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"Engenharia Alternativa"
Uma Parábola Pós-Moderna

Steven Novella, M.D.

Nota: As pessoas mencionadas nesta história são fictícias,
mas os perigos da pseudociência aplicada são reais.

Um novo fenômeno está invadido os EUA, ganhando a atenção tanto dos consumidores como dos fabricantes. Cada vez mais decepcionadas com o frio mundo metálico da tecnologia moderna, as pessoas estão olhando mais atentamente para alternativas mais naturais. Coletivamente chamada de Engenharia Alternativa ("Alt Eng"), uma grande variedade de métodos novos e antigos está ganhando respeitabilidade científica e jornalística. 

Alec Waterstone é um desses supostos engenheiros alternativos. Ele não tem nenhum diploma ou formação acadêmica em engenharia, o que, ele explica, é uma vantagem. "Meu pensamento não é limitado pela matemática, lógica ou qualquer enfadonho antigo paradigma mecanicista. Não tenho que render homenagens às preferências de Newton ou de outros pedagogos ocidentais. A ausência completa de treinamento me deixa livre para pensar em soluções únicas e inovadoras para problemas de engenharia, liberto dos irritantes limites da 'realidade.'"

Pontes Baseadas em Energia

O último projeto de Alec é uma ponte não-pênsil de 460 m. Ele afirma que a ponte será capaz de transpor esta distância sem pilares ou suspensões, e será sustentada somente pela antiga arte do Feng Shui. "Esta sabedoria, que tem milhares de anos, é a arte de canalizar energia através do design e da forma. Esta energia pode ser usada para suportar uma ponte de 460 m, ou mesmo estruturas maiores." Os planejadores urbanos estão intrigados por estes projetos, porque tais pontes custarão menos que a metade das pontes projetadas pela maneira convencional.

Alec também mostra que antigos documentos chineses não revelam absolutamente nenhum relato de pontes suspensas desmoronando. Ele argumenta que seus registros de segurança da técnica são sem paralelos. "Como poderia ter sobrevivido todos estes anos se não funcionasse?"

Anthony Trellis, professor de engenharia na Universidade Estado-da-Arte, alega que os projetos de Alec correm na direção contrária aos princípios básicos da física e da ciência dos materiais. Irritado, Trellis comentou que "uma ponte baseada nos projetos de Waterstone simplesmente não poderia se sustentar. Seria insegura ao extremo."

Mas Alec não se perturba com esssas críticas. "É claro que o professor Trellis não gosta dos meus projetos, porque eles desafiam seu precioso status quo e põem seu mundo de cabeça para baixo. Mas o protecionismo da velha guarda está começando a desmoronar, como também seus prédios obsoletos", ele retrucou em simpósio recente para pensadores progressistas que concordaram que aqueles que perdem o bonde da história serão deixados para trás. Seu discurso para uma platéia lotada acusou a American Society of Civil Engineers (Sociedade Americana de Engenheiros Civis), a indústria do aço e outros "interesses ocultos" de tentarem suprimir seus pontos de vista. 

Céticos têm sugerido que antes de gastar milhões de dólares do contribuinte nesses projetos, e sujeitar os motoristas americanos a riscos desconhecidos de dirigir por sobre uma ponte de Waterstone, os princípios básicos de Waterstone deveriam ao menos ser testados para ver se eles funcionam. Isto é especialmente correto uma vez que seus projetos parecem ir contra o senso comum. Mas Waterstorne responde:

Estou ocupado demais projetando pontes para ficar satisfazendo alguns céticos. Seja como for, eles nunca estarão satisfeitos. Os motoristas americanos deveriam ser livres para decidir se desejam dirigir por sobre uma de minhas pontes. Respeito sua inteligência e habilidade para tomarem decisões inteligentes sozinhos. Eles não precisam ser informados por algum burocrata, ou um professor em uma torre de marfim, sobre quais pontes são seguras e quais não.

Professor Trellis e outros opositores argumentam que os indivíduos não deveriam ter de ser cientistas ou engenheiros de modo a dirigir com segurança sobre nossas pontes. As regras não são feitas para limitar a liberdade, mas para oferecer um nível básico de segurança e proteção para o público. Esta atitude, todavia, está progressivamente sendo rejeitada como excessivamente paternalista e protecionista. 

Carros Intuitivos

Engenheiros civis não são o únicos a serem atraídos pela antiga sabedoria das sociedades pré-tecnológicas. A indústria automobilística também está se contagiando. Natural Designs é uma nova companhia automobilística com sede no Kansas. Seus presidente, Andy Wily, recebeu de Harvard um título acadêmico em engenharia 20 anos atrás, mas foi demitido de seu cargo subseqüente de professor após uso excessivo de drogas a ponto de quase destruir sua vida. Agora ele retornou com uma nova companhia e uma nova filosofia para a qual muitos consumidores se sentem atraídos.

"Estou defendendo uma mistura do melhor da engenharia científica moderna com as idéias anticientíficas e supersticiosas dos tempos antigos," explica Wily. "Chamo esta abordagem de Engenharia Integrativa."

O que foi que esta nova abordagem criou? O mais novo modelo sedan da Natural Design, o Millennium 2000, não usa air bags, nem cintos de segurança. "Cintos de segurança são perigosos, e air bags matam crianças," queixa-se Wily. Então ele apareceu com algo melhor. O interior do Millennium 2000 é revestido com um material psicoativo patenteado, chamado Natural Safe. "Tudo que o motorista ou os passageiros precisam fazer é ter pensamentos seguros, e este material milagroso fará o resto. Em um acidente, o material delicadamente conterá qualquer pessoa com pensamentos seguros no veículo, deixando-as livres de ferimentos", assegura Wily. 

Quando os céticos apontam as mortes ou invalidez dos passageiros do Millennium 2000, Wily responde que os passageiros claramente não estavam pensando tão "seguramente" como deveriam. "Além disso", acrescenta, "o Millennium 2000 corre a somente 80 km por hora em um bom dia deixando para trás um vento feliz. Se os motoristas que morreram estivessem dirigindo algo desenvolvido pelo Cartel Internacional dos Fabricantes de Automóveis como um Ford ou um Chevrolet, estariam indo muito mais rápido, com uma chance de morte ainda maior. Só quando a Ford parar de matar milhares de pessoas por ano em nossas estradas é que suas reclamações sobre nós parecerão algo além de proteção da sua fatia de mercado. Na verdade, temos aqui mesmo um estudo que mostra que se todos deixassem de dirigir amanhã, a taxa de morte cairia na América! Até convencermos o povo americano dos milhões mortos desnecessariamente pela moderna 'ciência automotiva', a Natural Safe permanece a escolha mais segura."

Muitos consumidores estão convencidos. Para não ficar para trás, a GM e a Ford começaram a colocar o revestimento da Natural Safe em seus carros. Amy Zinger, de Arkansas, sobreviveu a uma colisão frontal a 65 km/h em um destes veículos. "Estava usando meu cinto de segurança e o air bag abriu, mas eu sei que foi o Natural Safe que salvou minha vida", declarou recentemente. "Além disso", apontou, "se não funcionasse, sua venda não seria permitida." Motivados por testemunhos assim, cada vez mais consumidores estão insistindo em comprar somente carros com o Natural Safe.

Um problema enfrentado pela Natural Design, todavia, é que as antiquadas leis de segurança, como aquelas que exigem cintos de segurança, não mencionam estes novos projetos integrativos. Recentemente, entretanto, tudo isto tem mudado. O senador Hackem, de Iowa, estado natal da Natural Design, propôs a legislação que irá isentar os fabricantes que usam princípios alternativos ou integrativos de regulação planejada para proteger os consumidores. Isto foi aclamado como um grande passo à frente. 

Contudo, os céticos teimosos não desaparecerão. "Tudo que estou pedindo é um simples teste de colisão" exclamou um cético famoso, Perry DeAngelis. "Se a coisa realmente funciona, diacho, eu compro." Os céticos vêm cada vez mais pedindo tais testes, argumentando que o teste deveria ser realizado antes da implementação, especialmente quando vidas humanas estão em jogo.

Mas Wily explica o motivo pelo qual estes testes não funcionam. "Bonecos de testes não são pessoas. O material psicoativo portanto não responderá a eles. O fato é que estes projetos inovadores não podem ser submetidos aos mesmos testes e princípios como a engenharia tradicional. Mas os consumidores que dirigem nossos carros se sentem mais seguros. Como você pode argumentar contra isso?"

Contudo, DeAngelis aponta para estudos recentes que parecem indicar que os motoristas dos carros de Wily têm uma probabilidade duas vezes maior de morrer em um acidente que os motoristas de veículos convencionais. Mas Wily somente zomba disso, "no que você vai acreditar, números em um pedaço de papel, ou em pessoas?"

Conquistas Políticas

Apesar dos céticos, a Engenharia Alternativa parece que veio para ficar. Wily acabou de ser nomeado chefe do novo Departamento de Engenharia Integrativa na Zones University, onde ele espera treinar a nova geração de engenheiros em sua filosofia. Enquanto isso, o senador Hackem apresentou ao Congresso um projeto de lei para criar o Centro de Engenharia Alternativa. Este novo departamento irá impedir que dinheiro seja desperdiçado na manutenção da infra-estrutura do país e seja usado para estudar e promover os princípios alternativos na engenharia. 

Finalmente, no que é caracterizado como um marco na produção, o Canadian College of Rainbow-Coloured Integrative Engineering -- após passar mais de 100 anos como um pária científico -- está finalizando negociações para se tornar parte da prestigiosa Dork University. Apesar dos gritos de consternação da faculdade de ciência e matemática da Dork e de diversos laureados com o Nobel, o conselho de Dork avança com seus planos de afiliação. Os 25 milhões de dólares que os Engenheiros Integrativos prometeram doar á Universidade não têm, de acordo com o presidente da Dork, influenciado o acordo. O presidente caracterizou os críticos da Engenharia Integrativa como "chorões" que expõem "desinformação há muito refutada" sobre a Engenharia Alternativa. 

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Dr. Novella é Professor Assistente de Neurologia na Escola de Medicina da Yale University e editor associado da Scientific Review of Alternative Medicine.

 

Resposta do Leitor

Logo após publicar o artigo acima, recebemos esta mensagem urgente de Lewis Jones, um escritor britânico de ciência, familiar com o trabalho de Waterstone:

Aqui na Inglaterra, tivemos um DEA (Departamento de Engenharia Alternativa) por muitos anos, como um departamento do Ministro de Trabalhos Civis. Alec Waterstone começou a trabalhar aqui como funcionário civil júnior, e primeiro aprendeu as técnicas da Engenharia Alternativa enquanto estava a trabalho em Pequim. Conheci-o bem, e admirava as idéias inovadoras que logo revolucionaram o conceito completo de engenharia nas universidades inglesas. Que pena, a fascinação de ficar rico foi demais para ele, e não foi muito antes dele partir para os Estados Unidos como parte da notória Drenagem Cerebral.

Todavia suas idéias ainda ressoam deste lado do Atlântico. Trabalhando via satélite, Alec foi responsável pela excitante idéia de girar o London Eye (a colossal roda-gigante que acabara de ser construída nas margens do Tamisa) apenas pelo poder do pensamento. Era para começar a girar na meia-noite da véspera do ano novo. Entretanto, na época desta carta (4 de janeiro de 2000), ainda não se moveu -- um lamentável efeito da falta de concentração que é tão comum entre os cidadãos de hoje, muitos dos quais pareciam estar mais atentos aos fogos de artifício e focalizando sua atenção sobre as taças de licor em suas mãos. Esse foi um golpe duro para Alec. Onde está a gratidão?

Waterstone mostrou por investigações rigidamente controladas que pontes, em particular, foram especialmente receptivas às suas teorias. Os registros mostram que durante os estágios de construção da Tacoma Narrows Bridge, por exemplo, os "vetores de Waterstone" foram irracionalmente rejeitados pelos engenheiros da corrente principal da época. Procure nos documentos de planejamento, como tenho feito, e você não encontrará um único papel de aprovação da técnica. Para ver os resultados de tais repúdios arbitrários do pensamento moderno, assista o infame filme dos últimos momentos da ponte -- isto é, se você conseguir encontrar uma cópia do filme, que os cientistas de mente fechada têm tentado comprar e destruir desde que a ponte obteve por si mesma o nome "Gertie Galopante" e partiu-se em pedaços em 1940 -- um evento que eles são completamente incapazes de explicar.

É inteiramente devido a Alec Waterstone que na Inglaterra temos um grande número de pontes giratórias (ou seja, pontes cujos centros se apóiam em um pivô no meio do rio, permitindo que a ponte inteira seja girada em qualquer ângulo). Isto significa que a ponte pode ser rodada para qualquer posição desejada para se alinhar com os canais de energia prevalentes. Esta subvariante do Feng Shui se aplica especificamente para movimentos sobre a água, e tornou-se internacionalmente conhecido como Swung Phooey. Em casos extremos, uma ponte giratória pode ser rodada 90° para ser posicionada paralelamente às margens do rio. Estou perfeitamente informado de que nenhum evento adverso jamais ocorreu para alguém que estivesse atravessando uma ponte giratória nesta orientação.

Não é muito conhecido o fato de que a orientação Swung Phooey é aplicável às três dimensões. A Tower Bridge de Londres é conhecida localmente como Waterstone, porque suas duas partes são periodicamente elevadas para acomodar os fluxos energéticos que são ocasionalmente dragados para cima assim que correm rio abaixo durante condições atmosféricas raras. 

Alec -- se você ler isto, por favor volte. Precisamos de você! 

Quackwatch em português

Está página foi revisada em 22 de outubro de 2000.

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