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DHEA: Ignore o Furor

P.J. Skerret

A imprensa tem chamado o DHEA de "a mãe de todos os hormônios." Um novo livro o chama de "super-hormônio." Na internet, é anunciado como o "hormônio da fonte da juventude." 

Na arena da mídia e da opinião pública, o DHEA é rei, uma pílula que pode nos ajudar a viver mais, perder ou ganhar peso, prevenir o câncer, doenças cardíacas e mal de Alzheimer, e combater a AIDS e outras doenças infecciosas. O crescente louvor por este hormônio tem abafado as advertências sérias que pesquisadores de ponta neste campo estão levantando: 

"Ninguém deveria tomar DHEA a menos que esteja sob supervisão de um médico, que deve rotineiramente checar os níveis de esteróides e colesterol, tolerância a glicose e a saúde da próstata nos homens," disse John Nestler, MD, professor de endocrinologia e metabolismo na Virginia Commonwealth University, que estuda os efeitos do DHEA sobre o diabetes e a coagulação sangüínea. 

"O DHEA é o óleo de cobra dos anos 90. Fico bastante nervosa em saber que as pessoas estão usando uma droga sobre a qual não sabemos nada. Não irei recomendá-la," disse Elizabeth Barrett-Connor, MD, professora e chefe do departamento de medicina preventiva e da família da University of California, San Diego. Seus estudos dos níveis naturais de DHEA em pessoas idosas sugerem que níveis maiores podem proteger os homens de doenças cardíacas. 

"Vender hormônios esteróides potentes em lojas de produtos naturais ou pelo correio pode vir a se transformar em um desastre. O DHEA deveria ser classificado como uma droga em investigação e utilizado somente em pesquisas clínicas até entendermos o que ele faz e quais seus efeitos colaterais," disse  Peter Hornsby, PhD, professor adjunto de biologia celular no Baylor College of Medicine. Sua equipe acabou de identificar as células que produzem o DHEA no corpo. 

Qual o motivo destas declarações tão fortes de pesquisadores que acreditam que o DHEA pode algum dia ter um uso médico? Até agora, não existe nenhuma prova sólida de que os suplementos de DHEA tenham qualquer benefício real para humanos. Tampouco há qualquer prova de que eles sejam completamente benignos. "Infelizmente, só vemos os problemas associados com o uso de hormônios anos mais tarde," disse Peter Casson, MD, professor assistente de obstetrícia e ginecologia na Baylor College of Medicine. Ele citou como exemplo o aumento de câncer de mama em mulheres que usaram o dietilstilbestrol (DES) para prevenir um aborto acidental, que foi descoberto somente após anos de uso. 

O Que É DHEA?

Deidroepiandrosterona, ou DHEA, é um hormônio esteróide, um primo químico da testosterona e estrogênio. É produzido a partir do colesterol pelas supra-renais, que estão situadas acima de cada rim. Para os primeiros anos de vida, as supra-renais fabricam muito pouco DHEA. Por volta dos seis ou sete anos, elas começam a produzir em grande quantidade. O pico de produção ocorre por volta da terceira década de vida, quando o DHEA é o hormônio mais abundante na circulação. A partir do início dos trinta anos, há um declínio regular na produção do DHEA, de modo que a média aos 75 anos é de somente 20% do DHEA na circulação de que a pessoa tinha 50 anos mais cedo. Em todas as faixas etárias, os homens tendem a ter níveis mais altos de DHEA que as mulheres. 

Por definição, os hormônios são mensageiros químicos produzidos em uma glândula ou em um tecido que inicia, interrompe ou de outra forma orquestra a atividade em algum outro tecido. O que torna o DHEA um hormônio somente no nome, uma vez que ninguém sabe exatamente o que ele faz no corpo. Por anos pensou-se que era um tipo de lixo químico deixado como sobra da produção de outros hormônios. Hoje, "ainda não fomos capazes de identificar qualquer mecanismo de ação," disse o dr. Casson.

Na verdade, a única coisa sobre a qual os pesquisadores podem concordar é que o DHEA é facilmente convertido em outros hormônios, especialmente estrogênio e testosterona. 

O Food and Drug Administration (FDA) não tem certeza do que fazer com os suplementos de DHEA. Dez anos atrás a agência informou as companhias para pararem de vender o DHEA, que era comercializado na época para perder peso e classificado como uma droga nova não comprovada, obtida somente através de prescrição. Então em 1994, o DHEA foi reclassificado como suplemento alimentar, permitindo a venda sem controle por parte do FDA.

A Evidência

Grande parte da reputação do DHEA como um hormônio maravilhoso veio de experiências nas quais camundongos ou ratos foram alimentados com doses diárias. Tais estudos tem mostrado que o DHEA pode prevenir ou retardar o início de câncer, "endurecimento" das artérias, infecções virais letais, diminuição da imunidade, obesidade e diabetes. Mas o que funciona em roedores não funciona necessariamente em humanos. O que pode ser especialmente verdadeiro neste caso, porque os ratos e camundongos produzem somente cerca de 1/10.000 do DHEA que nós produzimos. 

Um estudo inicial com humanos que apontou possíveis benefícios do DHEA veio da equipe da dra. Barrett-Connor. Eles mediram os níveis de DHEA em amostras de sangue tiradas de quase 2000 pessoas entre homens e mulheres durante os anos de 1972 e1974 e observaram quantas morreram de doenças cardíacas. Em 1986, eles relataram que os homens com níveis altos de DHEA tiveram uma probabilidade muito menor de morrer por doenças cardíacas, ao passo que as mulheres com níveis altos de DHEA tiveram um risco maior. Uma análise mais detalhada publicada no final do ano passado, todavia, mostrou que os homens com níveis de DHEA acima da média no início dos anos 70 tiveram uma probabilidade menor de morrer por doenças cardíacas de apenas 15%, ao passo que não houve nenhuma associação entre os níveis de DHEA e doenças cardíacas entre as mulheres. 

O trabalho com humanos de maior duração e talvez o que foi conduzido mais cuidadosamente vem do dr. Yen e seus associados. Em seu estudo mais recente, publicado no ano passado em uma edição especial dos Anais da New York Academy of Sciences devotada ao DHEA e ao envelhecimento, oito homens e oito mulheres entre 50 e 65 anos tomaram ou 100 miligramas de DHEA ou um comprimido placebo idêntico todas as noites por três meses. Durante os três meses após isto, eles tomaram o comprimido oposto. 

No período de duas semanas do início do DHEA, os níveis circulantes do hormônio foram um pouco maior que os encontrados normalmente em adultos jovens. A massa corporal magra aumentou ligeiramente em ambos os sexos, assim como a força muscular, a qual também aumentou com o placebo. A massa corporal adiposa diminuiu em homens mas aumentou um pouco em mulheres. Também houve uma elevação em alguns marcadores químicos o que sugeriu uma melhora na função imunológica, apesar de que o número de resfriados e de outras doenças não foi avaliado. 

Um estudo anterior da equipe do dr. Yen mostrou que três meses de doses diárias de 50 mg de DHEA significativamente melhorou a sensação de "bem-estar," não aumentou o desejo sexual, como os anúncios do DHEA freqüentemente alegam. 

Outro estudo no qual voluntários usaram o DHEA sugere que este hormônio pode auxiliar no tratamento da doença auto-imune do lupus. Pesquisas que examinam a capacidade do DHEA em fortalecer o sistema imune e preservar a função mental em idosos estão em progresso. 

Experimentos com dezenas de pessoas por mais de seis meses solidamente constitui uma prova de que um tratamento funciona. "O que nós realmente precisamos nesta altura é de alguns ensaios clínicos por um longo período de tempo para identificar claramente os benefícios e os riscos," disse o dr. Nestler.

Uma razão do por quê estes testes são cruciais é que o DHEA tem efeitos colaterais, alguns dos quais podem ser irreversíveis. Uma vez que o DHEA é convertido em testosterona, em algumas mulheres que o usaram houve o crescimento de pelos pelo corpo ou no rosto e, se elas tiverem menos de 50 anos, pode interromper a menstruação. O DHEA também tem demonstrado diminuir os níveis do HDL ("colesterol bom") em mulheres, e poderia aumentar o risco de doenças cardíacas, a principal causa de mortes em mulheres mais velhas. "Não temos a menor idéia do que o DHEA pode fazer em relação ao risco de câncer de mama," disse dr. Nestler.

Em homens, os níveis aumentados de testosterona observados com os comprimidos diários de DHEA poderia estimular o crescimento de um tumor de próstata diminuto que de outra forma teria permanecido latente. O excesso de testosterona também poderia levar a um aumento da próstata, dificultando a saída da urina. 

A Linha Final

Grande parte do interesse popular e científico no DHEA tem origem do ênfase da nossa cultura em relação a juventude. Se os níveis deste hormônio declinam com a idade, os pensamentos viajam,  poderíamos evitar os problemas de saúde que acompanham o envelhecimento -- ou até mesmo estender nossa expectativa de vida -- através da manutenção de níveis altos de DHEA. Muitas pessoas já estão usando o DHEA por precaução caso isto vir a ser verdade. O que não seria problema se esta substância fosse tão segura como a vitamina C. Mas como um potente hormônio esteróide, o DHEA tem o potencial para efeitos colaterais extensos por todo o corpo.

O ímpeto em usar DHEA é um paradoxo curioso, especialmente quando comparado com a lenta, quase relutante aceitação da terapia de reposição hormonal por mulheres mais velhas. Após a menopausa, os suplementos hormonais que aumentam os níveis diminutos de estrogênio ajudam a prevenir a osteoporose e podem proteger contra doenças cardíacas. Existem também alguns riscos conhecidos ou suspeitos com a reposição de estrogênio, como um possível aumento no risco do câncer de mama. Apesar das crescentes evidências que os benefícios superam substancialmente os riscos, a maioria das mulheres nos EUA escolhem em não iniciar a terapia de reposição hormonal. 

Em relação ao DHEA e o envelhecimento, não existe nenhum benefício comprovado e alguns riscos potencialmente graves. Já que as pessoas estão se unindo para usar esta substância virtualmente não regulamentada, isto causa preocupação ao editor associado da HealthNews Arthur Feinberg, MD:

"O potencial para efeitos colaterais irreversíveis é real," disse ele. "Considerando que não existe nenhuma evidência convincente de qualquer benefício do DHEA, acredito firmemente que as pessoas não deveriam usá-lo."

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Este artigo foi reproduzido com permissão da edição de 19 de novembro de 1996 da HealthNews, um boletim dos editores do New England Journal of Medicine. Outros artigos do HealthNews podem ser lidos em http://www.healthnet.ivi.com. (Para acessar o diretório de arquivos, clique na palavra "archives" na página inicial do HealthNews.)

Advertência

Nos últimos dois anos, tenho recebido muitos casos de distúrbios no ritmo do coração associados com uso de altas doses de DHEA e pregnenolona. Publiquei um destes casos de um homem,  que estava usando 50 mg por dia, na edição de outubro de 1998 dos Annals of Internal Medicine (volume 129, página 588).Outros efeitos colaterais incluem acne, crescimento de pelos em lugares indesejados, perda de cabelo, irregularidades menstruais, irritabilidade e agressividade. Em minha opinião, o DHEA, a androstenediona ou a pregnenolona não deveriam ser vendidos sem controle em dose maiores que 5 mg. 

-- Ray Sahelian, M.D.
Outubro de 1998

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