Quackwatch em português

O Poder da Coincidência:
Alguns Comentários sobre Previsões "Psíquicas"

Robert Novella

Coincidências ocorrem na vida de todo mundo. Algumas são triviais, como receber um flush no pôquer, mas outras realmente chamam nossa atenção, como pensar em um amigo que não vemos há anos e recebermos um telefonema dele um pouco depois. O que esses eventos têm em comum é nosso desejo intenso em explicá-los, uma crença de que há uma razão especial para as coisas acontecerem da maneira que elas acontecem. Essas explicações podem variar de um pé de coelho da sorte até uma ligação psíquica com um amigo. O que a maior parte das pessoas não sabem ou não querem acreditar é que coincidências, mesmos as notáveis, não são assim tão surpreendentes. Na verdade a maioria são ocorrências inevitáveis sem nenhum significado especial.

Existem muitas razões simples pelas quais a maioria das pessoas interpreta erroneamente as coincidências:

Probabilidade não era uma disciplina muito popular quando fui para a faculdade. Isto é lamentável, porque compreender probabilidade pode dar o poder para apreciar mais grandiosamente o significado, ou a falta de significado, de muitos eventos do dia a dia. Uma compreensão precária de probabilidade e estatística, comum em nossa sociedade, leva as pessoas a se surpreenderem mais do que deveriam quando confrontadas com coincidências, por conseguinte um salto fácil em direção a uma explicação metafísica.

Por exemplo, quais são as chances de duas pessoas terem o mesmo dia de aniversário em uma sala com vinte e três pessoas? Muitas pessoas com quem tenho conversado dizem que deve ser uma em trinta ou mais. Surpreendentemente para a maioria das pessoas, é de somente uma em duas [1]. Desconhecer esse tipo de coisa tem levado muitas pessoas a concluírem que uma vez que suas experiências parecem tão improváveis, talvez elas compartilhem alguma ligação especial ou que uma força sobrenatural as uniu.

O verdadeiro significado de coincidências bizarras pode ser compreendido mais plenamente com o que é chamado de a lei dos números verdadeiramente grandes. Esta lei da estatística amplamente aceita declara que com uma amostra grande o suficiente, mesmo um evento extremamente improvável torna-se provável, e portanto qualquer coisa ultrajante está fadada a acontecer. Um exemplo notável disto ocorreu há alguns anos atrás quando uma mulher de Nova Jersey ganhou duas loterias no prazo de quatro meses. Os jornais anunciaram amplamente que é era uma coincidência de um em dezessete trilhões [2]. Tecnicamente falando, isto é correto; mas é enganador porque é baseado em uma perspectiva muito estreita. A chance de uma pessoa em particular ganhar duas loterias após comprar dois bilhetes é realmente uma em trilhões, mas a probabilidade de alguém ganhar entre os milhões que jogam é de apenas uma em trinta. Essa é a essência da lei dos números verdadeiramente grandes. Quando um número suficiente de pessoas está envolvido, ocorrências "incomuns" tornam-se altamente prováveis. Essa perspectiva dissipa o manto de mistério e coloca o foco no lugar correto, na ciência.

A memória humana não é como um gravador, gravando fielmente todas as experiências. As experiências dramáticas tendem a ser recordadas mais do que outras. Isto leva a um fenômeno chamado validação subjetiva, mais comumente conhecido como memória seletiva. Deste modo é natural lembrar-se de experiências incomuns, mesmo vítimas do Alzheimer com déficits significativos de memória de curto prazo podem relembrar mais facilmente eventos recentes que foram extraordinários. Voltando ao nosso amigo que ligou logo após você pensar nele, esse evento se torna muito menos notável se considerarmos quantas vezes pensamos em amigos que não nos ligaram em seguida.

Um truque comum usado por médiuns (freqüentemente chamado de efeito Jeanne Dixon) é fazer dezenas de previsões sabendo que quanto mais fizer, maiores são as chances de que acerte uma. Quando uma se torna real, o médium conta com que convenientemente esqueçamos os 99% que passaram longe. Isto faz com que as previsões corretas pareçam muito mais devastadoras do que realmente são. Isso é uma forma consciente ou deliberada de validação subjetiva, ou, colocado de uma maneira mais simples, fraude.

Nossas habilidades de detecção de coincidências têm sido finamente afiadas através das eras pela evolução e seleção natural. Ser capaz de identificar correlações significativas entre eventos proporcionaria uma importante vantagem de sobrevivência aos nossos ancestrais que seriam então selecionados através das gerações. Podemos especular, desse modo, que o homem é programado para procurar padrões e conexões por toda parte. A cultura moderna, entretanto, com sua miríade de conexões entre eventos e pessoas, ativa essas capacidades toda vez, levando-nos continuamente a sugerir explicações e invocar forças estranhas -- tais como poderes psíquicos -- que não existem.

Não quero dizer com isto que todas coincidências são sem sentido e deveriam ser ignoradas. De fato, eventos verdadeiramente improváveis podem ter algum significado nas entrelinhas e a busca por suas causas seria um esforço louvável. Entretanto, a vasta maioria das que vivenciamos vem a ser muito mais provável do que parece, se analisada criticamente. Quando isto é levado em conta, junto com nossa propensão em validação seletiva, nosso desejo em acreditar em algo ligado ao destino, e nosso "hardware" de detecção de coincidência, o verdadeiro poder ilusório da coincidência é percebido.

Referências:

  1. Paulos JA. Coincidences. Skeptical Inquirer 15:382-385, 1991.
  2. Kolata G. 1-in-a-trillion coincidence, you say? Not really, experts find. The New York Times/Science Times, Feb 27, 1990.

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Sr. Novella, que reside em Danbury, Connecticut, dirige uma empresa de desenvolvimento de software. Este artigo foi adaptado da carta do outono de 1996 da New England Skeptical Society.


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Este artigo foi publicado no site original em 31 de agosto de 2000.

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