Quackwatch em português ||| Mensagem Especial para os Pacientes com Câncer

Há uma Conspiração para Ocultar Curas do Câncer?

Steven Novella, M.D.
Stephen Barrett, M.D.

Os charlatães tipicamente acusam que a profissão médica, companhias farmacêuticas, a indústria alimentar, agências do governo, e/ou outros "interesses enrustidos" estão conspirando contra curas "naturais" do câncer. Nenhuma conspiração assim jamais foi revelada. Embora muitos pacientes -- especialmente aqueles cuja medicina padrão não pode curar -- adotam a noção de que um bando pequeno mas dedicado de rebeldes está desafiando o establishment médico tornando disponíveis curas naturais. E pacientes desesperados podem achar mais confortável acreditar que curas estão sendo ocultas do que sentir que sua situação é irremediável.

A acusação de conspiração tem dois cenários comuns. Em um, a oposição é baseada no medo da competição. No outro, uma cura descoberta dentro do establishment é impedida de ser anunciada. Nenhuma dessas situações faz sentido.

O establishment médico não é uma entidade única. A indústria da assistência à saúde inclui médicos, enfermeiros, outros profissionais da saúde, companhias de seguro, organizações privadas de consumidores, universidades, agências do governo (como o FDA), hospitais, HMOs, outras organizações de managed-care, organizações profissionais (como a AMA), companhias farmacêuticas, e outras corporações privadas. Estes grupos podem ter interesse rivais; e, dentro de cada grupo, membros individuais também podem ter interesses rivais, e muitos não têm nenhuma participação financeira na atenção ao paciente. Alguns médicos privados são pagos por cada paciente que consultam, mas outros não. A maioria que trabalha para os HMOs ou outras organizações de managed-care ou são assalariados ou recebem uma quantia fixa mensalmente por paciente não por serviço. Aqueles que possuem uma carreira acadêmica podem ser salariados e/ou obter dinheiro de subsídios de pesquisa. Para médicos com renda fixa, mais pacientes significa mais trabalho, mas não mais dinheiro. Alguns médicos dedicam sua carreira à saúde pública e não consultam pacientes. E se um dispendioso tratamento do câncer pudesse ser substituído por algo bem menos custoso, as companhias de seguro o adotariam.

Os profissionais médicos que mais provavelmente saberiam a respeito de uma nova cura para o câncer seriam aqueles da medicina acadêmica e de pesquisa. Novos tratamentos em potencial são normalmente descobertos por cientistas da área básica que fazem pesquisa laboratorial sobre os  mecanismos de base de doenças. Seus achados então sugerem possíveis estratégias de tratamento para estas doenças. Indústrias farmacêuticas ou institutos de pesquisa como o National Institutes of Health (NIH) ou o National Cancer Institute (NCI), então financiam pesquisas clínicas para ver se o novo tratamento em potencial funciona -- primeiro em animais e então em humanos. O árbitro final destes novos tratamentos é o Food and Drug Administration (FDA), que decide se novos tratamentos são seguros e eficazes para propósitos pretendidos. A maioria dos tratamentos do câncer são administrados por cirurgiões, radiologistas, e oncologistas (especialistas em câncer) que administram a quimioterapia. A maioria dos médicos não trata pacientes com câncer.

E quanto aos cientistas que descobrem novos tratamentos? Se eles conseguem demonstrar eficácia, publicar seus dados os trará fama e fortuna. Os benefícios podem incluir financiamento de pesquisa, promoção acadêmica, melhorarias nas instalações de pesquisa, convites para palestrar, honrarias, prêmios e outras oportunidades de carreira. Mesmo cientistas que são egoístas e orgulhos teriam muito a ganhar tornando sua informação pública -- e também as instituições em que eles trabalham.

E quanto as indústrias farmacêuticas? Elas simplesmente não abandonarão uma droga nova que ameace suas drogas atuais? Este cenário também é artificial. As indústrias farmacêuticas estão continuamente procurando por novas drogas, porque as drogas atuais possuem patentes que irão expirar. Ainda, qualquer empresa que possa comercializar uma nova droga que é eficaz contra o câncer irá faturar bilhões de dólares adiante, mesmo se as drogas atuais tornarem-se obsoletas. Alguns teóricos da conspiração alegam que indústrias farmacêuticas ignoram substâncias "naturais" que não podem ser patenteadas e que por isso não podem dar lucros. Entretanto, se for descoberto que uma substância natural é útil, as indústrias farmacêuticas podem desenvolver substâncias químicas relacionadas que são mais eficaz.

Mesmo se um executivo sem visão de uma indústria farmacêutica decida ocultar um droga nova porque é eficaz demais, os cientistas envolvidos podem ainda ir a público com a informação, para o bem geral senão por outra razão. Entre as dezenas de pessoas que tem conhecimento interno, é provável que alguém tenha consciência. A necessidade de apoio da indústria farmacêutica podia ser eliminada obtendo-se um financiamento do National Cancer Institute. Ainda, se o tratamento realmente funcionar, outros pesquisadores eventualmente seriam capazes de demonstrar ao mundo que o tratamento realmente cura o câncer. Isso jamais foi feito para qualquer suposta cura "oculta" do câncer.

Teóricos da conspiração têm alegado que se um substituto simples e barato para os tratamentos de hoje fosse encontrado amanhã, todas as escolas médicas dos EUA ficariam a beira da falência, porque o tratamento do câncer é uma parte muito importante de sua renda. Esta afirmação tem diversas falhas:

Devido a medicina padrão ser baseada largamente na ciência e evidência, a prática médica está constantemente mudando. Novos tratamentos, procedimentos, e linhas de pesquisa são criados conforme nosso conhecimento se expande. Cada vez que um novo tratamento é descoberto, um tratamento mais antigo torna-se obsoleto, ou no mínimo menos importante. O progresso fortalece a indústria da assistência à saúde e não é uma ameaça a ela. Meio século atrás, a tuberculose (TB) era disseminada e incurável, hospitais inteiros eram dedicados aos cuidados de casos crônicos. Após a disponibilização dos antibióticos, os hospitais de TB ficaram vazios e os especialistas em TB raramente eram necessários. Os novos tratamentos para a TB não foram ocultos por causa do impacto que teriam. Ao invés, os hospitais foram convertidos para outros usos e os especialistas mudaram sua área de atuação.

Lembre-se, também, que médicos, cientistas das áreas básicas, e mesmo executivos de indústrias farmacêuticas são pessoas, com família e entes queridos. É provável que muitos dos supostos conspiradores sejam afetados pelo câncer -- ou eles mesmos ou seus familiares e amigos. É difícil imaginar que alguém pudesse ser tão ambicioso e sem visão para condenar seus entes queridos -- e mesmo eles próprios -- em uma morte prematura por câncer, não importa qual seja o ganho possível.

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Dr. Novella, membro do comitê de conselheiros do Quackwatch, é professor assistente de neurologia da Escola de Medicina da Universidade de Yale e presidente da The New England Skeptical Society.

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Este artigo foi publicado em 25 de julho de 2001.

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