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Terapia de Di Bella

Gianfilippo Bertelli, M.D.

A suposta terapia de Di Bella � um tratamento n�o ortodoxo de c�ncer a qual foi o centro de uma histeria coletiva na It�lia por v�rios meses durante 1997 e 1998. O tratamento foi nomeado em homenagem a seu proponente, Professor Luigi Di Bella, 85, um fisiologista aposentado que vive em Modena. � baseado em uma combina��o de somatostatina, vitaminas, retin�ides, melatonina e bromocriptina. O ACTH (horm�nio adrenocorticotr�pico) e doses orais baixas dos bem-conhecidos agentes quimioter�picos ciclofosfamida e hidroxiur�ia s�o algumas vezes tamb�m inclu�dos. DiBella alega que seu tratamento estimula as propriedades de auto-cura do corpo sem danificar c�lulas saud�veis. Entretanto, ele n�o providenciou nenhuma evid�ncia experimental que o corrobore, e -- apesar de suas alega��es de ter curado milhares de pacientes com uma variedade de c�nceres -- jamais documentou seus resultados cl�nicos em um peri�dico cient�fico indexado. Silvio Garattini, um respeitado farmacologista que comanda o Instituto Mario Negri em Mil�o, descreveu o regime de DiBella como uma "associa��o totalmente irracional de drogas corroborada por absolutamente nenhuma evid�ncia cient�fica ou dados sejam quais forem". [1]

Em dezembro de 1997, Di Bella apareceu nas manchetes ap�s Carlo Madaro, um juiz da cidade de Maglie no sul da It�lia, ordenar que a autoridade de sa�de deveria financiar o tratamento para um paciente. O caso envolvia uma crian�a de 2 anos de idade com c�ncer cerebral que tinha sido tratada com o regime de Di Bella. Os pais da crian�a pediram por somatostatina gratuita, acreditando ser o componente chave do regime. Sob a lei italiana, a somatostatina e seu an�logo octreotide somente podem ser prescritos para manejar a diarr�ia e acessos febris associados com tumores raros chamados carcin�ides. Apesar disto, a maioria das farm�cias na It�lia tem ficado sem estas drogas caras por causa da popularidade do regime de Di Bella, e muitos pacientes est�o comprando as no exterior. Ap�s juizes em diversas outras cidades italianas atenderem as solicita��es de pacientes pedindo por somatostatina, um editorial do Lancet comentou: "� lament�vel que o judici�rio tenha o poder de varrer para longe planos de prescri��o constru�dos cuidadosamente na base de pouca opini�o cl�nica." [2]

A crian�a morreu de c�ncer em julho de 1998. Enquanto isso, entretanto, o interesse p�blico no tratamento n�o convencional cresceu de uma maneira sem precedentes -- mesmo para um pa�s onde proponentes de "cura milagrosa do c�ncer" emergem periodicamente. Pacientes com c�ncer apoiando Di Bella organizaram demonstra��es nas ruas com cartazes de "liberdade de tratamento". Revistas, jornais e redes de televis�o -- especialmente aqueles ligados a partidos de oposi��o da ala direita -- expressaram apoio. Muitos pacientes com c�ncer abandonaram modalidades de tratamento convencional e pediram para receber a terapia de Di Bella, a qual supostamente n�o tinha nenhum efeito t�xico. Oncologistas foram acusados de conspirar para manter os pacientes com c�ncer longe de uma terapia potencialmente curativa. L�deres pol�ticos foram criticados e rumores de uma poss�vel crise governamental come�ou a se espalhar. Ent�o, ap�s um debate televisionado com Di Bella em janeiro de 1998 -- assistido por nove milh�es de italianos -- o ministro da sa�de Rosy Bindi anunciou que ensaios cl�nicos seriam conduzidos em hospitais p�blicos. Foi pedido para Di Bella que colaborasse com os principais especialistas em c�ncer da It�lia na elabora��o dos protocolos do ensaio. 

A decis�o, de acordo com um porta-voz do ministro da sa�de, foi tomada para resolver um "problema de ordem p�blica". Entretanto, alguns especialistas em c�ncer foram cr�ticos e recusaram participar da pesquisa, porque eles acreditavam que ela era anti-�tica e parecia legitimar as alega��es de Di Bella. A revista cientifica Nature comparou o caso Di Bella com aquele do laetrile no Estados Unidos durante os anos 70 e in�cio dos 80 [3]. Durante aquele per�odo, apesar da falta de evid�ncia de efic�cia, diversos estados aprovaram leis permitindo que o laetrile fosse prescrito; e a press�o p�blica levou ag�ncias do governo a permitirem um ensaio cl�nico, o que mostrou-se negativo [4].

Ap�s o an�ncio de Bindi, os hospitais italianos foram enxurrados por pedidos de pacientes com c�ncer para serem inclu�dos nos ensaios cl�nicos. Os pacientes foram selecionados em centros de c�ncer por um especialista em c�ncer e foi dada a op��o do tratamento convencional. Para ser eleg�vel para o regime de Di Bella, os pacientes tinham que ter massas tumorais facilmente mensur�veis e estar em condi��es f�sicas relativamente boas. Alguns pacientes eleg�veis (alguns dos quais n�o tinham previamente visto um especialista em c�ncer!) decidiram se submeter ao tratamento convencional. Aqueles que escolheram o tratamento Di Bella entraram em nove fases II, estudos de r�tulo aberto em diversos centros de c�ncer. Estes estudos inclu�ram pacientes com c�ncer de mama, pulm�o, p�ncreas, c�lon, c�rebro, cabe�a e pesco�o, e linfomas n�o Hodgkin que n�o foram responsivos aos tratamentos convencionais ou que recusaram tratamentos comprovados. Os pacientes com c�ncer mais avan�ado foram selecionados para outro estudo, um estudo mal definido com a inten��o de seguir um total de 2.600 pacientes. 

Ainda que o p�blico esperasse saber dentro de alguns meses se o regime de Di Bella era superior aos tratamentos convencionais, surgiram advert�ncias que os ensaios n�o tinham grupos controle e podiam n�o proporcionar evid�ncia conclusiva. Enquanto isso, o pr�prio Di Bella expressou temores que os resultados seriam "sabotados" por m�dicos da corrente principal. Ele tamb�m acusou as companhias farmac�uticas de conspirarem contra ele e at� mesmo alegou que tinha sido alvo de uma tentativa de assassinato. O drama aumentou quando Di Bella, falando aos membros do Parlamento europeu, anunciou que seu regime tamb�m � eficaz contra a retinite pigmentosa, esclerose m�ltipla, esclerose lateral amiotr�fica e doen�a de Alzheimer, nenhuma destas tem uma cura m�dica conhecida. 

Di Bella orgulhava-se que seus arquivos pessoais continham provas que ele tinha curado milhares de pacientes. Em junho, entretanto, sua credibilidade foi abalada por uma an�lise de 3.076 de seus registros. De acordo com o National Institute of Health, 1.553 (50%) n�o continham nenhuma documenta��o de que o paciente tivesse c�ncer ou faltavam outras informa��es essenciais. Do restante, 918 foram exclu�dos de considera��o posterior porque viviam em �reas onde registros de tumores n�o eram dispon�veis, o que significa que informa��o de sobreviv�ncia confi�vel n�o era dispon�vel. Dos 605 pacientes vivendo em �reas cobertas por registros locais de tumor, somente 248 tinham documenta��o suficiente de diagn�stico e tratamentos. Entretanto, 244 destes tamb�m tinham recebido tratamentos convencionais, o que significa que nenhuma conclus�o favor�vel podia ser feita.

Ent�o, no in�cio de julho, os primeiros resultados de um ensaio cl�nico financiado pela administra��o da regi�o da Lombardia -- com crit�rio de elegibilidade mais amplo que os ensaios conduzidos pelo Minist�rio da Sa�de -- foram liberados [5]. Dos 333 pacientes avaliados, somente um (0,3%) mostrou uma resposta parcial, e um ter�o n�o mostrou nenhuma mudan�a. Metade dos pacientes tiveram crescimento local de seus tumores, e 14% tiveram novos envolvimentos metast�ticos. Efeitos adversos (n�useas, v�mitos, diarr�ia, sinais neurol�gicos) foram relatados em 23% dos pacientes, e 3,3% tiveram que parar por causa dos efeitos adversos. No final de julho, resultados negativos posteriores foram anunciados. Quatro dos ensaios financiados pelo Estado foram conclu�dos. Nem um �nico dos 136 pacientes envolvidos mostrou melhora. Somente 9% tiveram uma doen�a est�vel durante o tratamento, enquanto que 50% progrediram, 25% morreram e 13% abandonaram o regime por causa dos efeitos colaterais adversos. Os outros 3% n�o foram dispon�veis para avalia��o. Apesar de uma pesquisa mostrar que 67% dos italianos adultos ainda tinham f� em Di Bella, a m�dia parecia ter perdido o interesse no caso.

Um relato final tabulando os resultados entre 386 pacientes a partir de 31 de outubro de 1998, encontrou: 

Nenhum paciente mostrou remiss�o completa. Tr�s pacientes mostraram remiss�o parcial: 1 de 32 pacientes com linfoma n�o-Hodgkin; 1 de 33 pacientes com c�ncer de mama; e 1 de 29 pacientes com c�ncer pancre�tico. No segundo exame, 12% (47) dos pacientes tinham doen�a est�vel; 52% (199) progrediram; e 25% (97) morreram.

Conclus�o: A multiterapia de Di Bella n�o mostrou efic�cia suficiente em pacientes com c�ncer avan�ado para garantir testes cl�nicos posteriores [6].

Assim como com outros tratamentos n�o ortodoxos para o c�ncer, a controv�rsia em rela��o a terapia de Di Bella causou sofrimento desnecess�rio para os pacientes e seus familiares. Fervor da m�dia, decis�es judiciais e press�o p�blica compeliram o governo a financiar estudos cl�nicos apesar da falta de evid�ncia cient�fica. Presumivelmente, os resultados foram negativos. Os estudos ajudaram a acalmar a histeria p�blica e impedir que alguns pacientes com c�ncer abandonassem tratamentos eficazes. Isto foi alcan�ado, entretanto, com um desperd�cio consider�vel dos preciosos recursos governamentais. 

Refer�ncias

1. Anonymous. More clinical judgment, fewer 'clinical' judges. Lancet 351:303, 1998.
2. Simini B. Somatostatin fever mounts in Italy. Lancet 351:428, 1998.
3. Abbott A. Controversial cancer drug wins local approval in Italy. Nature 391:217, 1998.
4. Moertel C and others. A clinical trial of amygdalin (Laetrile) in the treatment of human cancer. New England Journal of Medicine 306:201­206, 1982.
5. Simini B. Italian 'wonder' cure for cancer is ineffective. Lancet 352:207,1998.
6. Italian Study Group for the Di Bella Multitherapy Trials. Evaluation of an unconventional cancer treatment (the Di Bella multitherapy): results of phase II trials in Italy. British Medical Journal 318:224-228, 1999.

_________________

Dr. Bertelli � oncologista no Instituto Nacional para Pesquisa do C�ncer em G�nova, It�lia. Suas opini�es n�o refletem necessariamente as opini�es do Instituto. 

A Liga Italiana contra o C�ncer, uma organiza��o sem fins lucrativos similar a American Cancer Society, oferece informa��es (em italiano) sobre tratamentos n�o comprovados do c�ncer, incluindo o regime de Di Bella. Coment�rios do exterior s�o bem-vindos. Se voc� gostaria que um coment�rio fosse traduzido para o italiano para ser publicado, por favor envie-o diretamente para mim. (em ingl�s) 

Dott. Gianfilippo Bertelli
Oncologia Medica 1
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16132 Genova - It�lia
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