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Testemunho contra a
Lei de Acesso ao Tratamento Médico (H.R. 746)

Thomas J. Moore

Nos dias 4 e 12 de fevereiro de 1998, o Government Reform and Oversight Committee da Câmara dos Deputados dos EUA promoveu audiências sobre a Lei de Acesso ao Tratamento Médico, um projeto de lei que pretende impedir a "interferência" do governo com terapeutas não científicos. O sr. Moore foi a única testemunha que depôs contra este projeto de lei. Esta foi a declaração preparada por ele.

Os consumidores deveriam, especialmente aqueles com uma doença grave ou de tratamento crônico, ter o direito a qualquer droga ou medicamento alternativo mesmo que não tenha sido comprovado a segurança e a eficácia e aprovado pela Food and Drug Administration [FDA]?   

Deixe-me contar uma história daquilo que poderia acontecer se isto fosse o caso. Nesta era da super mídia, é plausível que literalmente milhões de americanos possam ser persuadidos a tomarem um comprimido todos os dias na esperança que possa prevenir o câncer -- especialmente se incluir alguns ingredientes naturais ou uma vitamina. 

Suponha que muito tempo após milhões de pessoas estarem usando este comprimido de prevenção do câncer, ensaios clínicos apropriados, caros e randomizados fossem finalmente conduzidos para ver se os esperados efeitos benéficos realmente existiram. 

Agora suponha que aqueles ensaios clínicos -- a única evidência científica real que temos para ver se drogas funcionam ou não -- mostrassem que ou estes comprimidos anti-câncer não funcionaram no todo ou na verdade causaram câncer de pulmão. Milhões de americanos teriam gasto seu dinheiro suado em um remédio que na melhor das hipóteses foi ineficaz -- e na pior poderia lhe causar câncer. 

Estou lhes contando uma história fantasiosa, alarmista? Esta é uma história verdadeira. Já aconteceu -- e o tratamento envolvido foi o suplemento de beta-caroteno. Assim como muitos tratamentos com drogas novas, pareciam promissores mas mostraram ser inúteis ou prejudiciais quando testados [1,2].

Os humanos tem sonhado com medicamentos poderosos desde o início da história. Mas na maior parte dos últimos sete mil anos os consumidores foram principalmente vítimas de drogas perigosas, venenosas ou meramente desagradáveis. A era das modernas drogas benéficas começou apenas a algumas décadas atrás quando a sociedade começou a insistir que as drogas fossem testadas em relação a segurança e a eficácia em investigações clínicas bem controladas. Progressos reais começaram somente quando utilizamos ensaios clínicos randomizados para separar drogas benéficas daquelas que eram inúteis ou prejudiciais. 

Nesta manhã você ouviram algumas histórias dramáticas de indivíduos que acreditam que foram imensamente auxiliados -- talvez salvos -- por um tratamento que não está disponível nos Estados Unidos. A questão portanto é os americanos deveriam ter acesso a um tratamento médico se há indivíduos que podem pessoalmente testemunhar que ele é válido?

O caso-teste mais simples poderia ser um remédio para obesidade. O que parece ser um tratamento que todo consumidor é capaz de julgar. Ou você perde peso ou não. Suponha para nosso caso-teste que o FDA aprovou as drogas -- então foram sujeitas ao menos a níveis  modestos de testes de segurança. Então o consumidor não deveria -- e não autoridades de saúde ou reguladores do governo -- ser o juiz deste tratamento? 

Vocês têm a obrigação de saber a resposta para esta pergunta. Este episódio também aconteceu, e o resultado pode vir a se tornar um dos maiores desastres com drogas que nossa nação já experimentou. Setembro passado as drogas dietéticas Pondimin e Redux foram apressadamente retiradas do mercado após o FDA obter evidência que um assombroso 31% das pessoas testadas mostraram alguma evidência de lesão em suas valvas cardíacas [3,4]. Na época, mais de 5 milhões de americanos estavam usando estas drogas. 

Os consumidores perceberam isto? Eles eram capazes de julgar isto sozinhos? Não eles não eram. Até se tornar muito grave, o dano cardíaco não tinha nenhum sintoma. Seus médicos perceberam isto? Eles não perceberam. O Pondimin ficou no mercado por mais de 20 anos antes de dois alertas de trabalhadores médicos na Dakota do Norte perceberem algo suspeito. Qual é a primeira lição do desastre com a droga dietética? 

Não apenas fazer testes sistemáticos para descobrir se as drogas funcionam, também fazer estudos científicos sistemáticos para descobrir efeitos adversos graves que estão potencialmente prejudicando milhões de pessoas. Se não tivermos o sistema de segurança apropriado no lugar, as pessoas serão prejudicadas por anos ou décadas. Em seu potencial para prejudicar milhões de pessoas existem poucos rivais para os tratamentos com drogas -- sejam elas drogas prescritas da corrente principal ou remédios alternativos. Isto é exatamente o motivo pela qual a sociedade erigiu as garantias que agora estão sendo examinadas nesta audiência. 

O outro aspecto da discussão de hoje é mais difícil. As pessoas com câncer avançado ou doença de Parkinson, ou AIDS em progresso deveriam ter o direito a qualquer tratamento que elas escolherem? Algumas destas pessoas podem não viver o suficiente para o tipo de teste com drogas que acredito serem tão importantes para proteger o público. Elas não deveriam ter o direito a assumirem qualquer risco que elas escolhessem?

Superficialmente, o caso da liberdade individual parece irresistível. Entretanto, outro exemplo ilustrará os problemas sombrios adjacentes a esta idéia aparentemente honesta. 

Suponha que você está morrendo de câncer, e eu ofereço a você este jogo de adivinhação macabro. Em uma das minhas mãos, tenho escondido um tratamento que pode salvar sua vida. Na outra mão, está um remédio charlatanesco que o deixará tão doente que você mal poderá sair da cama, e apressará sua morte. Deixo você escolher livremente. Mas qual das mãos traz a droga salvadora? A mão esquerda? Ou a mão direita?

Esta não é uma escolha expressiva. Sem testes extensos com drogas simplesmente não podemos dizer qual mão traz um veneno perigoso e qual oculta a droga salvadora. Sem testes apropriados mesmo um tratamento potencialmente salvador pode ser prejudicial se dado na dose errada ou aos pacientes errados. Também quero que as pessoas tenham escolhas. Mas elas deveriam ter escolhas reais, envolvendo dados científicos sobre quanto de dano e de beneficio pode-se esperar encontrar nos diversos tratamentos alternativos. 

Temos somente uma solução comprovada. Precisamos de políticas públicas que promovam mais testes com drogas, não que promovam ainda mais brechas novas que poderiam por em perigo a saúde e a segurança de milhões de pessoas. 

Alguns podem perguntar, "Mas as pessoas não vão rejeitar um tratamento salvador por vários anos só porque está sendo testado com humanos para a avaliação da droga? Minha resposta é que não sabemos se é uma droga salvadora de vidas até que ela seja testada. Mesmo que se comprovem salvadoras, não podemos sinceramente esperar que salvem vidas até termos testado o suficiente para saber como usá-las apropriadamente. A história dos modernos tratamentos com drogas incluem muitos casos de drogas valiosas que provaram serem ineficazes ou prejudiciais porque foram usadas nos pacientes errados, ou na época errada na progressão de uma doença [5,6]. Até ser testada, e sabemos como fazer isto, uma droga não pode ser apropriadamente considerada um tratamento que salva vidas. 

Os tratamentos alternativos apresenta problemas especiais que merecem a atenção deste comitê. Estão escapando por entre as brechas do sistema que planejamos para procurar por novos medicamentos. Espera-se que as grandes companhias farmacêuticas invistam milhões de dólares em elaborados testes de medicamentos que sensatamente exigimos. Em troca elas adquirem patentes que são tão lucrativas que uma única droga campeã de vendas pode sustentar toda uma gigante multinacional farmacêutica. Estes sistema tem proporcionado muitos medicamentos benéficos, mas tem um preço. Somente as grandes empresas podem arcar com os extensos testes exigidos pela lei. Organizações grandes tendem a seguir pensamento convencional, inovadores arrojados freqüentemente trabalham sozinhos ou em empresas pequenas. Certamente é possível que existam terapias negligenciadas que envolvam moléculas comuns ou ingredientes naturais que não possam ser prontamente patenteadas. Também pode haver caminhos científicos promissores de avanços que foram ignorados ou abandonados pela pesquisa médica da corrente principal e por seus companheiros da indústria farmacêutica. O modesto departamento do National Institutes of Health devotado a terapias alternativas nem mesmo tem uma fração dos recursos necessários para investigar as indicações mais promissoras.

É necessário dinheiro e uma estrutura para objetivar pesquisas e assinalar prioridades. Os fundos deveriam vir da receita dos impostos gerais -- como os fundos para o National Institutes of Health. Ou a pesquisa deveria ser financiada por uma pequena taxa paga pela indústria. Acredito que os consumidores estariam dispostos a pagarem uma quantia extra para assegurar que eles teriam um produto que pudesse beneficiar sua saúde ao invés de prejudicá-la. O problema político é imaginar como conseguir com que o teste científico necessário seja feito. A solução não é expor mais americanos a componentes não testados e possivelmente ineficazes ou prejudiciais. 

Finalmente, gostaria de falar sobre o assunto do FDA e os tratamentos experimentais do câncer. Minha maior preocupação é que já existem tratamentos experimentais com pacientes de câncer demais ao invés de não de termos o suficiente. 

Uma pesquisa realizada pelo General Accounting Office mostrou que 23% de todos pacientes de câncer receberam um tratamento experimental, outro estudo do GAO estimou que cerca de 56% dos pacientes de câncer receberam uma droga para uso sem-etiqueta -- que pode ser considerado uso quase-experimental de uma droga aprovada [7,8]. Apesar dos bilhões que gastamos em pesquisa e tratamento, a taxa de mortalidade do câncer é maior hoje do que foi em 1970, apesar dos declínios dramáticos na maioria das outras causas maiores de morte [9]. O uso de tanto tratamento experimental pode ser uma razão importante de estarmos tendo tais resultados decepcionantes. O Congresso dos EUA quer expor mais pacientes aos agentes experimentais de câncer sem as garantias exigidas pelo protocolos rígidos do National Cancer Institute ou estudos de testes de drogas em humanos sob a supervisão do FDA?

Finalmente, algumas pessoas parecem acreditar que os burocratas sem coração do FDA estão de alguma maneira mantendo drogas valiosas longe das pessoas que estão entre a  vida e a morte. Publiquei artigos e livros cheios de críticas ao FDA, detalhando muitas fracassos e várias maneiras pela quais o FDA poderia fazer um trabalho melhor. Mas também estou aqui para testemunhar que após 20 anos em Washington não encontrei um grupo de funcionários públicos que fosse mais capaz e que estivesse mais sinceramente dedicado em proteger o público americano. Na maioria das vezes, eles travam uma batalha sem armas sob circunstâncias muito difíceis, e eu tenho por eles, um grande respeito por seus esforços.   

Concluindo, acredito que o assunto central antes do comitê de hoje não é o acesso ao tratamento, mas assegurar que o teste das drogas apropriado e necessário está sendo conduzido para garantir que tanto as terapias médicas da corrente principal como os remédios alternativos ajudarão ao invés de prejudicar as pessoas. O que é mais fácil falar do que fazer. Mas com políticas públicas sólidas, podemos caminhar em direção a este objetivo. Entretanto, se o congresso abandona a salvaguarda essencial do teste das drogas, não há nenhum limite para os danos que podem ocorrer. 

Referências

1. Omenn GS and others. Effects of a combination of beta carotene and vitamin A on lung cancer and cardiovascular disease. New England Journal of Medicine 334:1150-1155, 1996.
2. Hennekens CH and others. Lack of effect of long-term supplementation with beta carotene on the incidence of malignant neoplasms and cardiovascular disease. New England Journal of Medicine 334:1145-1149, 1996.
3. HHS News. FDA Announces withdrawal of Fenfluramine and Dexfenfluramine. U.S. Department of Health and Human Services, Food and Drug Administration, Office of Public Affairs, September 15, 1997.
4. Department of Health and Human Services, Food and Drug Administration, Division of Pharmacovigilance and Epidemiology. FDA analysis of cardiac valvular dysfunction with use of appetite suppressants. briefing paper. Undated.
5. Concorde Coordinating Committee. Concorde: MRC/ANRS randomized double-blind controlled trial of immediate and deferred zidovudine in symptom-free HIV infection. Lancet 343:871-881, 1994.
6. Echt, DS and others. Mortality and morbidity in patients receiving Encainide, Flecainide or placebo. New England Journal of Medicine 324:781-788, 1991.
7. United States General Accounting Office. Off-Label Drugs: Initial Results of a National Survey. Washington, D.C.: U.S. General Accounting Office. GAO/PEMD-91-12BR, February, 1991.
8. United States General Accounting Office. Off-Label Drugs: Reimbursement Policies Constrain Physicians in their Choice of Cancer Therapies. Washington. D.C.: U.S. General Accounting Office GAO/PEMD-91-14, September. 1991.
9. Moore, TJ. Look at the mortality rates: The 'War on Cancer' has been a bust. The Washington Post; July 23. 1997, editorial page.
10. Moore TJ. Deadly Medicine: Why Tens of Thousands of Heart Patients Died in America's Worst Drug Disaster. New York: Simon & Schuster, 1995.
11. Moore, TJ. Prescription for Disaster. The Hidden Dangers in Your Medicine Chest. New York: Simon & Schuster, 1998.

Sobre o Autor

O Sr. Moore, membro sênior do Center for Health Policy Research da George Washington University, é especialista em assuntos envolvendo a segurança na prescrição de drogas. Seus trabalhos tem sido publicados em muitas revistas e jornais. Seu livro mais recente Prescription for Disaster: the Hidden Dangers in Your Medicine Cabinet, é um exame dos riscos da prescrição de drogas e a performance do sistema de segurança que pretende controlar estes riscos. Seu livro anterior Deadly Medicine: Why Tens of Thousands of Heart Patients Died in America's Worst Drug Disaster, foi um estudo de casos explorando o motivo pela qual uma classe de drogas para arritmias cardíacas foi tão amplamente utilizada sem que os pesquisadores e reguladores percebessem que as drogas freqüentemente causavam ataques cardíacos. Ele já havia testemunhado antes no congresso e fez palestras em universidades e outras instituições de pesquisa sobre a segurança de drogas e outros assuntos envolvidos com o sistema de assistência médica. Antes de se voltar a pesquisa e a escrever sobre assuntos de política da saúde em tempo integral em 1988, foi o correspondente nacional em Washington para a cadeia de jornais Knight-Ridder. Também trabalhou na equipe de assessores do senado americano. 
 
 

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