Doutrina Católica

Doutrina Católica

Mensagem do Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

31/12/2004

Ação Evangelizadora

A Exortação Apostólica “Evangelii Nuntiandi” do Santo Padre Paulo VI sobre a “Evangelização do Mundo Contemporâneo” se inclui entre os documentos mais importantes da Igreja em nossos dias.

O número 41 trata da necessidade do exemplo, como um válido e indispensável instrumento na difusão da Fé em nossa época. Há uma real exigência de autenticidade no tempo atual. Diz o Santo Padre Paulo VI: “O testemunho de uma vida verdadeiramente cristã, entregue às mãos de Deus, é o primeiro meio de evangelização. Será, pois, pelo seu comportamento, pela sua vida, que a Igreja há de, antes de mais nada, evangelizar este mundo”. E no nº 76 volta a insistir no fato de que é “condição essencial para a eficácia profunda da pregação” uma vida que reflita uma crença. Ouve-se repetir com freqüência, hoje em dia, que esse nosso século tem sede de autenticidade. Esse ensinamento me vem à mente quando vejo lares, apresentados como modelares, que se desfazem; padres que realmente viviam um sacerdócio símbolo de consagração total, abandonarem-no. Em outras palavras, o escândalo vindo de onde não se esperava. Na verdade, a Igreja é Mãe santa que tem filhos pecadores. O que possui de bom tem origem em Cristo, seu Fundador. As falhas, as deficiências, a desordem moral em seu interior, provêm de sua condição de Mãe dos homens. Essas sombras não devem causar surpresa. Elas tiveram início ainda presente o Mestre e serão companheiras inseparáveis de nossa fragilidade, até o final dos tempos. Quando surgem no clero são, por isso, mais graves. Ao se manifestarem nos leigos, seu efeito demolidor deve ser aquilatado pela posição de evidência de que eles gozavam como membros da comunidade cristã. A Escritura nos fala dos cedros do Líbano que desabam. Destroem em derredor, com a sua queda.

A reação contra essas fraquezas é justa, pois jamais falta a graça de Deus nas dificuldades. Assim, cada um responde pelo mal que provoca, pois abusou da liberdade que possuía. A satisfação pessoal pesou mais no prato da balança que os sofrimentos provocados no Corpo místico do Senhor.

Injusto, entretanto, é atribuir esses desastres à própria estrutura da Igreja ou duvidar da sinceridade dos que lutam por seguir o Redentor.

Somente os fracos se alegram com a derrota de outrem. A verdade é que eles carecem de coragem para apresentar-se conforme as exigências do Evangelho e tentam justificar-se por um lamentável fracasso do próximo. Aproveitam esses casos dolorosos para lançar o descrédito na multidão que permanece firme e fiel. Eles também jogam sua pedra, em forma de interpretações malévolas, sobre a sinceridade de atitudes anteriores desses nossos irmãos que malograram. Por uma falta atual, não temos o direito de duvidar de sua integridade e retidão no serviço de Deus até o abandonarem, desfazendo compromissos assumidos com a Igreja. Igual e grave falha cometem os que afirmam perseverar na obediência a Cristo e se omitem na condenação a essas traições ao Senhor. Outros aceitam como válidas explicações apresentadas na vã tentativa de desculpar a infração à Lei de Deus; ou ainda, por manifestações externas, sociais, nivelam o erro à verdade. Agem assim, sob o pretexto de amizade. Falam em caridade e compreensão humanas. Na verdade, confundem uma atitude correta diante do pecador, com quem sempre se deve ter entranhas de misericórdia, com a aceitação do pecado, pois há certas demonstrações que podem ter esse significado frente à opinião pública. Termina-se tentando justificar o injustificável e negando o próprio Cristianismo.

Em uma sociedade permissiva, vai às raias do heroísmo uma tomada de posição conforme a moral cristã. Um convite que se recusa, uma visita que se nega, um gesto que se mede para não ser por outros interpretado como aceitação do mal perpetrado, exigem uma têmpera que hoje escasseia. Por isso, se pode perguntar a muitos que se proclamam católicos, se realmente fizeram verdadeira opção por sua Fé. Ela, se autêntica, repercute na própria vida e também no relacionamento social.

Somente a firmeza, erroneamente confundida com dureza, nos faz evitar atitudes antievangélicas, motivadas por razões humanas e não sobrenaturais.

Viver o Evangelho não é fácil. Daí o perigo de um falso entusiasmo pelo Salvador, sem igual correspondência de sentimentos por esta Igreja concreta, única, onde subsiste o Cristo em sua plenitude. Ela possui diretrizes e normas que deverão ser incorporadas à nossa vida. Não nos esqueçamos de que a felicidade que o Senhor nos veio trazer é fundamentalmente diversa da que uma sociedade paganizada nos propõe. Os princípios expostos no Sermão da Montanha contradizem o que ouvimos no dia-a-dia.

Hoje, uma opção se impõe para que possa ser utilizado o nome de cristão com dignidade. Esse testemunho de autenticidade é importante fator de eficácia em uma ação evangelizadora no mundo contemporâneo.

O que mais entristece é a condenação à morte do embrião, sobretudo em pleno período natalino, quando se celebra e exalta a Vida que nos salvou da morte. Herodes vive ainda em nossos dias. O rei procurou salvar o seu trono exterminando todos os nascidos em certo espaço de tempo, esperando atingir o Salvador do mundo. Não cabe ao homem suprimir a existência do ser humano. Assassino não é somente o que maneja o instrumento que leva à morte, mas todos os que cooperam para que isso aconteça. Trata-se de uma espécie de terrorismo eventualmente absolvido pela lei dos homens. Aprovado ou não por legisladores e juizes, o aborto continuará sendo um crime diante de Deus.

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Mensagem do Cardeal D. Eugenio de Araújo Sales

Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de Janeiro

24/12/2004

Dia mundial da paz

Para o Dia Mundial da Paz, a ser comemorado a 1º de janeiro de 2005, o Santo Padre enviou, como faz todos os anos, uma Mensagem aos católicos e a todos os homens de boa vontade. Esse documento, com a data da assinatura em 8 de dezembro deste ano, possibilita uma preparação para mais eficácia na difusão de seu conteúdo, conforme o tema “Não te deixes vencer pelo mal, vence antes o mal com o bem”. Essas são palavras dirigidas por São Paulo Apóstolo aos Romanos (12,21). Sob diversos ângulos, o Papa expõe o assunto: promover e defender a paz, pois ela é “um bem para as pessoas, as famílias, as nações da terra e toda a Humanidade, mas um bem que deve ser conservado e cultivado mediante opções e obras de bem. O único modo de sair do círculo vicioso, do mal pelo mal, é acolher a palavra do Apóstolo” (Mensagem para o Dia Mundial da Paz, nº 1).

Em toda a Sagrada Escritura essa aspiração de cada ser humano está viva, pulsa no coração da criatura feita à imagem de Deus. Infelizmente, a busca dos caminhos para obter a paz nem sempre utiliza os meios para obtê-la e, não raramente, a ela não nos leva. Faz-se mister uma “essencial conotação moral, que implica concretas responsabilidades de nossa parte e põe em questão as relações fundamentais da pessoa com Deus, com os outros indivíduos e com a criação” (Idem, nº 2). Olhando em torno, envolvidos como estamos pela propaganda contrária aos valores espirituais, não causa admiração como a impressionante difusão de numerosas manifestações sociais e políticas do mal, desde a desordem social à anarquia e à guerra; da injustiça à violência (...). Para orientar o seu próprio caminho entre as solicitações opostas do bem e do mal, a família humana tem urgente necessidade de valer-se do patrimônio comum de valores morais que o mesmo Deus lhe deu. Por isso, a quantos estão decididos a vencer o mal com o bem, o Apóstolo Paulo convida a cultivar atitudes nobres e desinteressadas de generosidade e de paz” (Rom 12,17-21).

Há fatos que têm ocorrido, aqui e em todo o Brasil, que nos devem levar a uma profunda reflexão sobre a Paz, principalmente em seu Dia Mundial, comentando o documento enviado pelo Santo Padre a todas as nossas Igrejas e aos homens de boa vontade. Quando presencio a organizada campanha para tirar a vida do embrião e no momento em que os responsáveis pela sociedade outorgam aos cidadãos o direito de suprimir a vida de quem ainda não veio à luz do mundo, durante a existência e na velhice, falsamente outorga à criatura o que pertence ao Criador. Em conseqüência, inviabiliza ainda mais a expectativa de paz. Em toda essa batalha em favor do direito de matar e os perigos daí advindos, alargando cada vez mais o uso de um direito privativo de quem se porta como se o Criador não mais existisse, pois usurpa o que pertence exclusivamente a Deus. Diz o Santo Padre (Mensagem, nº 4): “Para conseguir o bem da paz é necessário afirmar, com consciente lucidez, que a violência é um mal inaceitável e que nunca resolve os problemas daí resultantes (...) destrói o que ambiciona defender: a dignidade, a vida e a liberdade dos seres humanos. Por isso, torna-se indispensável promover uma grande obra educadora da consciência que forme a todos, sobretudo as novas gerações para o bem, abrindo-lhes o horizonte do humanismo integral e solidário que a Igreja indica e deseja. Sobre estas bases, é possível criar uma ordem social, econômica e política que tenha em conta a dignidade, a liberdade e os direitos fundamentais de cada pessoa” O reto uso dos bens da terra está profundamente vinculado à preservação da paz. O bem mais importante é a vida. O ser humano, desde a concepção, se torna titular de direitos, entre eles, a preservação de sua existência.

O destino universal dos bens da terra está a serviço das necessidades primárias do homem. Aborda ainda o Santo Padre o “drama da pobreza vinculada à questão da dívida externa. Torna-se impressionantemente necessária uma mobilização moral e econômica que seja, por um lado, respeitadora dos acordos assumidos em prol dos países pobres mas por outro, disposta a rever os acordos que a experiência tenha demonstrado excessivamente onerosos para certos países” (Idem, nºs 8 e 9). A seguir, trata da universalidade do mal e a esperança cristã que sustenta a promoção da Justiça e da Paz, na firme confiança na construção de um mundo melhor. Embora presente, o “mistério da iniqüidade”, na expressão de São Paulo (2Ts 2,7), não se deve esquecer que o homem redimido tem em si energias suficientes para enfrentá-lo. Criado à imagem de Deus e redimido por Cristo que se uniu, de certa forma, a cada homem, na expressão do Concílio (“Gaudium et Spes”, nº 38), pode cooperar, até ativamente, para o triunfo do Bem. E continua o Santo Padre: “Quando o bem vence o mal, reina o amor e, onde reina o amor, reina a Paz. Tal é o ensinamento do Evangelho, reproposto pelo ensinamento do Concílio Vaticano II (“Gaudium et Spes”, nº 38): “A lei fundamental da perfeição humana e, portanto, da transformação do mundo, é o novo mandamento do amor (...). Isto é certo, também, no âmbito social e político (...). Os cristãos saibam mostrar, com sua vida, que o amor é a única força capaz de levar à perfeição pessoal e social, o único dinamismo que pode fazer evoluir a História para o bem e a paz” (Idem nº 12). A busca da justiça passa por esse crivo.

O Santo Padre conclui seu documento recordando o ano dedicado à Eucaristia. “Os filhos da Igreja encontrem no supremo sacramento do amor a fonte de toda a comunhão: comunhão com Jesus Redentor e nEle, com todo o ser humano. Graças à vida nova que ele nos deu, podemos reconhecer-nos irmãos para além de toda a diferença de língua, nacionalidade, cultura. Numa palavra, é graças à participação do mesmo Pão e do mesmo Cálice que podemos sentir-nos “família de Deus e, juntos, contribuir, de modo eficaz, para a edificação de um mundo baseado nos valores da justiça, da liberdade e da paz”.

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