente a Congregação para a Doutrina da Fé. Participou também o Cardeal Presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos. Essa tomada de posição da Sé Apostólica havia sido anunciada na Carta Encíclica “Ecclesia de Eucharistia” do Papa João Paulo II, datada de 17 de abril de 2003. Sem dúvida, pode ser alinhada entre os mais importantes pronunciamentos do Magistério do atual Papa. Mostra a necessidade de correções e fortalecimento da Liturgia Eucarística. Assim, “o sacerdote ponha em prática a recomendação conciliar de celebrar diariamente a Santa Missa” (nº 31). E adiante: “Desejo reafirmar que vigora ainda e sempre há de vigorar na Igreja a norma do Concílio de Trento que concretiza a severa advertência do Apóstolo Paulo (...) que se deve fazer antes a confissão dos pecados, quando alguém está consciente de pecado mortal” (Idem nº 36). Diz ainda o Papa (Ibidem nº 52): ”Temos a lamentar, infelizmente, que sobretudo a partir dos anos da reforma litúrgica pós-conciliar, por um ambíguo sentido de criatividade e adaptação, não faltaram abusos, que foram motivo de sofrimento para muitos”. E adiante, aborda um assunto fundamental, não só na Liturgia, mas em toda a vida eclesial: a obediência. Diz ele: “Atualmente também deveria ser redescoberta e valorizada a obediência às normas litúrgicas (...) precisamente para reforçar esse sentido profundo das normas litúrgicas (...) pedi aos Dicastérios competentes da Cúria Romana que preparem sobre tema de tão grande importância um documento específico incluindo também referências de caráter jurídico” (nº 57). Essas poucas citações respigadas no texto da Encíclica revelam a vinculação da mesma com o recente documento “Redemptionis Sacramentum”. Ao apresentá-lo ao público, o Cardeal Prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos recordou os elementos positivos na celebração do culto, desde o Vaticano II e afirmou que “os abusos têm sido, para muitos, motivos de sofrimento”. O Arcebispo Secretário do mesmo Dicastério afirma que o texto “apenas recorda as normas litúrgicas vigentes” e que não se deve fazer da Liturgia uma “zona franca” a experimentações e arbítrios pessoais não justificados mesmo por qualquer boa intenção”. O texto da Instrução consta de uma Introdução, oito capítulos e a Conclusão. O capítulo I trata da “Ordenação da Sagrada Liturgia”. No parágrafo 24 afirma: ”O povo cristão, por sua parte, tem o direito a que o Bispo Diocesano seja vigilante para que não se introduzam abusos na disciplina eclesiástica”. O capítulo II tem por título: “A participação dos fiéis leigos na celebração da Eucaristia”. O III capítulo expõe a “Celebração correta da Santa Missa”. O parágrafo 59 afirma: “Cesse a prática reprovável de que sacerdotes ou diáconos ou mesmo fiéis leigos, mudem ou alterem a seu próprio arbítrio, aqui ou ali, os textos da Sagrada Liturgia que eles pronunciam”. A Instrução precisa, no parágrafo 64, que a homilia “jamais pode ser feita por um leigo”. Sobre a paz antes da Comunhão, no parágrafo 72: “Convém que cada um dê a paz sobriamente, só aos mais próximos a ele”. O Capítulo IV “A Sagrada Comunhão”, mostra as disposições para recebê-la. A Primeira Comunhão das crianças deve ser sempre precedida da confissão e absolvição sacramental (...) sempre deve ser administrada por um sacerdote e nunca fora da celebração da Missa” (nº 87). Sobre a distribuição da Sagrada Comunhão recorda ser o direito de todos os fiéis escolher recebê-la na boca ou na mão O capítulo V, “Outros assuntos que se referem à Eucaristia”. assinala que sempre e em qualquer lugar é lícito aos sacerdotes celebrar o santo sacrifício em latim, salvo quando está estabelecido que seja celebrada na linguagem do povo. Com exceção do celebrante principal “que sempre deve usar a casula da cor prescrita, os concelebrantes podem substituí-la pela estola sobre a alva, quando há justa causa. A reserva da Sagrada Eucaristia e seu culto fora da Missa é o título do capítulo VI. Diz o documento: “Ao Santíssimo Sacramento será reservado um sacrário na parte mais nobre da igreja, mais insigne, destacada e convenientemente adornada”. Recomenda que “se promova insistentemente a piedade à Santíssima Eucaristia, tanto privada como pública”. O capítulo VII “Ministério extraordinário dos fiéis leigos” recorda que “somente por verdadeira necessidade se recorra ao auxílio desses ministros na celebração litúrgica”. O capítulo VIII trata dos remédios aos diversos abusos mais graves ou não, mas todos merecedores da atenção para evitá-los ou corrigi-los. Mesmo não elencados no documento, requerem a devida emenda segundo as normas do Direito. Ao Bispo diocesano, “dado que tem obrigação de defender a unidade da Igreja em todo o universo, cabe promover a disciplina, que é comum a toda a Igreja”. E o sacerdote, diácono ou fiel leigo “tem o direito de expor sua queixa, por um abuso litúrgico, ante o Bispo diocesano.” São normas que surgem da Carta Encíclica “Ecclesia de Eucharistia”, destinada a uma profunda meditação na Igreja e de um acurado sentido de obediência à ordem do Senhor. A renovação da Igreja passa pela obediência à Liturgia. Esse documento é fruto de uma determinação do Santo Padre. Cabe a nós, observar e fazer observar as normas nele contidas. Para isso, peçamos a ajuda de Maria, a Virgem Fiel.

Mensagem do Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

4/6/2004

Adoração a Cristo Eucarístico

“Tu, Senhor Jesus, ficarás para sempre exposto neste trono até ao fim dos tempos, porque eu te prometo que os brasileiros também ficarão aqui ajoelhados até ao fim dos tempos”. Este compromisso foi assumido solenemente por Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, então Arcebispo Coadjutor do primeiro Cardeal da América Latina, Dom Joaquim Arcoverde. Na tarde de 3 de maio de 1926, festa da Santa Cruz, por iniciativa de Dom Leme foi instalada solenemente na Matriz de Sant’Ana, o Santuário da Adoração Perpétua que teve início nessa mesma noite. Desde então, muito tempo se passou: 78 anos, e até hoje o compromisso assumido por Dom Leme tem sido fielmente observado, tanto durante o dia como à noite. A Adoração Noturna é composta de pessoas de todos os níveis sociais, vindas da cidade e do interior do Estado, profissionais liberais, operários, funcionários públicos, militares, artesãos, entre tantos outros. Há adoradores inscritos há mais de 50 anos, sem nunca terem faltado uma só noite. O compromisso é mensal. Alguns vêm diretamente do trabalho e somente no dia seguinte regressam ao lar. Em uma construção anexa, a Casa Pio XII, com quartos correspondentes aos horários de 22 horas às 5 da manhã, há acomodações para o pernoite de 132 adoradores. Atualmente integram a Adoração Noturna cerca de 4.000 homens. A presença média mensal, em 2003, foi de 1.830 fiéis e no mês de abril último, 1.510. Ingressaram nesse ano, 187 novos adoradores. É de observar que os jovens também se fazem presentes. Durante o dia, das 6 horas às 21 horas, assume a Guarda de Honra do Santíssimo Sacramento, integrada principalmente por senhoras e moças. Quer diária, semanal ou uma vez por mês, fazem sua hora de adoração ao Santíssimo Sacramento, que permanece exposto, sem interrupção. Ambas as iniciativas constituem uma força viva da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Às vésperas da inauguração, chegou ao Brasil, a convite de Dom Leme, uma comunidade da Congregação do Santíssimo Sacramento para assegurar a continuidade da obra, cujo carisma, recebido e transmitido pelo fundador, São Pedro Julião Eymard, é “adorar e fazer adorar”. Nas proximidades da grande festa litúrgica de “Corpus Christi” e em preparação à mesma, realiza-se sempre a Semana Eucarística. A deste ano é a 78ª, cujo lema é “Unidos na oração com Maria, Mãe de Jesus” (At 1,14). Achei oportuno reavivar a memória dessa importante obra e o papel que pode exercer na recuperação do Rio de Janeiro que, como outras partes do País, sofre intensamente com a violência, drogas e confrontos armados entre gangues e a Polícia. Diariamente somos agredidos por ocorrências reveladoras de um enfraquecimento do tecido moral no Rio. O fato de igual constatação, em diversos locais do Brasil, não nos exime de buscar soluções válidas e eficazes. Reuniões se repetem, assim como medidas administrativas. Soluções são sugeridas, mas não há referências à causa profunda do mal que não é só de ordem econômica e administrativa. Um fato chama a atenção: a luta armada na Favela da Rocinha levada a termo em uma Sexta-feira Santa. Por mais distanciados dos valores morais e religiosos que estivessem os delinqüentes, anteriormente, o respeito ao Sagrado era preservado. Não se ousava afrontá-lo, ao menos por temor a Deus. Entre as ações apontadas como solução, há uma grave omissão, quando não se inclui a revalorização da ordem moral e o reconhecimento da importância do fator religioso. A festa de “Corpus Christi”, com a solene procissão eucarística realizada em todos os recantos do País, e, este ano, às vésperas da celebração do 50º aniversário do XXXVI Congresso Eucarístico Internacional, realizado no Rio em 1955, certamente é uma magnífica oportunidade para rever o comportamento de nossa comunidade, à luz de Jesus Cristo Eucarístico. Para alcançar esse objetivo muito nos ajudará a leitura da recente Carta Encíclica “Ecclesia de Eucharistia”, de João Paulo II, sobre a “Eucaristia na sua relação com a Igreja”. O Papa recorda os mais variados cenários onde celebrou o Santo Sacrifício “em caminhos de montanhas, às margens dos lagos, à beira do mar, nos estádios, nas praças da cidade (...) este cenário tão variado das minhas celebrações eucarísticas faz-me experimentar intensamente seu caráter universal”. E conclui: “A Eucaristia celebrada sobre o altar do mundo” (Idem, nº 8). A vitória sobre o crime passa também pelos fatores religiosos. O distanciamento de Deus leva ordinariamente ao exacerbamento dos maus instintos. Isto nos é confirmado pelo título dado por um grande jornal a essa situação que nos aflige e nos revela a gravidade do momento: “A banalização do desrespeito aos mortos” e no corpo da reportagem se refere a outras cenas degradantes. Recordemos o bárbaro assassinato, há dois anos, do jornalista Tim Lopes que, inclusive, foi autor, meses antes de morrer, de uma reportagem televisiva sobre os Adoradores Noturnos. Vem de longe o mal. Recordo-me que em 1991 (no Rio) o corpo de um homem ficou insepulto nove dias em um terreno baldio. Um irmão nosso, justiçado com crueldade por outra facção rival, assim permaneceu, pois o eventual chefe do tráfico havia proibido ser sepultado ou comunicar o fato às Autoridades. A todo esse descalabro acrescentem-se a chaga da corrupção no campo administrativo e tantas outras mazelas, frutos da degradação moral. Essa situação não se corrige somente por leis e decretos, mas pede também outras medidas saneadoras para correção das falhas em nossa sociedade. Aí se insere o grande contributo, ao menos para os católicos, de uma devoção eucarística e outros meios religiosos. Na sua citada Encíclica, o Santo Padre assim se expressa (nº 25): “Compete aos Pastores, inclusive pelo testemunho pessoal, estimular o culto eucarístico, de modo particular as exposições do Santíssimo Sacramento e também as visitas de adoração a Cristo presente sob as espécies eucarísticas”. Aproveitemos a solenidade de “Corpus Christi” para fortificar nossa prática religiosa como fator importante na recuperação da paz para o ambiente em que vivemos e na Cidade que tanto amamos.

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