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Algumas Notas sobre A Natureza da Ciência

Joe Schwartz, Ph.D.
Stephen Barrett, M.D.

O método científico oferece uma maneira objetiva de avaliar informações para determinar o que é falso. O falecido astrônomo Carl Sagan, Ph.D., salientava que "A ciência é uma maneira de pensar muito mais que um corpo de fatos." [1] 

Um livro de 1998 da National Academy of Sciences contêm um capítulo soberbo que distingui entre fatos e teorias e entre crenças científicas e fé [2]. Apesar do assunto principal do livro ser a evolução, suas explicações são igualmente aplicáveis a assuntos ligados a saúde. O livro declara:

Em termos científicos, "teoria" não significa "suposição" ou "palpite" como em seu uso diário. Teorias científicas são explicações de fenômenos naturais construídas logicamente a partir de observações e hipóteses testáveis  ...

Os cientistas muito freqüentemente usam a palavra "fato" para descrever uma observação. Mas os cientistas podem também usar "fato" no sentido que algo tenha sido testado ou observado por tantas vezes que não existe mais nenhuma razão forte para continuar testando ou procurando por exemplos. . . . 

Normalmente "fé" se refere à crenças que são aceitas sem evidência empírica [observada]. A maioria dos religiosos têm dogmas de fé. A ciência difere da religião porque é da natureza da ciência testar e testar novamente as explicações a respeito do mundo natural. Desse modo, é provável que as explicações científicas sejam construídas e modificadas com novas informações e novas maneiras de olhar para as antigas informações. Isto é completamente diferente da maioria das crenças religiosas. 

Portanto, "crença" não é realmente um termo apropriado para ser utilizado na ciência, porque testar é uma parte muito importante desse modo de conhecimento. Se existe um componente de fé na ciência, é a suposição de que o universo opera de acordo com regularidades. . . . Esta "fé" é muito diferente da fé religiosa.

As seguintes idéias podem ajudá-lo a avaliar informações que encontrar sobre ciência e saúde. 

  1. A ciência é processo de busca da verdade. Não é uma coleção de "verdades" incontestáveis. É, todavia, uma disciplina auto-corretiva. Tais correções podem levar um longo tempo -- a prática médica das sangrias foi realizada por séculos antes que sua futilidade fosse percebida -- mas conforme o conhecimento científico se acumula, a chance de cometer erros substanciais diminui.
  2. A certeza é impalpável na ciência, e é freqüentemente difícil dar respostas "Sim" ou "Não" categóricas para questões científicas. Para determinar se a água engarrafada é preferível à água de torneira, por exemplo, alguém teria que desenvolver um estudo a longo prazo de dois grupos grandes de pessoas cujos estilos de vida fossem similares em todos os aspectos exceto pelo tipo de água que consumem. Isto é virtualmente impossível. Temos desse modo que contar com evidências menos diretas para formular muitas de nossas conclusões. 
  3. Pode não ser possível prever todas as conseqüências de uma ação, não importa quantas pesquisas avançadas tenham sido feitas. Quando os clorofluorcarbonos (CFCs) foram introduzidos como refrigeradores, ninguém podia prever que 30 anos mais tarde teríamos um impacto sobre a camada de ozônio. Se algo indesejável acontece, não é necessariamente porque alguém tenha sido negligente.
  4. Qualquer descoberta nova deveria ser examinada com ceticismo. Ceticismo saudável não significa relutância em acreditar. Os céticos baseiam suas crenças na prova científica e não engolem informações de maneira acrítica.
  5. Nenhuma mudança grande no estilo de vida deveria ser baseada em qualquer estudo isolado. Os resultados devem ser confirmados independentemente por outros. Tenha em mente que a ciência não avança por "rupturas milagrosas" ou "saltos gigantescos". Caminha com dificuldade, tomando muitos passos pequenos, lentamente construídos através de um consenso.
  6. Os estudos têm que ser cuidadosamente interpretados por especialistas na área. Toda associação de duas variáveis não implica necessariamente em causa e efeito. Como um exemplo extremo, considere a forte associação entre câncer de mama e o uso de saia. Obviamente, usar saia não causa a doença. Cientistas, entretanto, algumas vezes mostram uma atitude surpreendente por aparecerem com racionalizações inapropriadas para suas teorias de estimação.
  7. Repetir uma noção falsa não a torna verdadeira. Muitas pessoas estão convencidas que o açúcar causa hiperatividade em crianças -- não porque tenham examinado estudos deste efeito mas porque elas têm ouvido a respeito disso. Na verdade, uma série de estudos tem demonstrado que, se houver algo, o açúcar tem um efeito calmante sobre as crianças.
  8. Um jargão absurdo pode soar muito científico. Um anúncio de um tipo de algas declara que "a estrutura molecular da clorofila é quase a mesma que a da hemoglobina, a qual é responsável pelo transporte de oxigênio por todo o corpo. O oxigênio é o nutriente fundamental e a clorofila é a molécula central para aumentar a disponibilidade de oxigênio para seu sistema." Isto é um absurdo. A clorofila não transporta oxigênio no sangue. 
  9. Há freqüentemente oposição legítima de pontos de vista no assuntos científicos. Mas é incorreto concluir que a ciência não pode ser verdadeira porque para cada estudo há um estudo igual e contrário. Sempre é importante levar em conta quem conduziu um dado estudo, se foi bem planejado e conduzido, e se alguém o apóia para lucrar financeiramente com os resultados. Seja cauteloso sobre quem é o "eles" em "eles dizem que . . . ." Em muitos casos, o que eles dizem são apenas boatos, relatados sem precisão.
  10. Estudos com animais não são necessariamente relevantes para humanos, ainda que possam proporcionar muitas informações valiosas. A penicilina, por exemplo, é segura para humanos mas tóxica para porquinhos da índia. Ratos não precisam de vitamina C como nutriente dietético mas humanos sim. Alimentar animais com altas doses de uma toxina suspeita para testá-los por curtos períodos de tempo pode não refletir com precisão o efeito em humanos expostos a diminutas doses por um longo período de tempo.
  11. Se uma substância é um veneno ou um remédio depende da dosagem. Não faz sentido falar sobre os efeitos de certas substâncias no corpo sem falar nas quantidades. Lamber uma aspirina não fará nada com uma dor de cabeça, mas tomar dois comprimidos fará com que a dor de cabeça vá embora. Engolir um frasco inteiro de comprimidos fará o paciente ir embora. 
  12. "Química" não é uma palavra indecente. Substâncias químicas são os blocos de construção de nosso mundo. Não são boas nem más. A nitroglicerina pode aliviar a dor da angina ou derrubar um prédio. A escolha é nossa. Além disso, não há nenhuma relação entre o risco apresentado por uma substância e a complexidade de seu nome. "Monóxido de dihidrogênio" é apenas água.
  13. A natureza não é benigna. As toxinas mais mortalmente conhecidas, como a ricina da mamona ou botulina da bactéria Clostridium botulinum, são completamente naturais. "Natural" não é igual a "seguro", e "sintético" não é igual a "perigoso". As propriedades de qualquer substância são determinadas por sua estrutura molecular, não importa se foi sintetizada por um químico em um laboratório ou pela natureza em uma planta.
  14. Os riscos percebidos são freqüentemente diferentes dos riscos reais. Alimentos intoxicados por contaminação microbiana são um risco muito maior à saúde que traços de óleos residuais de pesticidas em frutas e vegetais.
  15. O corpo humano é incrivelmente complexo. Nossa saúde é determinada por muitas variáveis, as quais incluem genética, nossa dieta, a dieta de nossa mãe durante a gravidez, estresse, nível de exercícios, exposição a micróbios, exposição a perigos ocupacionais, e pura sorte.
  16. Embora a dieta claramente desempenhe um papel na promoção da boa saúde, a eficácia de alimentos ou nutrientes específicos no tratamento de doenças é normalmente exagerado. Alimentos individuais não são bons ou ruins, ainda que a dieta global possa ser descrita como tal. Quanto maior a variedade dos alimentos consumidos, menor a chance de que falte nutrientes importantes. Há concordância universal entre os cientistas que um alto consumo de frutas e vegetais é benéfico.
  17. Cerca de 80% das doenças são auto-limitadas e irão se resolver em resposta a quase qualquer tipo de tratamento. Freqüentemente, um remédio receberá o crédito indevido. Evidência anedótica não é confiável, porque resultados positivos têm uma chance muito maior de serem relatados que os negativos.
  18. Não há nenhuma galinha dos ovos de ouro. Em outras palavras, se algo soa bom demais para ser verdade, provavelmente é. Como H.L. Mencken uma vez disse, "Todo problema complexo tem uma solução que é simples, direta, plausível e errada."

Referências

  1. Sagan C. The fine art of baloney detection. Parade Magazine, p 12­13, Feb 1, 1987.
  2. National Academy of Sciences Working Group on Teaching Evolution. Teaching about Evolution and the Nature of Science. Washington, DC: National Academy Press, 1998.
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Dr. Schwarcz é diretor do Departamento de Química e Sociedade da McGill University. Além de lecionar química na McGrill, apresenta um programa semanal com participação por telefone dos ouvintes sobre química na estação de rádio CJAD de Montreal, Canadá, escreve uma coluna semanal chamada "A Química Certa" na Montreal Gazette, e tem um programa regular de TV intitulado "Joe's Chemistry Set" no Discovery Channel canadense. A lista acima de 18 dicas foi adaptada de uma seção de seu livro Radar, Hula Hoops and Playful Pigs, uma coleção de comentários sobre a fascinante química da vida diária. 

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Este artigo foi revista em 30 de junho de 2001.

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