Quackwatch em português

 

Charlatanismo Gastrointestinal: 
Lavagens do Cólon, Laxantes e Mais

Stephen Barrett, M.D.

A importância da "regularidade" para a saúde global tem sido enormemente superestimada por milhares de anos. Os antigos egípcios associavam as fezes com cáries e abusavam dos enemas (lavagens) e dos laxantes. Em épocas mais recentes, esta preocupação foi incorporada ao conceito de "auto-intoxicação" e vem sendo promovida através de advertências contra a "irregularidade." [1]

A teoria da "auto-intoxicação" declara que a estagnação do intestino grosso (cólon) induz a formação de toxinas que são absorvidas e envenenam o corpo. Alguns proponentes descrevem o intestino grosso como um "sistema de dejetos" que se torna um "esgoto" se negligenciado. Outros proponentes declaram que a constipação leva as fezes endurecidas a se acumularem por meses (ou mesmo anos) nas paredes do intestino grosso e bloqueia-o de absorver ou eliminar apropriadamente. Isto, dizem eles, faz com que os alimentos permaneçam indigeridos e impedidos de entrarem no sangue para serem reabsorvidos pelo corpo [2].

Por volta da virada do século vinte muitos médicos aceitavam o conceito de auto-intoxicação, mas foi abandonado após observações científicas provarem que ele estava errado. Em 1919 e em 1922, foi claramente demonstrado que os sintomas de dor de cabeça, fadiga e perda do apetite que acompanhavam a impactação fecal eram causados pela distensão mecânica do cólon ao invés da produção ou absorção de toxinas [3,4]. Além disso, observação direta do cólon durante procedimentos cirúrgicos ou autópsias não encontrou nenhuma evidência de que fezes endurecidas se acumulam nas paredes intestinais. 

Hoje sabemos que a maioria dos processos digestivos acontecem no intestino delgado, através do qual os nutrientes são absorvidos para o interior do corpo. A mistura remanescente de alimentos e partículas não digeridas então entram no intestino grosso, que pode ser comparado com um tubo oco de 110 cm de comprimento. Suas funções principais são o transporte de restos alimentares do intestino delgado para o reto para eliminação e absorção de minerais e água. Observações cuidadosas têm mostrado que os hábitos intestinais de indivíduos saudáveis podem variar bastante. Ainda que a maioria das pessoas têm evacuações diárias, algumas têm várias evacuações todos os dias, enquanto outras podem ficar vários dias ou mesmo por mais tempo sem nenhum efeito adverso. 

Apesar deste fatos, alguns quiropráticos, naturopatas e variados gurus dos alimentos alegam que "a morte começa no cólon" e que "90% de todas as doenças são causadas por trabalhos intestinais inapropriados." As práticas que eles recomendam incluem jejuns, "limpeza" periódica dos intestinos e irrigação do cólon. Dizem que o jejum "purifica" o corpo. A "limpeza" pode ser executada com uma variedade de laxantes "naturais". A irrigação do colón é realizada pela passagem de um tubo de borracha através do reto por uma distância superior a 55cm ou até mesmo 75 cm. Água morna -- freqüentemente 75 litros ou mais -- é bombeada em vai e vem através do tubo, cerca de meio litro por vez,  para jogar para fora os conteúdos do intestino grosso. (Um enema comum usa cerca de um quarto do fluído) Alguns praticantes adicionam ervas, café, enzimas, extratos de trigo ou relvas, ou outras substâncias na solução do enema. Os sites Total Health Connection e Canadian Natural Health and Healing Center oferecem maiores detalhes das alegações dos proponentes. O último declara que "existe apenas uma causa para as doenças -- toxemia" e oferece "a mais abrangente colonterapia a fundo no continente." O curso custa 985 dólares por 5 dias de treinamento na clínica ou 295 dólares por correspondência.

Alguns profissionais "alternativos" fazem diagnósticos falsos de "parasitas," para os quais eles recomendam "limpadores intestinais," enzimas vegetais, remédios homeopáticos. Lojas de alimentos-saudáveis vendem produtos deste tipo com alegações de que eles podem "rejuvenescer" o corpo e matar os pretensos invasores. 

O perigo destas práticas depende da quantidade com que são usados e se são substituídos pela assistência médicas necessária. Enquanto que um jejum de um dia é freqüentemente inofensivo (apesar de inútil), jejuns prolongados podem ser fatais. É improvável que as "limpezas" sejam fisicamente prejudiciais, mas os produtos envolvidos podem ser dispendiosos. 

A irrigação do colón, que também pode ser cara, tem um considerável potencial de dano. Os processos podem ser bastante desconfortáveis, pois a presença do tubo pode induzir cólicas e dores severas. Se o equipamento não é adequadamente esterilizado entre os tratamentos, germes patológicos do intestino grosso de uma pessoa podem ser transmitidos para outras pessoas. Diversas erupções de infecções graves têm sido relatadas, incluindo infecções nas quais equipamentos contaminados causaram amebíase em 36 pessoas, 6 delas morreram devido a perfuração intestinal [5-7]. Casos de insuficiência cardíaca (pelo excessiva absorção de fluídos para a corrente sangüínea) e desequilíbrios eletrolíticos também foram documentados [8]. Já que nenhuma licença ou treinamento são exigidos para operar um aparelho de irrigação do cólon. Em 1985, um juiz da Califórnia decidiu que a irrigação do cólon é um procedimento médico invasivo que não pode ser realizado por quiropráticos e a Divisão de Doenças Infecciosas do Departamento de Saúde da Califórnia declarou: "A prática de irrigação do cólon por quiropráticos, fisioterapeutas ou médicos deveria cessar. A irrigação do cólon não traz nenhum benefício, apenas malefícios." O National Council Against Health Fraud concorda [9].

O FDA classifica os sistemas de irrigação do cólon como aparelhos Classe III que não podem ser legalmente comercializados exceto para limpeza do colón indicada por um médico (como por exemplo antes de um exame endoscópico radiológico) [10]. Nenhum sistema foi aprovado para limpeza de "rotina" do colón para promover o bem-estar geral de um paciente. 

O popular livro de dieta Fit for Life (1986) é baseado na noção que quando certos alimentos são ingeridos juntos, eles "apodrecem," envenenam o sistema e deixam a pessoa gorda. Para evitar isto, os autores recomendam que gorduras, carboidratos e proteínas sejam ingeridos em refeições separadas, enfatizando frutas e vegetais porque alimentos com grande quantidade de água podem "lavar os restos tóxicos de dentro do corpo" ao invés de "obstruir" o corpo. Estas idéias são completamente sem sentido. 

Ainda que os anúncios de laxantes advirtam contra a "irregularidade," a constipação deveria ser definida não pela freqüência do funcionamento mas pela dureza das fezes. Constipação comum normalmente pode ser tratada pelo aumento do conteúdo de fibras na dieta, bebendo quantidades adequadas de água e engajando-se em exercícios regulares. Se o intestino é basicamente normal, fibras na dieta aumentam o volume das fezes, amolece e acelera o tempo do trânsito. Defecar logo após o estímulo ser percebido também pode ser útil porque se os estímulos são ignorados, o reto pode eventualmente parar de enviar sinais quando a defecação é necessária. Laxantes estimulantes (como cáscara-sagrada ou óleo de rícino) podem danificar as células nervosas na parede do colón, diminuindo a força das contrações e aumentando a tendência para a constipação. Assim, as pessoas que tomam laxantes potentes sempre que "tem a freqüência alterada" podem fazer com seus intestinos não consigam mais funcionar sem eles. Enemas freqüentes também podem levar a dependência [11]. Deve-se consultar um médico se a constipação persistir ou representar uma mudança significativa no padrão intestinal. 

Referências.

1. Chen TS, Chen PS. Intestinal autointoxication: A gastrointestinal leitmotive. Journal Clinical Gastroenterology 11:343-441, 1989.
2. Ernst E. Colonic irrigation and the theory of autointoxication: A triumph of ignorance over science. Journal of Clinical Gastroenterology 24:196-198, 1997.
3. Alvarez WC. Origin of the so-called auto-intoxication symptoms. JAMA 72:8-13, 1919.
4. Donaldson AN. Relation of constipation to intestinal intoxication. JAMA 78:884-888, 1922.
5. Amebiasis associated with colonic irrigation - Colorado. Morbidity and Mortality Weekly Report 30:101-102, 1981.
6. Istre GR and others. An outbreak of amebiasis spread by colonic irrigation at a chiropractic clinic. New England Journal of Medicine 307:339-342, 1982.
7. Benjamin R and others. The case against colonic irrigation. California Morbidity, Sept 27, 1985.
8. Eisele JW, Reay DT. Deaths related to coffee enemas. JAMA 244:1608-1609, 1980.
9. NCAHF position paper on colonic irrigation. National Council Against Health Fraud, 1995.
10. Baca JR. Warning letter to Colon Hygiene Services, Austin, Texas, June 20, 1997. (Download uma  cópia em  PDF - requer Acrobat)
11. Use of enemas is limited. FDA Consumer 18(6):33, 1984.

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Este artigo foi revisto no site original em 11 de agosto de 1999.

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