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Cirurgias Desnecessárias

Reproduzido de Consumer Reports on Health (Março de 1998)
© 1998 Consumers Union*

Duas décadas atrás, o número de amigdalectomias despencou de cerca de um milhão por ano para 250 mil, após estudos mostrarem que na maioria dos casos as amígdalas não precisam ser removidas. Ao tempo que os especialistas em ouvido, nariz e garganta [otorrinolaringologistas] diminuíram o número das amigdalectomias, eles começaram a atuar mais em miringotomias, ou a inserção de tubos finos para prevenir infecções recorrentes de ouvido, normalmente em crianças. O número de miringotomias cresceu em torno de 250% nos últimos anos, tornando este procedimento a sexta cirurgia mais comum nos EUA. Mas um estudo grande recente concluiu que possivelmente mais da metade de todas as miringotomias são realizadas por razões equívocas ou inapropriadas. 

Miringotomia é apenas um de muitos procedimentos cirúrgicos utilizados em excesso. Ao passo que a tendência do managed-care é frear certos excessos, alguns planos são consideravelmente menos restritivos que os outros, e muitos cirurgiões descobriram como trabalhar o sistema de modo a obter aprovação para suas operações. Existem várias razões para as cirurgias excessivas: a fascinação pela nova tecnologia, falha em seguir a evidência científica, o desejo por lucros, ou pressão dos pacientes que exigem os últimos tratamentos. Este artigo mostra onde você tem uma chance maior de enfrentar cirurgias desnecessárias -- e como evitá-las. 

Remoção da Catarata

Em 1993, a Agency for Health Care Policy and Research advertiu que muitas cirurgias para remoção da catarata, que é o embasamento das lentes [cristalino] do olho, não são necessárias. Nestes casos, o embasamento tinha provavelmente reduzido a acuidade visual, mas não o suficiente para incomodar o paciente. Apesar do aviso, o número de operações de catarata continuou a crescer -- um aumento que de longe supera o crescimento da população idosa. 

O indicador mais objetivo de que você pode se beneficiar com a cirurgia é ter uma catarata que reduz sua acuidade visual para 20/150 mesmo com óculos. Mas fatores subjetivos são mais importantes. Se a catarata não dificulta suas atividades diárias, você não precisa de cirurgia, independente daquilo que qualquer teste mostrar. 

Se você suspeita que tem catarata, pode querer evitar que sua avaliação inicial realizada por um oftalmologista cuja atividade profissional consiste principalmente de cirurgia de catarata - um profissional que trabalha em uma clínica especializada em catarata, por exemplo. Alguma evidência sugere que estes médicos realizam uma proporção maior de cirurgias de catarata em olhos minimamente danificados quando comparados com os outros oftalmologistas. 

Cirurgia Lombar

Entre 1983 e 1994, o número de operações para dor lombar cresceu de algo em torno de 190 mil para 335 mil por ano. Ainda que o crescimento tenha agora nivelado por baixo -- possivelmente em parte devido a advertência da Agency for Health Care Policy and Research -- muitas destas operações ainda são desnecessárias. 

A causa mais comum de dor lombar é um problema menor como o espasmo muscular, que quase sempre desaparece em um mês ou próximo a isso. A cirurgia ou qualquer outro exame ou tratamento além de exercícios leves ou analgésicos raramente são justificados no primeiro mês. Mesmo a dor causada por um disco herniado -- a causa mais comum de dor lombar persistente -- resolve por si mesma dentro de um ano em cerca de 60% dos casos. (A dor da estenose, estreitamento do canal raquidiano, tipicamente não se resolve, mas os pacientes freqüentemente aprendem a controlar ou a conviver com o desconforto.) Em geral, a cirurgia alivia a dor lombar entre 85 a 90% dos casos. Mas o alívio é algumas vezes temporário. E ao final de quatro anos, as pessoas simplesmente esperavam não sentir mais dor lombar, na média, comparadas com aquelas que não tinham se submetido à cirurgia. 

Em geral, considere a cirurgia para dor lombar somente nas seguintes circunstâncias: a dor tem persistido no mínimo por um mês; outros tratamentos, como fisioterapia e medicamentos, falharam; e imagens de ressonância magnética (MRI) mostram uma anormalidade na medula espinhal pressionando um nervo pertinente. 

Remoção da Vesícula Biliar

Há uma década atrás, os cirurgiões desenvolveram uma nova maneira para remover uma vesícula biliar que tinha desenvolvido cálculos (pedras) dolorosos. Esta técnica, chamada laparoscopia, utiliza instrumentos em miniatura e um tubo iluminado equipado com uma câmera de vídeo, todos inseridos através de pequenas incisões abdominais. A laparoscopia quase que substituiu completamente a cirurgia tradicional "aberta" da vesícula biliar, uma vez que a nova abordagem causa menos dor pós-operatória e permite uma recuperação mais rápida. Mas desde o advento da laparoscopia, o número de cirurgias de vesícula biliar cresceu em 40%. E um estudo com cerca de 54 mil cirurgias de vesícula biliar na Pensilvânia descobriu que o número de procedimentos realizados em pacientes com sintomas mínimos ou ausência de sintomas cresceu em mais de 50%. Aparentemente, as vantagens da nova técnica convenceu alguns médicos a tentarem prevenir ataques severos antes que eles ocorram. 

Cerca de 10% dos americanos têm cálculos na vesícula, e a maioria destas pessoas nunca desenvolvera sintomas significativos. Embora a laparoscopia seja em geral menos traumática que a abordagem antiga, ainda é uma cirurgia de grande porte com riscos potenciais maiores. Na verdade, lesão acidental do ducto biliar, que pode levar à lesão hepática permanente, ocorre entre 1 a 2% das laparoscopias -- três vezes mais freqüente que na cirurgia aberta. 

Evite a cirurgia da vesícula biliar a não ser que você tenha tido ao menos um ataque severo ou ataques dolorosos menos severos na parte superior direita do abdômen, ou se você desenvolver icterícia ou inflamação pancreática [pancreatite] -- e se os testes confirmarem que os cálculos são os verdadeiros culpados. A cirurgia não deveria ser realizada para tratar sintomas vagos como flatulência ou empachamentos, os quais muitas pessoas -- e alguns médicos -- erroneamente atribuem aos cálculos biliares. Se você realmente precisa de cirurgia, procure um cirurgião experiente que tenha realizado pelo menos 30 destas operações. 

Histerectomia

Uma em cada três mulheres tem seu útero removido. Alguns anos atrás, a RAND Corporation, um grupo de pesquisa sem fins lucrativos, encontrou justificativas questionáveis para pelo menos 25% daquelas histerectomias e nenhuma justificativa no todo para pelo menos 16%. Pouco mudou desde então. 

A histerectomia cria tecido cicatricial que pode eventualmente causar obstrução intestinal. A perda do útero -- e do colo uterino, que freqüentemente é removido também -- pode reduzir o prazer sexual. Além disso, os cirurgiões removem os ovários em aproximadamente metade de todas as histerectomias. Os ovários são a principal fonte do hormônio feminino estrogênio e do masculino androgênio das mulheres. Após a remoção dos ovários de uma mulher em pré-menopausa, a perda de estrogênio desencadeia sintomas prematuros de menopausa e claramente aumenta o risco de doença coronariana e osteoporose. Após a remoção dos ovários de qualquer mulher, a perda de androgênios pode contribuir com a redução do prazer sexual através da redução do desejo sexual. 

As condições que mais freqüentemente levam à histerectomia incluem fibroses ou tumores uterinos benignos; endometriose ou proliferação anormal do conteúdo uterino; prolapso uterino ou deslocamento do útero para baixo na vagina; e sangramento uterino disfuncional ou menstruação irregular ou profusa. Há tratamentos para cada uma destas condições que podem freqüentemente fazer com que a cirurgia seja desnecessária: terapia anti-estrogênio para a fibrose (ou simplesmente esperar pela menopausa, quando os níveis de estrogênio naturalmente diminuem), drogas para endometriose, inserção de um aparelho removível para o prolapso; e terapia hormonal ou eliminação do conteúdo uterino para o sangramento disfuncional. 

Se você realmente precisar de uma histerectomia, geralmente seus ovários  não deveriam ser  removidos a menos que você tenha câncer de ovário ou de colo uterino. (Entretanto, uma candidata à histerectomia cuja mãe ou irmã tiveram câncer de ovário pode desejar discutir a opção de remoção preventiva dos ovários com seu médico e possivelmente com um especialista em genética.) Além disso, descubra se você é candidata para uma histerectomia "supracervical" ou vaginal, a abordagem supracervical preserva o colo uterino e ambas abordagens são menos invasivas que o procedimento abdominal aberto tradicional.

Cesarianas

O tipo mais comum de cirurgia de grande porte é a cesariana abdominal, realizada em cerca de 20% dos nascimentos [nos EUA]. Número que caiu comparado com o índice de uma década atrás, mas ainda está bem acima dos estimados 12 a 14% que são medicamente justificados. 

A maioria das cesarianas são realizadas porque o trabalho de parto está progredindo muito lentamente. Mas várias abordagens menos invasivas -- medicamentos, ruptura deliberada das membranas que envolvem o feto, até mesmo massagens ou uma ducha morna -- podem ser suficientes para estimular o trabalho de parto. Os hospitais que adotam estes procedimentos cortaram pela metade suas taxas de cesarianas.

Os médicos realizam cesarianas em cerca de três quartos das mulheres que previamente foram submetidas ao procedimento. Mas 90% destas mulheres poderiam seguramente tentar um parto vaginal e 75% destas que tentassem obteriam sucesso. O restante simplesmente mudaria para a cesariana quando a tentativa vaginal falhasse. 

A monitoração eletrônica contínua do batimento cardíaco fetal, usada em aproximadamente três quartos de todos os nascimentos, é na verdade parte do problema. Triplica as chances de que uma cesariana seja realizada, por captar sinais preocupantes que são freqüentemente normais. A monitoração contínua não traz mais vantagens na proteção da criança do que a monitoração eletrônica intermitente ou mesmo a antiga monitoração pelo estetoscópio. 

Para evitar uma cesariana desnecessária, descubra qual a porcentagem dos nascimentos normais, ou dos nascimentos que resultam em cesariana, que seu obstetra faz cesarianas. Em geral, procure por taxas abaixo dos 15% para primeiros partos, 25% para partos repetidos. (Entretanto, estes números podem ser maiores se o obstetra trata muitas pacientes de alto-risco.) Pergunte a respeito da tendência do  médico em tentar procedimentos não cirúrgicos primeiro. E considere dar a luz em um hospital com uma enfermeira-obstetra. A enfermeira tem acesso a um obstetra, que pode realizar uma cesariana, se necessário. Porém o manejo de partos por enfermeiras-obstetras são de longe menos prováveis de exigirem a cirurgia que aqueles manejados por um obstetra e os resultados da enfermeira especializada em partos são tipicamente tão bons quanto aos dos obstetras.

Note que muitos obstetras rotineiramente também realizam episiotomia -- corte da pele e músculos na e ao redor da parede inferior da vagina -- para facilitar o parto e prevenir rupturas musculares ou cutâneas. Mas que na verdade causa mais rupturas graves do que previne. Então deixe seu obstetra saber que você querer evitar a episiotomia a menos que seja essencial para acelerar o parto. 

Cirurgia para Apnéia do Sono

O ronco é normalmente causado por uma obstrução intermitente na parte de trás da garganta. Nos  casos graves, chamados de apnéia do sono, o fluxo de ar ao pulmões é completamente bloqueado por mais de 90 segundos a cada vez. A privação de oxigênio resultante aumenta o risco de hipertensão, doença coronariana e derrame. 

Alguns de cirurgiões da garganta e mesmo dentistas utilizam uma nova técnica à laser para queimar o tecido que está obstruindo nos pacientes com uma possível apnéia do sono. Mas a grande maioria dos pacientes com apnéia podem ser auxiliados por atitudes como de tentar não dormir de barriga pra cima, ou usar uma máscara de ar comprimido à noite. Se isto não funcionar, a cirurgia convencional -- incluindo a remoção do tecido e possivelmente realinhamento da mandíbula -- pode aumentar a entrada de ar e aliviar a apnéia. Mas ao passo que a cirurgia a laser pode reduzir o ronco, não melhora significativamente a entrada do fluxo aéreo ou a apnéia. 

Se você está preocupado a respeito de uma possível apnéia, consulte um especialista em sono. Você receberá um diagnóstico definitivo e geralmente não será pressionado a se submeter a uma cirurgia a laser para o problema. (Mais informações sobre a apnéia do sono, veja a edição de maio de 1997 da Consumer Reports on Health.)

Cirurgia para Dor na Mandíbula

Milhões de pessoas sofrem de dores musculares ou articulares na mandíbula, freqüentemente causadas por tensão muscular, apertar ou ranger os dentes, ou mastigação muito forte. Alguns dentistas prematuramente prescrevem tratamentos caros e agressivos para realinhar os dentes ou a mandíbula, incluindo aparelhos de correção, capas e coroas dentárias, deliberadamente ranger os dentes e cirurgia de mandíbula. 

Mas estes procedimentos, particularmente a cirurgia, raramente são necessários e freqüentemente ineficazes; eles deveriam estar reservados aos casos intratáveis onde há um evidente problema estrutural ou mecânico. Ao invés, o tratamento para dor de mandíbula deveria normalmente envolver alguma ou todas das seguintes estratégias: drogas analgésicas, bolsas de gelo ou de água quente, fisioterapia, técnicas de exercícios e de relaxamento (para os casos de estresse), métodos de modificação do comportamento e uma chapa de plástico para morder à noite. 

Resumo

Em geral, evite cirurgias a menos que o problema ameace sua saúde ou interrompa suas atividades, outros tratamentos falharam, outras causas foram descartadas, os exames mostram que a cirurgia poderia ajudar e se há pouca esperança de melhora espontânea. E tenha uma segunda opinião se você tiver a menor das dúvidas sobre a necessidade do procedimento. 

Antes de se submeter a qualquer cirurgia, faça as seguintes perguntas ao seu médico ou ao cirurgião:

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*Copyright 1998 para Consumers Union of U.S., Inc., Yonkers, N.Y. 10703 -EUA. Publicado com permissão do CONSUMER REPORTS ON HEALTH, março de 1998. Fazer o download, copiar, extrair trechos, redistribuir ou retransmitir é proibido sem a permissão por escrito do editor. Para assinar, ligue para 1-800-234-1645. (nos EUA)

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