Quackwatch em português ||| Mensagem Especial para Pacientes com Câncer

Altas Doses de Vitamina C Não São
Eficazes como Tratamento para o Câncer

Stephen Barrett, M.D.

A alegação de que a vitamina C é útil no tratamento do câncer é largamente atribuída a Linus Pauling, Ph.D. Em 1976 e 1978, ele e um cirurgião escocês, Ewan Cameron, M.B., Ch.B., relataram que os pacientes tratados com altas doses de vitamina C tinham sobrevivido de três a quatro vezes mais que os pacientes similares que não receberam suplementos de vitamina C. O estudo foi conduzido durante o início dos anos 70 no Vale of Leven Hospital em Loch Lomonside, Escócia. O dr. Cameron tratou 100 pacientes com câncer avançado com 10.000 mg de vitamina C por dia. O curso clínico destes pacientes foi então comparado com o de 1.000 pacientes de outros médicos cujos registros foram obtidos do mesmo hospital, mas que não tinham recebido nenhuma vitamina C. Os achados foram publicados em 1976, com Pauling como co-autor, no Proceeding da National Academy of Sciences [1].

O trabalho de 1976 enfatizou que todos os pacientes tinham sido "tratados inicialmente de uma maneira perfeitamente convencional, através da cirurgia, uso de radioterapia e administração de hormônios ou substâncias citotóxicas". Foi relatado que os pacientes que receberam a vitamina C tiveram um tempo médio de sobrevida de 300 dias a mais que o grupo controle. Além disso, foi dito que os pacientes do grupo da vitamina C mostraram uma melhora na qualidade de vida. Em resposta às dúvidas em relação a validade, confiabilidade e qualidade da população controle, Cameron e Pauling substituíram alguns dos pacientes e controles e publicaram outra análise em setembro de 1978 na mesma revista [2]. Em 1979, dois pesquisadores japoneses afiliados ao Linus Pauling Institute alegaram resultados similares em dois estudos totalizando 130 pacientes com câncer tratados durante a década de 1970 [3].

Desenho Falho

O estudo de Pauling/Cameron não foi um ensaio clínico no qual os pacientes são comparados com pacientes cuidadosamente emparelhados escolhidos aleatoriamente e seguidos usando um protocolo padrão. Ao contrário, Pauling e Cameron tentaram reconstruir o que aconteceu ao grupo controle examinando seus registros médicos. A maioria dos especialistas em câncer e editores de periódicos são extremamente relutantes em aceitar este tipo de estudo para avaliar a validade da terapia do câncer contemporânea, principalmente porque pode ocorrer viés em controles selecionados.

Em 1982, William D. DeWys, M.D., chefe da divisão de investigações clínicas do programa de terapia do câncer do National Cancer Institute, apontou que os grupos vitamina C e controle não foram apropriadamente emparelhados [4]. Primeiro ele observou que não foi publicado nenhum dado demonstrando que os pacientes tinham sido emparelhados pelo estágio da doença, capacidade funcional, perda de peso, e sítios metastáticos, tudo isto é importante para julgar o estágio da doença. Então ele salientou que os pacientes de Cameron começaram a receber a vitamina C quando Cameron os julgou "intratáveis" e sua sobrevida subseqüente foi comparada a dos pacientes controle a partir da época que eles tinham sido considerados "intratáveis".

DeWys ponderou que se os dois grupos fossem comparáveis, o tempo médio do diagnóstico inicial até o status "intratável" deveria ser similar para ambos os grupos. Mas não foi. Ele concluiu que muitos dos pacientes de Cameron tinham sido considerados intratáveis mais precocemente no curso da doença e deste modo seria esperado que vivessem mais. DeWys também notou que mais de 20% dos pacientes no grupo controle tinham morrido alguns dias após serem rotulados intratáveis, ao passo que nenhum dos pacientes de Cameron tinham morrido. Isso, também, sugere que os pacientes de Cameron tinham tido uma doença menos avançada quando foram rotulados intratáveis.

No estudo japonês, os grupos tratamento e controle foram tratados com várias doses e em épocas diferentes, o que torna as conclusões ainda mais questionáveis [5].

Estudo n°1 da Clínica Mayo

Em 1978, a Clínica Mayo se envolveu num estudo duplo-cego, controlado, prospectivo desenhado para testar as alegações de Pauling e Cameron. Cada paciente neste estudo tinha câncer comprovado pela biópsia que foi considerado incurável e inadequado para quimioterapia, cirurgia ou radiação posteriores. Os pacientes foram randomizados para receber 10 gramas de vitamina C por dia ou um placebo de lactose aromatizado de maneira comparável. Todos os pacientes tomaram uma cápsula revestida de glicerina quatro vezes por dia. 

Os pacientes foram cuidadosamente selecionados de modo que os grupos placebo e vitamina C fossem igualmente emparelhados. Havia 60 pacientes no grupo vitamina C e 63 no grupo placebo. As distribuições de idade foram similares. Havia um pequeno predomínio de homens, mas a taxa de homens para mulheres foi virtualmente idêntica. O status de desempenho foi medido usando a escala do Eastern Cooperative Oncology Group, uma escala clínica bem reconhecida pelos pesquisadores de câncer. A maioria dos pacientes no estudo tinha alguma deficiência por causa de sua doença, mas somente uma pequena proporção estava acamada. A maioria dos pacientes tinha câncer avançado de pulmão ou gastrointestinal. Quase todos tinham passado pela quimioterapia, e uma proporção menor tinha se submetido a radioterapia. 

Os resultados foram dignos de nota. Cerca de 25% dos pacientes em ambos os grupos mostrou alguma melhora no apetite. Quarenta e dois porcento dos pacientes no placebo sozinho experimentaram uma intensificação do seu nível de atividade. Cerca de 40% dos pacientes experimentaram náuseas leves e vômitos, porém os dois grupos não tiveram nenhum diferença estatisticamente significativa no número de episódios. Não houve nenhum diferença de sobrevida entre os pacientes que receberam vitamina C e aqueles que receberam o placebo. O tempo médio de sobrevida foi de aproximadamente sete semanas a partir do início da terapia. O paciente que sobreviveu por mais tempo neste estudo recebeu o placebo. No geral, o estudo não mostrou nenhum benefício da vitamina C [6].

Após o estudo ter sido publicado, Pauling queixou-se numa carta para o editor que a maioria dos pacientes tinha passado por uma extensa quimioterapia anterior e estavam deste modo imunologicamente comprometidos -- então nenhum benefício provindo da vitamina C na população dos pacientes deveria ser esperado [7]. Em resposta, os pesquisadores da Mayo salientaram que os próprios relatos de Pauling tinham dito que todos os seus pacientes tinham sido submetidos à terapia "perfeitamente convencional" [8]. Mas Pauling afirmou que somente 4 dos 100 pacientes de Cameron tinham passado antes pela quimioterapia [7]. Curiosamente, num encontro em fevereiro de 1985 na University of Arizona, Pauling declarou que a terapia com vitamina C podia ser usada em conjunto com todas as formas convencionais de tratamento [9].

Um estudo de 1975 na Clínica Mayo tinha demonstrado que os pacientes com câncer avançado podem elevar uma resposta imunológica. O estudo envolveu quarenta pacientes que tinham passado pela quimioterapia devido a um tumor maligno gastrointestinal. Muitos destes pacientes tinham resposta imune à vacina BCG, indicando que as pessoas com câncer avançado não estão uniformemente ou inevitavelmente imunologicamente comprometidas [10]. Todavia, os pesquisadores da Mayo decidiram retestar a vitamina C.

Estudo n°2 da Clínica Mayo

Os pacientes no segundo estudo de vitamina C e câncer da Mayo tinham histologia comprovada de adenocarcinoma colorretal que era considerado incurável. Eles eram pacientes ambulatoriais e não tinham passado pela quimioterapia. A maioria não tinha nenhum sintoma. Os pacientes foram cuidadosamente classificados de acordo com o intervalo entre o diagnóstico de doença inoperável e a entrada no estudo, os sítios metastáticos, e se havia uma área mensurável do tumor. Um total de 51 pacientes foram aleatoriamente selecionados para o grupo da vitamina C e 49 pacientes foram designados para receber um placebo de lactose (açúcar do leite).

Não houve nenhuma regressão objetiva tanto no grupo placebo como no grupo da vitamina C para os 19 pacientes em cada grupo que tinham tumores mensuráveis. Entre os pacientes que tinham sintomas quando o estudo começou, 7 (64%) dos 11 pacientes do grupo da vitamina C e 11 (65%) dos 17 pacientes do grupo placebo alegaram algum grau de alívio sintomático. Para assegurar que os pacientes estavam seguindo o protocolo experimental, amostras de urina de cinco pacientes selecionados aleatoriamente do grupo tratamento e seis pacientes do grupo controle foram analisadas para determinar o teor de vitamina C. Os pacientes do grupo vitamina C tinham níveis significativos, enquanto cinco dos seis pacientes do grupo placebo tinham níveis urinários insignificantes de vitamina C. (O outro paciente estava tomando medicamentos que tornava impossível interpretar o teste).

A sobrevida média para todos os pacientes foi de aproximadamente 10-11 meses, enquanto que da entrada no estudo até a "progressão" ser declarada foi de cerca de quatro meses. (A progressão foi declarada se um tumor aumentou significativamente de tamanho, novas metástases ocorreram, sintomas ou desempenho pioraram substancialmente, ou se peso diminuiu 10% ou mais). Nenhuma diferença significativa foi encontrada entre os pacientes no grupo da vitamina C e aqueles no grupo placebo. Assim, não houve nenhum benefício aparente provindo do tratamento com altas doses de vitamina C [11].

Estudo n°3 da Mayo

Após a publicação destes resultados, alguns comentaristas sugeriram que os pacientes do estudo podem não ter sido representativos dos pacientes com câncer como um todo -- que talvez houve uma seleção sutil ou viés de referência que pode ter enviesado os resultados. Então um terceiro estudo estratificado, randomizado, prospectivo foi conduzido sob o patrocínio do North Central Cancer Treatment Group, um grupo de oncologia colaborativo, multi-institucional, internacional. Baseado principalmente na Divisão de Oncologia da Clínica Mayo, o grupo também teve o auxílio de especialistas em câncer da comunidade de Upper Midwest, Louisiana, Montana, Pensilvânia e Saskatchewan, Canadá.

Este estudo incluiu 71 pacientes no grupo da vitamina C e 73 pacientes no grupo placebo. Os pacientes foram cuidadosamente emparelhados pela idade e gênero. Notas de desempenho indicou que a maioria deles tinha algum grau de deficiência por causa do câncer avançado. Os sítios primários dos cânceres eram virtualmente idênticos àqueles do estudo original -- principalmente câncer de pulmão e colorretal -- e a distribuição entre os grupos tratamento não mostrou nenhuma diferença significativa de diagnóstico ou sítio. Todos tinham câncer avançado que tinha progredido após o tratamento padrão. 

A maioria dos pacientes tinha passado antes pela quimioterapia, e uma proporção menor passou pela radioterapia. O estudo mostrou que o grupo vitamina C não sobreviveu por mais tempo que o grupo placebo. O tempo médio de sobrevivência foi de aproximadamente um mês, o qual é fundamentalmente o mesmo que no estudo inicial com vitamina C. Os dados de fato mostraram algo que foi de algum modo intrigante. Duas semanas após o início da terapia, alguns pacientes que receberam a vitamina C experimentaram uma melhoria substancial no apetite, força e alívio da dor. Entretanto, estas vantagens rapidamente se dissiparam tanto que por volta de 4-6 semanas, nenhuma vantagem significativa provinda da vitamina C permaneceu. Os pesquisadores concluíram que a vitamina C tinha proporcionado uma melhoria sintomática transitória no apetite e força para uma pequena proporção de pacientes tratados. Entretanto, a sobrevida não foi aumentada pela vitamina C [12].

Desse modo, três estudos prospectivos, randomizados, placebo-controlados envolvendo 367 pacientes não documentaram nenhum benefício consistente proveniente da vitamina C entre os pacientes de câncer com doença avançada. Além disso, altas doses de vitamina C podem ter efeitos adversos significativos. Altas doses orais podem causar diarréia. Tem sido relatado que altas dosagens intravenosas causam insuficiência renal devido ao bloqueio dos túbulos renais pelos cristais de oxalato [13,14].

Apesar destes fatos sólidos, muitos indivíduos ainda alegam que altas doses de vitamina C são úteis como um tratamento do câncer. É importante que os profissionais da saúde responsáveis esclareçam este assunto de modo que os pacientes não percam a assistência científica nem se coloquem em risco por usar um produto que não tem mérito algum.

Referências

1. Cameron E, Pauling L. Supplemental ascorbate in the supportive treatment of cancer: prolongation of survival times in terminal human cancer. Proceeding of the National Academy of Sciences 73:3685-3689, 1976.
2. Cameron E, Pauling L. Supplemental ascorbate in the supportive treatment of cancer: reevaluation of prolongation of survival times in terminal human cancer. Proceeding of the National Academy of Sciences 75:4538-4542, 1978.
3. Murata A, Morishige F, Yamaguchi H. Prolongation of survival times of terminal cancer patients by administration of large doses of ascorbate. International Journal for Vitamin and Nutrition Research. Supplement 23:101-113, 1982.
4. DeWys WD. How to evaluate a new treatment for cancer. Your Patient and Cancer 2(5):31-36, 1982.
5. Gelband H and others. Unconventional cancer treatments. Washington, D.C.: U.S. Government Printing Office, 1990, pages 120-127.
6. Creagan ET and others. Failure of high-dose vitamin C (ascorbic acid) therapy to benefit patients with advanced cancer. A controlled trial. New England Journal of Medicine 301:687-690, 1979.
7. Pauling L. Vitamin C therapy and advanced cancer (letter). New England Journal of Medicine 302:694, 1980.
8. Moertel CG, Creagan ET. Vitamin C therapy and advanced cancer (letter). New England Journal of Medicine 302:694-695, 1980.
9. Lowell J. Some notes on Linus Pauling. Nutrition Forum 2:33-36, 1985.
10. Moertel CG and others. Clinical studies of methanol extraction residue fraction of Bacillus Calmette-Guerin as an immunostimulant in patients with advanced cancer. Cancer Research 35:3075-3083, 1975.
11. Moertel CG and others. High-dose vitamin C versus placebo in the treatment of patients with advanced cancer who have had no prior chemotherapy. A randomized double-blind comparison. New England Journal of Medicine 312:137-141, 1985.
12. Tschetter L and others. A community-based study of vitamin C (ascorbic acid) in patients with advanced cancer. Proceedings of the American Society of Clinical Oncology 2:92, 1983.
13. McAllister CJ and others. Renal failure secondary to massive infusion of vitamin C. JAMA 252:1684, 1984.
14. Wong K and others. Acute oxalate nephropathy after a massive intravenous dose of vitamin C. Australian and New Zealand Journal of Medicine 24:410-411, 1994.

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Este artigo foi publicado originalmente em 7 de novembro de 1999.

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