Pergunte e Responderemos

DOUTRINA CATÓLICA

Aborto e Reencarnação

Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS” D. Estevão Bettencourt, osb. Nº 391 – Ano 1994 – Pág. 554

ABORTO E REENCARNAÇÃO

Em síntese: A revista “Carta Mensal” das Equipes de Nossa Senhora publicou uma condenação do aborto inspirada por princípios reencarnacionistas. Após o texto desse artigo, vai transcrito o texto do desembargador Roberto de Rezende Junqueira que, no “Jornal da Tarde”, de São Paulo, rejeita o aborto em nome do Direito Civil. A “Carta Mensal” das Equipes de Nossa Senhora, movimento de espiritualidade para casais católicos, publicou em seu número de julho-agosto 1994, p. 29, um artigo que pretende dissuadir do aborto. Deve-se a um autor desconhecido “Em Defesa da Vida”. A intenção do articulista é boa. Mas a inspiração de seu escrito não é cristã; procede de mentalidade reencarnacionista e espírita. Eis o texto, ao qual se seguirá breve comentário.

I. O TEXTO

O ABORTO

“Mãezinha... não me mates novamente.

Lutei, trabalhei, empenhei-me para conseguir a autorização para vir ao mundo: e tu te comprometeste comigo; comigo e com Deus... Quanto me alegrei no dia em que tu, ao lado do papai, aceitaste receber-me em teu lar! Preparei-me confiando em teu amor. E no momento em que mais precisava de ti, me assassinaste... Por que, mãezinha? Por quê?

Quando me sentiste no santuário de teu ventre, trocaste de conduta e começaste a torturar-me. Teus pensamentos de revolta que ninguém ouvia, retumbavam em meus ouvidos inocentes como gritos dilaceradores, que me afligiam enormemente. Os cigarros que fumavas, me intoxicavam muitas vezes. Teu nervosismo, fruto da tua incorformação, me resultava em verdadeiras chicotadas. Quando decidiste abortar, ocorreu uma luta tremenda; tu querendo expulsar-me e eu lutando por permanecer. Por que fechaste os ouvidos à voz da consciência, que te pedia compaixão e serenidade? Por que anestesiaste os teus pensamentos ao ponto de esqueceres que eu trazia um universo de bênçãos e alegria para ti? Haveria eu de ser filho obediente e amoroso. Iria amparar-te em tua velhice. Todavia tu não quiseste. Olha as conseqüências: eu atormentado por não poder nascer, e tu, mãezinha, enferma e triste, intranqüila. Tua mente castigada pela aflição e teus sonhos povoados de pesadelos. Por que, mãezinha, por que não me deixaste nascer? É cedo ainda, pensaste. Quero gozar a vida, passear, divertir-me, viajar. Os filhos, só depois. Todavia, nenhum filho chega no momento inadequado. As leis da vida são sábias e ninguém nasce por acaso. Porém, pelo grande amor que te tenho, estou pedindo para ti a misericórdia de Deus.

Até me atrevi a pedir a intercessão divina para que alcances a bênção do reequilíbrio, para que, em futuro próximo, estejamos juntos, em teu ventre, e tu, como sempre, em meu coração; eu alimentando-me de tua vitalidade, e tu fortalecendo-me na grandeza de teus mais puros sentimentos. Mãezinha, por favor, não repitas teu ato premeditado. Quando sentires alguém batendo na porta de teu coração, serei eu, o filho rejeitado, que voltou para viver e ajudar-te a ser feliz.

Mãezinha, não te esqueças de mim, não me abandones, não me expulses, não me mates novamente; necessito viver”. (Autor desconhecido)

“Em defesa da vida”

II. COMENTANDO . . .

Principalmente o começo e o fim desse artigo significativos. Vejam-se:

1) § 1.º: “Não me mates novamente”. Supõe-se que tenha havido um abortamento anterior. O feto morreu, mas o espírito respectivo “desencarnou-se” e continua a viver.

2) Isto se torna mais claro ainda no § 2.º. Este supõe que o espírito “desencarnado” tenha pairado pelos ares ou tenha estado em outro mundo, obtendo finalmente a licença dos Espíritos Superiores para voltar à Terra – o que corresponde exatamente às concepções do kardecismo.

3) O penúltimo § volta ao tema, prevendo uma terceira tentativa de nascer na Terra após dois abortos.

4) O mesmo se evidencia no último parágrafo: “não me mates novamente; necessito viver”.

Na verdade, não existem espíritos pairando à espera de se (re)encarnar. A alma humana é espiritual, sim, e criada por Deus para ser o princípio vital deste determinado corpo. Alma e corpo existem um para o outro. O homem não é um espírito encarnado para expiar pecados de uma existência pregressa, conforme a lei do karma. É essencialmente psicossomático; quando se dá a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, Deus cria a alma do novo ser e infunde-a no concepto para constituir novo vivente, distinto do pai e da mãe. Este se desenvolve física e espiritualmente durante a sua passagem pelo Terra. Uma vez desgastado o organismo de tal indivíduo pela doença ou pelo peso dos anos, a alma respectiva, não tendo mais condições para viver em tal corpo, separa-se dele e vai colher, logo a seguir, os frutos definitivos da sua semeadura; cf. Hb 9,27: “É um fato que os homens devem morrer uma só vez, depois do quê vem um julgamento”. – Passamos uma só vez pela Terra.

III. A VOZ DO ADVOGADO E DESEMBARGADOR

O “Jornal da Tarde” de São Paulo, em sua edição de 20/8/94, publicou um artigo que condena o aborto. Embora não seja único no seu gênero, tem a peculiaridade de provir da pena de um jurista leigo, que argumenta como jurista. Trata-se do Dr. Roberto de Rezende Junqueira, Desembargador aposentado e Advogado Criminalista. Dada a autoridade de quem assim se pronuncia abertamente, publicamos tal artigo, ao bem mostra que a rejeição do aborto não depende de crenças religiosas, mas pode inspirar-se no raciocínio e no bom senso de um eminente jurista.

O ABORTO MATA E É CRIME

Quem de qualquer modo dá causa ou coopera com o aborto, mata, e matar é crime contra a vida.

“A prática do aborto é pecado, pecado grave.

É crime previsto em lei, embora o nosso código em seus artigos 124 usque 128 admita justificativas em favor dos indigitados autores do crime. Todavia, não resta a menor dúvida de que quem, de qualquer modo, dá causa ou coopera com o aborto, mata, e matar é crime contra a vida.

Na época atual generalizou-se entre os povos civilizados e legitimação do aborto provocado, seja qual for a fase de gestação, não tendo passado de efêmera e deplorável experiência a legislação permissiva de tal prática.

O código soviético de 1926 reconheceu como ato lícito o aborto da consenciente, desde que praticado por pessoa habilitada, e em condições de higiene. Contudo, o que os russos conseguiram foi o desmantelamento familiar, o flagelo dos menores abandonados, os quais obrigaram Lênin à consignação da maior verba orçamentária de sua época para enfrentar a tragédia.

Foi o médico francês Klotz-Forest que, modernamente, iniciou a campanha contra a incriminação do aborto, fazendo praça do princípio romanístico pelo qual a mulher tem direito sobre seu corpo e, portanto, pode recusar a maternidade, afirmando a inverdade de que o feto no período de gestação é simples parte de suas entranhas (Nelson Hungria – Comentários – vol. V, fl. 275).

A tais argumentos, responde Carrara: “Quanto a nós (juristas), cremos que se pode discutir fisiologicamente se há vida (no feto) distinta da vida materna, e deixamos que os médicos discorram sobre este particular.

Para nós, basta que haja uma vida digna de ser respeitada e protegida por si mesma, independentemente do que respeita à família. Não é, continua o mestre, de modo algum incerto que o feto seja um ser vivente, sendo impossível negá-lo, quando o vemos crescer e vegetar. Que importa, pois, deferi-lo fisiologicamente?”

Aliás, se quisermos ser coerentes com o próprio positivismo que nos assola, perguntaríamos: - Se ao feto se reconhece direito à herança, se é possível investigar sua paternidade, se é cabível até tutelar a curatela, como admitir, com os frágeis argumentos de nossos adversários, a negação do seu direito à vida? Abortar é matar, e por isso o próprio código insere a sua figura típica nos crimes contra a vida...

A pena a ser imposta ao infrator atinge portanto também os que realizam o aborto no caso de estupro da mulher, de deformidades do feto ou perigo de vida da mãe; atinge por igual a todos os que, à ciência e consciência, intervêm no processo abortivo, quer com a cooperação material, quer com a cooperação moral, verdadeiramente eficaz, como, por exemplo, o pai ou o marido que, por motivos particulares, obriga a mulher a se desfazer de seu filho...

Os homens têm legislado, baseando-se nos inserimentos de Malthus e outros, que vão procurar nas contingências da falibilidade humana o pretexto para libertar o aborto das sanções penais. Seja qual for o pretexto, seja qual for a lei inovadora, esta é ilegítima, portanto não pode, e não deve, subsistir.

Pode o homem legislar contra a lei de Deus?”

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A Origem da Alma Humana

Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS” D. Estevão Bettencourt, osb. Nº 343 – Ano 1990 – Pág. 545.

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A ORIGEM DA ALMA HUMANA?

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Em síntese: A alma humana é espiritual, ou seja, incorpórea e imaterial. Por conseguinte, não se origina por geração a partir do casal humano nem por emanação da Divindade, mas tem seu princípio de existência num ato criador de Deus, que a cria e infunde no momento da fecundação do óvulo pelo espermatozóide.

A questão da origem da alma humana tem suscitado interrogações: alguns autores, querendo afastar a teoria da reencarnação ou da preexistência da alma humana, afirmam que esta é gerada pelos genitores. – Quem assim pensa, admite, nem sempre de modo consciente, uma determinada antropologia: o ser humano seria um todo monolítico, no qual não se distinguiriam propriamente o corpo material e a alma espiritual; em tal caso, estaria claro que, ao gerarem uma criança, os pais estariam gerando a alma dessa criança. O corpo e a alma seriam apenas facetas dessa criança, não porém, elementos distintos.

Ora, a fim de elucidar tal temática, começaremos por considerar a natureza do ser humano; após o quê, será mais fácil perceber a maneira como se origina a alma humana.

1. O ser humano: corpo e alma

Todo ser humano é um composto de dois elementos realmente distintos um do outro: o corpo material, e a alma espiritual. São duas substâncias (como diz a Filosofia), que se complementam mutuamente; a alma espiritual é o princípio vital do corpo material, e não pode ser confundida ou identificada com este.

É preciso, porém, aduzir provas que demonstrem a espiritualidade da alma humana. É o que vamos fazer.

2. A espiritualidade da alma humana

A alma humana é realmente espiritual? – Para responder, deve-se levar em conta o seguinte princípio: o ser e o agir de determinada realidade devem ser correlativos entre si; cada qual age em função do que é. Em conseqüência, se vejo que determinada substância tem por efeito “salgar” alimentos, digo que o seu ser consta de sódio e cloro (NaCl); se outra substância é corrosiva, suporei que seja um ácido, como o ácido sulfúrico (H2SO4). Se, pois, desejo saber se a alma humana é espiritual ou material, devo examinar as suas atividades; se estas não ultrapassam as capacidades da matéria, direi que a alma humana é material; se as ultrapassam, direi que é espiritual ou imaterial.

Analisemos portanto as atividades da alma humana.

2.1. Percepção do universal

É certo que o ser humano é capaz de conceber noções abstratas, universais, percebendo o essencial; é apto a reconhecer proporções, relações de dependência, de causalidade, de finalidade. Com efeito; depois de ver um homem, uma mulher, uma criança, um ancião, um gordo, um magro . . ., a inteligência humana se emancipa das diferenças motivadas por cor, tamanh0, sexo, idade . . . e define todos esses indivíduos como participantes da mesma essência ou natureza; são todos iguais entre si pela natureza (que a inteligência apreende), embora diferentes uns dos outros pelos aspectos que os olhos percebem. Em conseqüência, deve-se dizer: a alma humana, que, por sua atividade, é capaz de ultrapassar o concreto, o material, é imaterial ou espiritual.

A psicologia experimental corrobora esta conclusão mediante a seguinte experiência:

Disponha-se uma série de vasilhas fechadas, na primeira das quais se coloca o alimento de um macaco. O animal, posto diante de tal série, não sabe onde encontrar a sua ração; o operador então abre a primeira vasilha e lhe mostra o alimento. Repita-se a experiência, encerrando na Segunda vasilha o alimento. O animal, recolocado diante da série, é guiado pela memória sensitiva e, recordando-se do ocorrido no dia anterior, vai à primeira vasilha. O operador o coloca então diante do segundo recipiente, do qual o animal se serve. Num terceiro ensaio, coloque-se o alimento fechado no terceiro recipiente: guiado pelas impressões sensíveis do ensaio anterior, o macaco se dirige para o segundo vaso. Caso se multipliquem as experiências, verifica-se que o animal procura de cada vez o recipiente em que, no ensaio anterior, encontrou o que lhe interessava. Nunca chega a abstrair dessas diversas experiências a lei da progressão que as rege. Nunca se desvencilha das notas concretas da vasilha em que por último encontrou a sua ração, deduzindo que não é o fato de ser a segunda, a terceira ou a Quarta vasilha que interessa, mas é o fato de ser a vasilha n + 1 (fórmula em que n designa o número da experiência anterior). Ora uma criança sujeita a tal teste, depois de quatro ou cinco experiências, consegue abstrair a lei n + 1 do fenômeno. Isto se dá porque a criança tem um princípio vital (alma) que não é material.

2.2. A linguagem humana

A linguagem é a capacidade que temos, de formular conceitos universais e exprimi-los mediante sons concretos, que variam de idioma para idioma. Assim os conceitos de pai e mãe, por exemplo, são conceitos universais, que cada povo exprime de modo diferente. O homem é capaz de emancipar-se de determinado som associado a determinado conceito universal para propor exatamente o mesmo conceito mediante outro vocábulo; é o que se dá com os tradutores.

Quem olha para a cavidade bucal de um homem e a de um macaco, é propenso a dizer: se o homem fala, o macaco também fala; não obstante, isto não se dá. A diferença de comportamentos só se pode explicar pelo fato de que no homem há algo mais do que no macaco; esse algo mais é a espiritualidade do seu princípio vital; em virtude deste, o homem é capaz de perceber que diversos sons não significam sempre diversos conceitos ou é capaz de distinguir entre o som concreto e o conceito universal, imaterial.

2.3. A consciência de si mesmo

O ser humano, além de conhecer os objetos que o cercam, possui o conhecimento de si mesmo ou a autoconsciência; o homem não somente sente dor, mas sabe que sente dor... Possuindo o conhecimento dos objetos e de si mesmo, o homem concebe o plano de ordenar o mundo e a si mesmo, dominando fatores estranhos ao seu ideal, superando paixões desregradas, cultivando boas tendências, etc. Isto tudo escapa às possibilidades de um animal irracional, pois este conhece o seu objeto concreto e é incapaz de se emancipar das notas concretas deste e de se voltar para si mesmo de maneira sistemática a fim de se conhecer. O ser humano, ao contrário, realiza esta introspecção, porque o seu princípio de conhecimento (intelectivo) é capaz de ultrapassar o seu objeto concreto, material, para atingir o próprio sujeito.

2.4. A cultura e o progresso

Verifica-se que o homem intervém no seu ambiente natural, criando cultura e civilização. Essa atividade se deve à ação intelectiva e planejadora da pessoa humana. Com efeito; ao conhecer a natureza que o cerca, o homem percebe as relações entre meios e fins ou as proporções entre os diversos termos, e concebe projetos para melhorar o seu ambiente (habitat, alimentação, vestuário, arte...); vai assim construindo civilizações sucessivas... Ora o animal é incapaz de progredir em suas expressões, porque é guiado por instintos: embora certeiro em seus movimentos instintivos, é incapaz de dar contas a si mesmo do que faz ou dos porquês da sua atividade; é por isto incapaz de se corrigir ou de se ultrapassar. Em última análise, a raiz da diferença entre o comportamento do homem e o do animal irracional reside no fato de que o homem tem um princípio vital imaterial ou espiritual, ao passo que o animal tem uma alma material ou confinada pelas potencialidades da matéria.

Eis, porém, que uma objeção se levanta: como admitir a espiritualidade da alma humana quando se sabe que as atividades mais sublimes do homem não se realizam se o organismo está lesado em seu cérebro ou em seu sistema nervoso?

A resposta não é difícil. Embora a alma seja espiritual, ela depende do organismo, especialmente do cérebro e do sistema nervoso, para funcionar devidamente. Por conseguinte, se o cérebro está lesado, a inteligência carece do instrumental sem o qual não pode manifestar a sua perspicácia; o sujeito poderá chegar a levar vida meramente vegetativa. É o que leva muitos estudiosos a dizer que a inteligência é o próprio cérebro ou a massa cinzenta. Tal conclusão, porém, é errônea pelos motivos indicados. A alma humana é espiritual, mas foi feita para animar a matéria e aperfeiçoar-se em união com esta.

3. A imortalidade da alma humana

A imortalidade decorre da espiritualidade da alma. Vejamos por quê.

3.1. A natureza mesma da alma humana

A morte é a dissolução do ser vivo. Ora a alma não pode dissolver-se por si, porque não é composta de partes, mas é simples, como todo espírito é simples ou isento de composição. Por isto a alma humana, uma vez criada, subsiste para sempre, mesmo fora do corpo (do qual ela não depende para existir). Só poderia deixar de existir se Deus, que a criou, a quisesse aniquilar; todavia julga-se que Deus não aniquila nenhuma de suas criaturas (embora o possa), pois isto seria uma espécie de contradição; além disto, seria algo de injusto, porque tornaria impossível a aplicação das sanções merecidas pelo ser humano nesta vida.

Concluímos, pois, que a alma humana é naturalmente imortal e não deixa de usufruir desta sua prerrogativa, pois Deus não subtrai às criaturas o que lhes outorgou como atributos próprios.

3.2. O desejo natural

Todo homem deseja existir sem limites de duração. Esse desejo se deriva da própria natureza do homem; não depende de alguma forma de cultura. Ora tal desejo não pode ser frustrado ou vão; se o fosse, a natureza seria contraditória e absurda. Mais: ela suporia o Absurdo na sua origem, pois teria sido feita para a vida, e a vida sem fim, mas não teria a capacidade de usufruir da imortalidade. Por conseguinte, a alma humana há de ser imortal, a fim de poder fruir da plenitude de vida à qual ela naturalmente aspira.

Dir-se-á, porém: se tal argumento é válido para a alma, há de ser válido também para o homem todo (composto de corpo e alma), pois o ser humano como tal deseja viver sempre.

Em resposta, observemos: o desejo de imortalidade do homem (ou do composto de corpo e alma), embora seja natural, não é senão uma aspiração ineficaz, pois o composto humano tende naturalmente a desgastar-se; os órgãos corpóreos vão-se tornando ineptos para a vida, até estarem totalmente deteriorados. Nesse momento a alma se separa do corpo. Ao contrário, o desejo de imortalidade da alma humana pode ser eficaz, pois a alma humana, não sendo composta, não se dissolve.

Sabemos, porém, pela fé que o Senhor Deus quis conceder ao homem a ressurreição física, atendendo assim ao desejo natural de imortalidade do composto humano. 3.3. A sanção da justiça

Todos nós aspiramos ardentemente à justiça. Contudo a justiça na vida presente é precária. Freqüentemente as pessoas retas são prejudicadas por praticarem o bem, ao passo que os iníquos são materialmente beneficiados pela perversão.

Ora, se a alma humana não fosse apta a sobreviver após a existência presente a fim de receber a sanção de seus atos, a justiça ficaria definitivamente conculcada no caso de muitos homens. A história da humanidade terminaria com o triunfo (ao menos parcial) da injustiça e da desordem sobre a justiça e o bem. Ora tais conseqüências suporiam um mundo absurdo e, na origem desse mundo, um princípio de contradição e absurdo, conseqüências estas que não condizem com a ordem e a harmonia que se verificam em geral no universo. Daí afirmamos que a alma humana é por si imortal e, por conseguinte, apta a receber na vida póstuma a justa sanção, que muitas vezes na vida presente lhe é negada.

O que acaba de ser dito, pode ser ilustrado pela verificação de certos fenômenos ocorrentes na natureza. Esta parece excluir a frustração e o absurdo. Com efeito, se tenho olhos, é porque existem sons e melodias; se tenho pulmões, existe o ar que lhes corresponde; se tenho fome e sede, existem alimentos de que preciso; se a agulha magnética se agita dentro da bússola, existe um pólo Norte (invisível, sim, mas muito real) que a atrai. Analogamente, se verifico em mim a sede espontânea e natural de certos valores ou mesmo do Infinito, posso estar certo de que tais valores e o Bem Infinito existem no Além, em correspondência a tais aspirações.

Assim se confirma a tese de que a alma humana é por si imortal.

4. A origem da alma humana

Proporemos a solução lógica e correta, à qual se seguirá, à guisa de Apêndice ilustrativo, uma breve resenha de teorias não aceitáveis.

4.1. O Criacionismo

A questão da origem da alma humana se resolve sem dificuldade, desde que se leve em conta a sua natureza espiritual. Com efeito; se o modo de agir revela o modo de ser (ou a índole própria) de determinada criatura, o modo de ser, por sua vez, revela o modo de começar ou de originar-se dessa criatura. Há uma correspondência entre agir, ser e vir-a-ser: A primeira manifestação de uma criatura é o seu modo de agir. Observando-o, percebemos o seu modo de ser; e, observando o modo de ser, deduzimos o modo de vir-a-ser dessa criatura.

Conseqüentemente, se o agir e o ser da alma humana ultrapassam o concreto material ou transcendem a matéria, a origem da mesma há de ser também imaterial. Com outras palavras: a alma humana não vem da matéria nem por evolução nem por geração, mas diretamente por um ato criador de Deus. – O Senhor cria e infunde cada alma humana no momento em que se dá a fecundação do óvulo pelo espermatozóide; o embrião recém-fecundado já possui virtualmente a organização típica do corpo humano; basta que cresça para que revele as características do organismo humano; daí dizer-se que já é animado pelo princípio vital (alma) próprio do corpo humano. Está hoje em dia superada a tese da animação gradativa, segundo a qual o embrião teria primeiramente uma alma meramente vegetativa; depois, uma alma sensitiva, e por último a alma intelectiva, tipicamente humana e espiritual. Não há razão para admitir tal hipótese, visto que o embrião humano já é plenamente humano desde que existe o ovo fecundado; uma só alma – intelectiva e espiritual – preenche as funções vegetativas, sensitivas e intelectivas. – A propósito veja-se o artigo do Prof. Jérôme Lejeune, publicado em PR 305/1987, pp. 457-461, no qual o autor, após longa pesquisa, afirma a existência de autêntico ser humano desde a fecundação do óvulo pelo espermatozóide.

4.2. Teorias não aceitáveis

a) O emanatismo ensina que a alma humana é centelha da Divindade apoucada ou amesquinhada na matéria; entraria no embrião por emanação a partir da Divindade. Tal é a posição de correntes panteístas antigas, medievais e modernas. – Não se sustenta, pois supõe que a Divindade se possa repartir, distribuindo-se pelos corpos dos seres humanos. A Divindade não tem partes, pois isto significaria ser extensa e corpórea – predicados que não competem a Deus.

b) O traducianismo¹ ou generacionismo corporal admite que a alma de cada genitor possa emitir uma semente vital; a respectiva fecundação daria origem à alma da prole. – Tal teoria é falha por atribuir à alma espiritual sementes vitais corpóreas, das quais se originaria outra alma espiritual. Espírito e corpo são realidades radicalmente diferentes, de modo que não há transição de uma para outra. O espírito é precisamente o ser incorpóreo, inextenso e imaterial, dotado de inteligência e vontade.

c) O traducianismo ou generacionismo espiritual afirma que, por ocasião da fecundação, a alma da prole se deriva das almas dos genitores como a chama se deriva da chama, sem semente corpórea. Santo Agostinho (+ 430) era propenso a admitir tal teoria. - Também esta é falha, pois supõe que a alma humana se possa repartir – o que contradiz à natureza espiritual da alma humana; o espírito não tem extensão nem partes.

S. Agostinho era favorável a tal tese, pois lhe parecia explicar bem a transmissão do pecado original. – Ora a propósito deve-se dizer que o pecado original na criança não consiste em alguma mancha herdada dos pais, mas, sim, na ausência da graça santificante e dos demais dons que os primeiros pais receberam e deviam ter guardado para os transmitir aos seus descendentes. Essa ausência é compatível com a realidade de uma alma espiritual diretamente criada por Deus, com tudo o que naturalmente a integra; a graça santificante e os dons paradisíacos foram gratuitamente dados por Deus aos primeiros pais; não pertencem à essência da alma humana.

Resta, pois, a doutrina criacionista como genuína maneira de explicar a origem da alma humana.

¹ A palavra latina tradux, traducis designa aquilo que transmite ou a semente , o gérmen.

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