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Não Compre Falsas "Ajudas Ergogênicas" 

Stephen Barrett, M.D.

Mais de uma centena de companhias estão comercializando falsas "ajudas ergogênicas", combinações de várias vitaminas, minerais, aminoácidos e outro "suplementos dietéticos" alegando construir músculos e/ou acentuar a performance atlética. Em 1991, pesquisadores do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA examinaram doze revistas populares de saúde e fisiculturismo (uma edição de cada) e encontraram anúncios de 89 marcas e 311 produtos com um total de 235 ingredientes diferentes. A Health Foods Business estima que em 1996, o total de vendas destes produtos através das lojas de alimentos-saudáveis excedeu 204 milhões de dólares. Eles também foram vendidos através de farmácias e lojas de departamentos. 

Raízes da Mitologia "Ergogênica"

A noção que grandes quantidades de proteínas são necessárias durante o treinamento evoluiu de crenças antigas de que se poderia obter uma grande força comendo carnes cruas de leões, tigres ou de outros animais que demonstrassem grande força de combate. Hoje, apesar de poucos atletas consumirem carne crua, a idéia de que "você é o que come" ainda é amplamente promovida pelos modistas do alimentos. 

Durante o início do século XX, quando se descobriu que os músculos continham proteína, atletas e treinadores erroneamente concluíram que a proteína era o componente principal. (Na verdade, é a água.) Estas crenças envolvendo proteínas foram posteriormente consolidas durante os anos 30 por Bob Hoffman (1899-1985) e mais tarde por Joe Weider (1923- ), ambos publicaram revistas dirigidas aos fisiculturistas e levantadores de peso. Eles asseguravam que os atletas tinham  necessidades especiais de proteína, que os suplementos protéicos tinham poderes especiais que proporcionavam saúde e construíam músculos, e que a maneira mais eficiente de se obter proteínas em quantidades suficientes é através de suplementos. Os fatos científicos mostram algo diferente. A construção de músculos não é induzida pela ingestão extra de proteína. É estimulada pelo aumento do trabalho muscular. Uma vez que as necessidades protéicas básicas foram alcançadas, a pequena quantidade adicional necessária durante o treinamento intenso é facilmente obtida a partir de uma dieta balanceada. Poucos americanos deixam de consumir quantidades adequadas de proteína. 

Hoffman comercializou suplementos e equipamentos de musculação através de sua companhia York Barbell, de York, Pensilvânia. Um escritor prolífico, ele publicou duas revistas e mais de trinta livros sobre fitness e nutrição. Por muitos anos, os produtos nutricionais da York Barbell foram promovidos com alegações falsas e enganosas. Em 1960, a companhia foi acusada de estar rotulando erradamente seu Energol Germ Oil Concentrate porque a literatura que acompanhava o óleo alegava falsamente que poderia prevenir ou tratar mais de 120 doenças e distúrbios, incluindo epilepsia, cálculo biliar e artrite. Em 1961, outros quinze produtos da York Barbell foram apreendidos por rótulos falsos. Em 1968, um grande número de produtos sofreram ataques do governo por razões similares. Em 1972, o FDA apreendeu três tipos de suplementos protéicos da York Barbell, acusando que eles estavam mal rotulados com alegações falsas e enganosas de construir músculos. Em 1974, a companhia foi novamente acusada por rotulagem falsa do Energol e de suplementos protéicos. Alegava-se que o óleo era uma fonte especial de vigor e energia. Foram feitas alegações falsas de construção muscular para os suplementos protéicos. 

Apesar de seus muitos entraves com a lei, Hoffman conseguiu considerável proeminência profissional. Durante sua carreira de atleta, primeiro como remador e depois como levantador de pesos, ele recebeu cerca de 600 troféus, certificados e prêmios. Ele foi o técnico da equipe  olímpica de halterofilismo de 1936 a 1968 e membro-fundador do President's Council on Physical Fitness and Sports. 

Weider começou com a musculação ainda adolescente e tinha dezesseis anos quando lançou um boletim chamado Your Physique. Alguns anos mais tarde, abriu uma companhia que vendia equipamentos de musculação e livretos instrutivos através do correio. Em 1946 Ben, irmão de Joe,  uniu-se aos negócios e fundaram a International Federation of Bodybuilders, que promovia o esporte por todo o mundo e patrocinava competições. De acordo com notícias vinculadas na imprensa, seu império de negócios atualmente envolve mais de 500 milhões de dólares por ano. 

O Weider Nutritional International é o jogador dominante no mercado dos suplementos esportivos, com relatos de vendas anuais de 350 milhões de dólares [1]. Publica sete revistas, vende equipamentos para musculação, transmite o "Muscle Magazine" na ESPN, e patrocina muitos eventos atléticos e aeróbicos ao longo do ano. Suas revistas são Muscle & Fitness, Shape, Flex, Living Fit, Prime Health & Fitness, Men's Fitness e Senior Golfer. Os suplementos incluem Anabolic Mega-Pak, Dynamic Life Essence, Dynamic Super Stress-End, Dynamic Power Source, Dynamic Driving Force, Dynamic Fat Burners, Dynamic Liver Concentrate Energizer, Dynamic Sustained Endurance, Dynamic Recupe, Dynamic Body Shaper e Dynamic Muscle Builder. Nenhum destes produtos parecem ser capazes de fazer o que seus nomes sugerem, e nenhum contêm quaisquer nutrientes não prontamente obtidos de uma dieta balanceada. 

Em 1984, o Federal Trade Commision (FTC) acusou que os anúncios do Anabolic Mega-Pak (contendo aminoácidos, minerais, vitaminas e ervas) e do Dynamic Life Essence (um produto com aminoácidos) eram enganosos. A pendência do FTC foi resolvida em 1985 quando Weider e a companhia concordaram a não alegar falsamente que estes produtos podiam ajudar a construir músculos ou que fossem substitutos eficazes para os esteróides anabolisantes. Eles também concordaram em pagar um mínimo de 400 mil dólares em restituição ou (se a restituição não alcançasse esta cifra) para financiar pesquisas sobre a relação da nutrição com o desenvolvimento de músculos. Apesar que as alegações proibidas não apareceram mais nos anúncios da Weider, mensagens similares aparecem nos artigos nas revistas e são insinuados por endossos e fotos de atletas musculosos bem como pelos próprios nomes dos produtos. Alegações falsas e enganosas também aparecem em uma série de dezoito livretos publicados em 1990 pela Weider Health & Fitness e comercializados através das lojas GNC. 

O Mercado se Expande

Durante os anos 70, em adição aos suplementos protéicos e as variadas vitaminas, os principais produtos que seduziam os atletas eram o óleo de gérmen de trigo e o pólen de abelha (alegava-se falsamente que aumentava a energia e a resistência). No início dos anos 80, Weider Health & Fitness introduziu uma linha "Olímpica" dita ter sido desenvolvida por trabalhos minuciosos com "pesquisadores nutricionais e olímpicos." A maioria eram preparados de vitaminas de liberação constante que incluíam um ingrediente exótico ou dois. Como o interesse público pelo exercícios físicos cresceu, diversas companhias farmacêuticas começaram a alegar falsamente que as multivitaminas ou suplementos para o "estresse" eram justamente o que pessoas ativas precisavam. 

Life Extension, de Durk Pearson e Sandy Shaw, foi publicado em 1982 e acompanhado pela comparecimento dos autores em centenas de programas de entrevistas em rádios e televisões. O livro alegava que suplementos de certos aminoácidos poderiam levar o corpo a liberar hormônio de crescimento (GH), o que ocasionaria o desenvolvimento muscular e perda de gordura com pouco ou nenhum esforço. Estas alegações foram baseadas em extrapolações defeituosas de experiências nas quais os animais receberam altas doses destes aminoácidos através de injeções. Aminoácidos deglutidos não levam os humanos a liberarem GH. Mas a intensa publicidade realizada por Pearson e Shaw inspirou a indústria dos alimentos-saudáveis a comercializar centenas de novos produtos para atletas e para os que desejavam fazer dieta. Muitos destes produtos são falsamente alegados como "esteróides naturais" ou "substitutos dos esteróides." Nos anos seguintes, traços de outros ingredientes inúteis foram adicionados à "ajuda ergogênica."

Alguns fabricantes não fazem alegação alguma em seus anúncios mas simplesmente as insinuam nos nomes dos produtos. Muitos usam fotos de atletas para transmitir seu recado. Alguns fazem alegações explícitas em seus anúncios ou na literatura de seus produtos, enquanto outros simplesmente usam propaganda extravagante. Muitos tem publicado tabelas sugerindo que os produtos são bons para propósitos específicos. Alguns até mesmo comercializam produtos para esportes específicos. 

 A Verdade Simples

Atletas que ingerem uma dieta balanceada não precisam de quantidades extras de proteínas ou de vitaminas. Em The Complete Sports Medicine Book for Women, o especialista em medicina esportiva Gabe Mirkin, M.D. e a ginecologista Mona Shangold, M.D., explicam o motivo:

Você não precisa de muita proteína extra, mesmo para aumentar seus músculos. Por exemplo, 1 libra [453,59 g] de músculos contêm somente cerca de 100 gramas de proteína, uma vez que é composto por mais de 72% de água. Deste modo se você está ganhando 1 libra de músculo toda semana em um programa ótimo de treinamento de resistência, você está adicionando somente 100 gramas de proteína a cada semana, ou cerca de 15 gramas de proteína a cada dia. Duas xícaras de milho e feijões irão satisfazer esta necessidade -- por muito menos do que você poderia esperar . . . .

Somente quatro vitaminas têm suas exigências aumentadas com o exercício: tiamina, niacina, riboflavina e ácido pantotênico. Estas vitaminas são utilizadas em quantidades mínimas na quebra de carboidratos e, em menor grau, de proteínas para obtenção de energia. Mas você as encontrará abundantemente nos alimentos . . . .Além disso, deficiências destas vitaminas jamais foram relatadas em atletas. 

E quanto aos outros produtos? A investigação foi minuciosa foi conduzida por David Lightsey, um fisiologista e nutricionista desportivo que coordena a força-tarefa da Ajuda Ergogênica do National Council Against Health Fraud. Durante os últimos quatro anos, ele telefonou para mais de 80 companhias que comercializam "ajuda ergogênica." Em um encontro recente, Lightsey me disse: 

Em cada caso, eu disse ao representante da companhia que pediram-me para coletar dados sobre os produtos da companhia e fazer uma reportagem formal. Após eles descreverem os alegados benefícios, eu perguntei como foram coletados os dados que sustentam estas alegações. Assim que minhas perguntas se tornaram mais específicas, suas respostas se tornaram mais vagas. Alguns disseram que não  poderiam ser mais específicos porque não desejavam revelar seus segredos comerciais.

Eu terminava cada entrevista com um pedido por uma documentação escrita. Menos da metade enviou alguma coisa. A maioria dos estudos que eles enviaram eram mal conduzidos e não provavam nada. Os poucos que foram bem conduzidos não corroboravam as alegações dos produtos mas foram colocados fora do contexto. 

Algumas companhias alegavam que uma equipe ou outra estava usando seus produtos. Em cada um destes casos, entrei em contato com a diretória da equipe e descobri que apesar de um ou mais jogadores terem usado os produtos da companhia, a direção nem havia endossado os produtos tampouco encorajado seu uso.

Lightsey acredita que existem duas razões pelas quais muitos atletas acreditam que variados produtos os ajudaram: (1) o uso do produto freqüentemente coincide com progressos naturais devido ao treinamento, e (2) auto-confiança aumentada ou um efeito placebo inspiram uma maior performance. Qualquer destes "benefícios psicológicos," entretanto, deveriam ser colocados na balança em relação aos perigos da desinformação, desperdício de dinheiro, fé depositada na coisa errada e efeitos físicos adversos -- tanto conhecidos como desconhecidos -- que podem resultar das megadoses de nutrientes. Além disso, quantas pessoas que estão envolvidas em programas de exercícios físicos ou esportes recreativos precisam de um placebo para inspiração?

São Necessárias Mais Ações Legais

Pouco esforços governamentais foram feitos para proteger os consumidores de desperdiçarem dinheiro em produtos de "nutrientes esportivos." O FTC agiu conforme mostrado acima contra o Weider Health & Fitness, o líder do mercado. Em 1986, a agência agiu contra a A.H. Robins e sua subsidiária, a Viobin Corporation, que tinham feito alegações falsas a respeito dos produtos de óleo de gérmen de trigo por mais de quinze anos. O caso foi resolvido com um acordo proibindo representações de que o óleo poderia ajudar os consumidores a melhorarem a resistência, a energia, o vigor ou outros aspectos da aptidão atlética, ou que seu ingrediente ativo "octacosanol" estaria relacionado de alguma maneira com o tempo de reação do corpo, captação de oxigênio, débito de oxigênio ou performance atlética. 

Em 1992, o Department of Consumer Affairs (DCA) da cidade de Nova York publicou um relatório denominado Magic Muscle Pills!! Health and Fitness Quackery in Nutrition Supplements. os investigadores do DCA descobriram que os fabricantes que eles contataram para obter informação sobre seus produtos eram incapazes de providenciar um único trabalho publicado em uma revista científica para sustentar as alegações de que seus produtos poderiam beneficiar atletas. 

Junto com seus relatórios, o DCA publicou "Avisos de Violação" de seis companhias cujos produtos foram investigados. Também alertaram aos consumidores para se precaverem com termos como "queimador de gordura," "combate gordura," "metabolizador de gordura," "intensificador de energia," "impulsionador de performance," "impulsionador de força," "ajuda ergogênica," "otimizador anabólico," e "otimizador genético." Chamando a indústria dos suplementos para a musculação de "um embuste econômico com conseqüências não saudáveis," os funcionários do DCA pediram ao FDA e ao FTC que interrompessem "as espalhafatosas alegações de similares à drogas" e propaganda enganosas usadas para promover estes produtos.

Em 1994, o FTC conseguiu um acordo sob o qual a General Nutrition, Inc., pagou 2,4 milhões de dólares para por fim as acusações que ela tinha falsamente anunciado 41 produtos, a maioria dos quais foram empacotados por outros fabricantes. Os produtos incluíam o Weider's Super Fat Burners, outros onze "construtores musculares" e outros cinco "ajudas ergogênicas" falsas. Nenhuma ação foi tomada contra os outros fabricantes, mas a equipe do FTC está bem consciente que o mercado da "nutrição desportiva" precisa ser limpado. 

O FDA tem o dever legal de banir alegações que os produtos estimulam atividades hormonais ou alteram o metabolismo do corpo. (Alegações deste tipo possibilitam a agência a classificá-los como drogas e banir usos não comprovados.) Em 1994, David Lightsey e eu fizemos uma petição ao FDA para banir todos os ingredientes nestes produtos que não tinham comprovado segurança e eficácia para seu uso pretendido e publicar uma advertência pública que o FDA não os reconhece como eficazes. A agência replicou que nossa petição "não continha evidência científica que as alegações descritas na petição eram de que os produtos seriam. . . . novas drogas não comprovadas" e que "não oferecia evidência científica que pudesse permitir ao FDA avaliar a validade das alegações."

Este artigo foi adaptado do livro The Vitamin Pushers: How the "Health Food" Industry Is Selling America a Bill of Goods.

Referência

1. Muscle & Fitness 60(7):216-241, 1999.

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