RTBlau/DataBlau - Textos especiais

Estádio Juvenal Lamartine

O Estádio Juvenal Lamartine (ou simplesmente o JL, no bairro do Tirol) foi inaugurado em 1928 - segundo dados do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRGN).

Entrada do Estádio Juvenal Lamartine, nos primeiros anos. Reprodução da Revista Século, dez/1998 (foto original do Arquivo DN)
Entrada do Estádio Juvenal Lamartine, nos primeiros anos. Reprodução da Revista Século, dez/1998 (foto original do Arquivo DN)

A data? Pelos arquivos dos jornais, a inauguração para valer foi no dia 12 de outubro daquele ano, feriado de Nossa Senhora Aparecida; apesar do primeiro jogo ter sido realizado no dia 28 de setembro - ABC 5 x 2 Cabo Branco-PB, numa "temporada" que envolvia ainda o América (para alguns, a inauguração foi nesse dia 28 de setembro, e não 12 de outubro, e por aí segue a controvérsia...)

O nome foi uma homenagem ao governador do Estado na época, Juvenal Lamartine de Faria - que, aliás, deu o primeiro passo, ao comprar o terreno de 11.834 metros quadrados, pouco tempo antes, a um particular. O preço? 74 contos de réis (escreve-se 74:000$000, grafia semelhante à do escudo português), moeda vigente à época - o valor, ao que consta foi pago com Títulos da Dívida Pública. Uma nota alta...

Após o Governo do Estado adquirir a área, a mesma foi liberada para uso da então Liga de Desportos Terrestres - LDT (há quem comente sobre uma Federação de Desportos do Rio Grande do Norte, e ainda de uma Associação de Atletismo que teria sucedido a LDT), mais tarde Federação Norte-Rio-Grandense de Desportos - FND, hoje Federação Norte-Rio-Grandense de Futebol - FNF. Como tudo no futebol daquele tempo era importado (das expressões utilizadas até as bolas do jogo), o JL aparece - inclusive em fotos - como "Stadium Juvenal Lamartine"...

Enorme para a época

O projeto foi do engenheiro Clodoaldo Caldas. A capacidade do JL era, no início, de 600 pessoas sentadas em uma arquibancada de madeira (pelo número, não é necessariamente o atual setor coberto) e 3 mil ao redor do campo, num total de 3.600 pessoas - hoje, com um pequeno setor coberto de madeira e arquibancadas de cimento, a capacidade atual deve chegar a 4 mil pessoas. Toda a obra, dizem, foi realizada em apenas seis meses...

Aquele era um estádio enorme para a Natal da década de 1920, uma cidade que possuía pouco mais de 30 mil habitantes, e onde o futebol ainda era um esporte considerado de elite e pouco conhecido, apesar das tentativas desde 1904, além da criação da Liga de Desportos Terrestres em 1918 e, no ano seguinte, da implantação do Campeonato Estadual de Futebol - que só se fixou de vez na década de 1930. Quer dizer, só o "Stadium JL" comportava 10% de toda a cidade do Natal!!

A título de curiosidade: a seguir essa proporção de 10%, se fosse construído um novo estádio hoje (abril/2002) em Natal, o mesmo deveria ter capacidade de pelo menos 80 mil pessoas - o que corresponde ao dobro da capacidade do Estádio Machadão (que comporta 40 mil e suplantou de certa forma o JL), ou ao Morumbi lotadinho (comporta 80 mil), ou a 2/3 do Maracanã (comporta 122.268 torcedores)!!!

Desta forma, o JL era o principal campo de futebol da cidade, talvez do Estado. E (curioso) o estádio alternativo, para partidas "menores", era o Estádio Senador João Câmara, aquele mesmo do bairro das Rocas, à Rua Esplanada Silva Jardim - apesar de alguns afirmarem, de pés juntos, que todos os jogos, todos!, eram realizados no JL mesmo.

Até 1946, jogo no JL só era possível à luz do dia. Nesse ano - os dados são de Luís da Câmara Cascudo, em "História da Cidade do Natal" - foi instalado o primeiro sistema de luminárias, permitindo partidas noturnas. A inauguração das luminárias foi no dia 13 de julho, com uma partida entre o América e o Treze-PB (não é outro senão o Treze de Campina Grande, da Paraíba) - o América venceu de goleada, 5 a 1.

Declínio

A chamada fase de ouro do JL (ou a "Era JL") praticamente foi encerrada com a inauguração do então Estádio Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, o Castelão, num areial em Lagoa Nova no ano de 1972, com capacidade estimada para 55 mil pessoas (na prática, chegou a 49 mil, sem contar os "penetras", de acordo com borderôs da década de 1970; e a bem da verdade, pelo projeto original, o estádio comporta apenas 40 mil pessoas) - denominado Estádio João Machado (Machadão) desde 1990.

De qualquer modo, o campo das Rocas deixou de ser usado para as partidas "menores", que passaram a ser realizadas no JL. E o velho estádio do Tirol foi sendo abandonado, quase à sorte, o que se agravou na década de 1990.

Hoje, o JL praticamente sedia algumas competições de categorias de base e de Masters, praticamente sem público; e um ou outro treino "perdido" de alguma equipe intermediária.

Caindo pelas tabelas

Os jornais da cidade, por mais de uma vez, mostraram a quantas andava o abandono do JL - que, após a criação do Machadão, sempre ficou bem longe de uma manutenção de verdade. Em 1989 havia muito lixo, o madeiramento da parte coberta estava solto, haviam poucas luminárias em funcionamento, as telas de proteção já não protegiam tanto assim, os sanitários estavam numa situação no mínimo malcheirosa...

Naquele tempo, o então presidente da FNF, Pio Marinheiro, planejava solicitar algumas luminárias do (à época) Castelão, aumentar a capacidade das arquibancadas - com um setor de arquibancadas de madeira no fundo do estádio (se bem que, há muito tempo atrás, houve no JL uma arquibancada nesses moldes, provavelmente a tal com capacidade para 600 pessoas) - e havia a possibilidade do Estadual daquele ano ser realizado com o JL em obras... Em 1995 a cena não era muito diferente.

Em 1997 apareceram mesmo algumas luminárias que um dia foram do (hoje) Machadão, sendo devidamente instaladas - foi a principal obra realizada, e ainda assim só aconteceu devido a queda de uma gaiola do alto de uma das torres de iluminação do Machadão (todas as quatro torres existentes então eram puras "gambiarras", que seriam usadas apenas para a inauguração do então Castelão, em 1972, e que foram ficando...), forçando a substituição de todo o sistema de iluminação do estádio da Lagoa Nova. Algumas das luminárias (removidas) do Machadão foram postas no JL, e o resto foi apenas cosmética...

Em abril de 2002, não havia nada de novo no front a não ser "maquiagem" - a pintura do estádio, remoção de lixo, capinagem. Na estrutura, nada - tanto que o setor de madeira apresentava-se bem esburacado, e inclusive com cupins. Curioso: o JL jamais foi tombado, mesmo com mais de 70 anos de serviço ao esporte.

Alternativo

Ainda assim, quando o "bicho pegava" no Campeonato Estadual, mais de uma vez o JL foi a saída. O velho estádio do Tirol foi o palco dos campeonatos de 1984 e 1985, e em parte os de 1989, 1990 e 1997. Em todos os casos, o motivo foi o mesmo: o mau estado de conservação (e a consequente interdição) do Estádio Machadão. Isso, claro, às voltas com interdições no próprio JL também.

O ano de 1989, por exemplo, foi uma loucura. O Machadão (ainda com o nome antigo de Castelão) foi interditado para reformas pois meio mundo ameaçava desabar, os túneis estavam alagados, não havia outro remédio - foi acertado que as partidas seriam transferidas para o JL... que acabou sendo igualmente interditado por não oferecer segurança aos torcedores. E agora? O rebuliço foi grande entre dirigentes e autoridades, e deois de muita "mexida de pauzinho" a saída foi reabrir parcialmente o Castelão (claro, o JL "entrou no circuito", até depois voltar ao esquecimento).

A última vez que o JL foi usado no Campeonato Estadual foi em 1997, quando o Machadão foi interditado, agora para a substituição do sistema de luminárias - mesmo assim, teve quem "melasse" a história: o ABC jogou algumas vezes "sob protesto" de seus dirigentes, e gente ligada ao América colocou a Defesa Civil para interditar o estádio, considerando que o mesmo não oferecia seguerança alguma. Assim que o Machadão voltou a sediar o futebol, o JL retornou ao esquecimento completo - a última benfeitoria no estádio do Tirol foi a substituição de suas luminárias... por algumas das luminárias antigas do Machadão, ainda em 1997.

"Por que não vender o estádio?"

Por várias vezes, o interesse comercial pela área (extremamente valorizada e considerada nobre) ameaçou a História. Vender o estádio para uma construtora qualquer? A idéia não é nova, infelizmente. Desde 1989 têm surgido propostas sobre o assunto - e os dirigentes dos principais clubes (dá para acreditar?) pretendiam mesmo passar adiante o JL. Naquele ano de 1989, uma construtora paulista estava de olho na área; em 1995, era uma certa empresa que em abril/2002 ainda estava devendo um estádio para o ABC (devia: em janeiro/2006 a obra foi entregue - é o estádio Maria Lamas Farache "Frasqueirão").

Em 1995 circulou um boato que a FNF teria doado o terreno do JL ao ABC, o que jamais aconteceu. Entre 1997 e 1999 surgiram novos boatos que o estádio seria vendido, em troca de um estádio a ser construído na Zona Norte de Natal - os locais mais prováveis eram o Conjunto Santa Catarina (em tese, próximo ao Hospital daquele conjunto) ou os arredores do Conjunto Parque dos Coqueiros (precisamente um coqueiral na localidade de Golandim, em São Gonçalo do Amarante, às margens da BR-406). Surgiu inclusive um projeto para um estádio modular com capacidade para 15 mil pessoas - projeto este apresentado pelo arquiteto Gley Karlys ao "Diário de Natal" entre 1997 e 1998. Porém, não houve acordo para se construir tal estádio - e o projeto foi ao gavetão...

A idéia original de Gley Karlys foi aproveitada mais tarde: o projeto do estádio da Zona Norte foi usado como referência para o estádio Maria Lamas Farache (de propriedade do ABC FC, e inaugurado em janeiro/2006 com uma estrutura-base e capacidade de expansão).

Voltando ao JL, os ânimos (e o olho grande nos bolsos) de construtoras e dos mandatários do futebol só arrefeceu com uma notícia, até então esquecida: o "pequeno detalhe" que o JL pertence ao Governo do Estado, não podendo ser vendido, permutado ou mesmo doado - a área foi cedida ao que corresponde hoje à FNF para a prática esportiva. O detalhe é que, segundo consta, quando o Estado aparece como "parte prejudicada" não há a tal da usucapião (o direito de posse pelo uso), menos ainda em caso de cessão e não doação. E, claro, no caso da finalidade à qual o terreno foi cedido deixar de ser realizada, pela lógica o patrimônio pode voltar ao Governo...

Antes do JL

E o que havia antes do JL? Bem... o grosso do esporte acontecia (dá para acreditar?) na Praça Pedro Velho (a popular Praca Cívica, no bairro de Petrópolis), que era preparada para toda sorte de eventos, desde partidas de futebol até corridas de cavalo. Houve uma época, não muito distante, em que a praça comportou três campos para a prática de futebol (e, dizem, até uma área para patinação) - e bem pertinho, pouco depois do Atheneu Norte-Rio-Grandense, na Rua Potengi, funcionava a sede do ABC Futebol Clube, até meados da década de 1960...

Outros campos também foram utilizados para a prática esportiva, como a Praça André de Albuquerque, além de uma extensa área próxima à hoje sede social do América, na Rua Rodrigues Alves.

Quem foi Juvenal Lamartine

Juvenal Lamartine (a pessoa, não o estádio!) foi um dos tantos Governadores do Estado. Assumiu no Ano-Novo de 1928, com o título de "Presidente" - por causa de uma alteração feita na Constituição Estadual em 1926. De acordo com dados de Câmara Cascudo (no livro História do Rio Grande do Norte), o homem tinha um pensamento "lá na frente": queria industrialização, rodovias, comunicações aéreas, voto feminino (que era um tabu em todo o país), o escambal.

Em seu mandato, entre outras coisas, criou a Imprensa Oficial (em 28.01.1928); os municípios de Baixa (Baixa Verde, hoje João Câmara?) e São Tomé; reorganizou a Polícia Militar (sim, a PM de então), que passou a se chamar Regimento policial Militar; e foi o pioneiro do voto feminino no país (pelo menos foi o que Cascudo escreveu em 1955) - Júlia Barbosa Cavalcanti foi eleita para o Conselho Municipal do Natal, e Alzira Teixeira Soriano assumiu a Prefeitura de Lajes.

Na área dos esportes, além da inauguração do JL (o estádio), o JL (a pessoa) deu sua contribuição à fundação do Aero Clube (29.12.1929) ao lado de Fernando Gomes Pedroza e do comandante Manoel Augusto Pereira de Vasconcelos - prestigiou a Escola de Pilotagem (que existe até hoje, com o nome de Escola de Aviação Civil), e ainda por cima conseguiu 28 campos de pouso no interior do Estado.

Falando em Escola de Aviação Civil, tive notícia recentemente - novembro/2002 - que esta é a escola de pilotagem mais antiga do país em sua categoria, esta mesma que até um dia desses tinha campo de pouso no Tirol...

O homem só não fez mais porque a Revolução de 1930 interrompeu-lhe o governo - e aí JL teve que abandonar a cidade em 05.10.1930; no dia seguinte, a cidade estava tomada por militares revolucionários, vindos da Paraíba. Mas esta é uma outra longa história...

Alguns gols

Já que foi mencionado um placar, hora de detalhá-lo. O primeiro gol no JL - segundo dados do jornalista Everaldo Lopes (dados estes que ainda preciso confrontar com os do "curioso" esportivo e radialista Marcos Trindade, que volta e meia me dá uma mãozinha) - foi do jogador Deão, do ABC, na vitória de 5 x 2 sobre o Cabo Branco-PB; quanto a clássicos entre ABC e América, o último no JL antes de ser inaugurado o hoje Machadão (à época Castelão) em 1972, foi no dia 23 de abril de 1972 (ABC 1 x 0, gol de Joilson); e o último da chamada "Era JL" foi a 15 de dezembro de 1971 (ABC 1 x 0, gol de Alberi).

Quanto a América 5 x 1 Treze, inauguração das luminárias do JL (em 1946), segue a ficha da partida (segundo Marcos Trindade, julho/2002):

América 5 x 1 Treze-PB

13.07.1946, jogo inaugural das luminárias do estádio Juvenal Lamartine. A partida começou rigorosamente às 20h45.

América

Caçula, Zeno, Hernani; Aládio, Vadeco (Nonato), Lavor; Natanael (Dão), Albano, Morais, Viana e Tico.

Treze

Djalma, Baleia, Raimundo; Martelo (Raimundo?), Marcial (Totota), Lulinha; Ercílio, Esmeraldo, Araújo, João Luís e Neguinho.

Gols: Albano (AME - de escanteio, 22/1.o, mas deu a impressão de ter ocorrido um toque de Tico), Araújo (TRE - 31/1.o); Albano (AME - 12/2.o), Morais (AME - 22/2.o), Dão (AME - fez dois gols)

Árbitro: Tong Ramos Viana

Local: Estádio Juvenal Lamartine

Renda e público: Cr$ 25.150,00 (público não informado)

Base: anotações do repórter, abril de 2002 - atualizado com dados de Marcos Trindade (Rádio Poti), julho de 2002; e anotações do repórter, março/2006
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