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Charlatanismo e Fraudes Ligados à AIDS 

Stephen Barrett, M.D.

A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS/SIDA) é uma doença fatal causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Este organismo pode permanecer no corpo de uma pessoa por anos antes que os sintomas apareçam e o indivíduo seja considerado como tendo AIDS. O vírus rompe o funcionamento do sistema imunológico do corpo, trazendo ao indivíduo infectado uma incapacidade progressiva em resistir organismos que normalmente seriam inofensivos. 

A maioria das pessoas infectadas com o HIV são adultos em seus vinte, trinta ou quarenta anos, mas a doença pode ocorrer em qualquer idade. O estágio inicial da doença é uma moléstia passageira que tipicamente inclui febre, dor de garganta, erupção cutânea, inchaço de linfonodos, cefaléia e indisposição. Esta fase, denominada síndrome do HIV agudo, normalmente dura uma ou duas semanas e é seguida por um período no qual o vírus continua se multiplicando mas não causa nenhum sintoma. O tempo médio do período livre de sintomas em indivíduos não tratados é de cerca de dez anos, mas a doença progride muito mais depressa em algumas pessoas e pode permanecer quiescente  em uma pequena porcentagem de outras. Dessa forma, em qualquer época dada, a maioria dos indivíduos que carregam o vírus da AIDS não exibem nenhum sinal de doença. Entretanto, independente do estágio da doença, uma pessoa infectada pode transmitir o vírus para outras.

Uma vez que os sintomas clínicos apareçam, o curso da doença pode variar consideravelmente, dependendo em parte da extensão do dano imunológico e do tratamento recebido pelo paciente. Posteriormente a maioria das pessoas com AIDS emagrecem, cansam-se facilmente e ficam propensas a diarréia, inchaço dos linfonodos e infecções múltiplas. Pneumonia por Pneumocystis carinii, outras infecções oportunistas e um câncer de pele chamado sarcoma de Kaposi são complicações que ameaçam a vida. Além disso, alguns pacientes sofrem de demência. Infecções oportunistas são causadas por organismos que normalmente são inofensivos mas que conseguem prosperar quando a imunidade está enfraquecida. 

Encontrar uma cura para AIDS tem sido muito difícil porque o HIV infecta diversos tipos de células e insere uma cópia de si mesmo no interior do material genético (DNA) das células. Isto "induz" as células a tratarem os genes do vírus como se fossem seus próprios genes. O vírus está então a salvo do ataque do sistema imunológico do corpo e é reproduzido a cada vez que as células do hospedeiro se reproduzem. 

Apesar de nenhuma cura para a AIDS ter sido encontrada, progressos significativos foram feitos. O tratamento precoce de indivíduos infectados pelo HIV pode retardar o início da AIDS e aumentar o tempo de sobrevivência. Progressos também tem sido feitos na prevenção ou no combate a pneumonia por Pneumocystis carinii e várias outras infecções ligadas à AIDS.

Charlatanismo e Fraude

O fato da AIDS causar grande sofrimento e ser fatal tem encorajado o comércio de centenas de remédios não comprovados às vítimas da AIDS. Além disso, muitas companhias da indústria do "alimento-saudável" tem produzido preparados de vitaminas que alegam "fortalecer o sistema imunológico" de pessoas saudáveis. John Renner, M.D., presidente do Consumer Health Information Research Institute, que participou de encontros de grupos que promovem métodos não ortodoxos, comentou que "muitos dos charlatões especialistas em artrite, câncer e doenças cardíacas tem agora se voltado para a AIDS" e que "cada remédio charlatanesco parece ter sido convertido em um tratamento para a AIDS." As "curas" que ele observou incluíam algas ciano-esverdeadas processadas (massas de filamentos vegetais nas águas represadas), peróxido de hidrogênio, BHT (um antioxidante usado como preservante de alimentos), pílulas derivadas de camundongos que receberam o vírus da AIDS, cápsulas de ervas, frascos de "células T" e batidas sobre o timo [1]. Algumas empresas têm se oferecido para congelar e estocar a medula óssea, alegando que poderia ser usada para restaurar a  medula de uma vítima da AIDS quando a AIDS começasse a exaurir o suprimento da medula óssea do corpo, a qual produz as células sangüíneas do organismo.

Muitas clínicas mexicanas de câncer oferecem seus tratamentos não comprovados às vítimas da AIDS, e um mercado negro de drogas vêm se desenvolvendo, drogas que apontam promessas mas não possuem a aprovação do FDA porque a agência não está convencida que elas seja seguras e eficazes. Diversas drogas disponíveis sem prescrição no México estão sendo contrabandeadas para dentro dos Estados Unidos. As drogas também são importadas através "clubes de compradores," que obtêm as drogas de outros países onde elas são legalmente prescritas ou usadas em ensaios clínicos. Clubes de compradores "legítimos" exigem uma prescrição dada por um médico americano que supervisiona a assistência aos pacientes. Entretanto, alguns clubes de compradores obtêm drogas para pessoas que não estão sob os cuidados médicos. Alguns também fornecem drogas às vítimas de câncer, doença de Alzheimer, síndrome da fadiga crônica e outras doenças. O FDA parece disposto a permitir que os clubes de compradores atuem, mesmo que tecnicamente ilegais, providenciando: (1) que os sócios estejam adquirindo drogas para seu próprio uso sob supervisão médica; (2) que o clube não comercialize ou promova seus produtos; e (3) os produtos não apresentem riscos de segurança "excessivos" [2,3].

Alguns empresários tem tentado explorar o medo do público de adquirir AIDS. Capas para  assentos de banheiro e para o bocal de telefones públicos vem sendo comercializados com alegações que elas prevenirão a transmissão do vírus da AIDS. Tais produtos são inúteis porque a AIDS não é transmitida desta maneira. Tampouco pode ser transmitida por meio de uma picada de mosquito. Barreiras dentais de borracha para prevenir o contato direto durante o sexo oral-genital têm sido comercializadas apesar da minúscula probabilidade da transmissão do HIV por esta rota. 

Algumas pessoas tem vendido ações de companhias falsamente alegadas de terem desenvolvido um método eficaz de diagnóstico ou tratamento das infecções por HIV. Diversos indivíduos e grupos tem alegado que o Exército dos EUA, a Central Intelligence Agency (CIA), a Organização Mundial da Saúde e agentes russos têm conspirado de várias maneiras para eliminar negros ou gays por introduzir o HIV em vacinas para varíola, poliomielite e/ou hepatite [4]. Alguns céticos tem até mesmo alegado que o HIV não é a causa da AIDS [5]. 

Diversos estudos tem demonstrado que uma porcentagem significativa de pessoas com AIDS usam tratamento não comprovados:

Muitos varejistas de alimentos-saudáveis alegam possuir produtos que podem ajudar os pacientes infectados com HIV por fortalecer seus sistemas imunológicos. Esta alegação é falsa. Em 1989, voluntários do Consumer Health Education Council telefonaram para 41 lojas de alimentos-saudáveis da área de Houston e pediram para falar com a pessoa responsável pelo aconselhamento nutricional. Os voluntários explicaram que tinha um irmão com AIDS que estava procurando um tratamento alternativo eficaz para o HIV. Os voluntários também explicaram que a esposa do irmão ainda estava fazendo sexo com seu marido e estava procurando produtos que pudessem reduzir o risco dela ser infectada, ou torná-lo impossível. Todos os 41 varejistas ofereceram produtos que diziam poder beneficiar o sistema imunológico do irmão, melhorar a imunidade da mulher e protegê-la contra o perigo do HIV. Os produtos recomendados incluíam vitaminas (41 lojas), vitamina C (38 lojas), "estimuladores imunológicos" (38 lojas), coenzima Q10 (26 lojas), germânio (26 lojas), lecitina (19 lojas), ornitina e/ou arginina (9 lojas), ácido gama-linolênico (7 lojas), "glândulas in natura" (7 lojas), peróxido de hidrogênio (5 lojas), sais celulares homeopáticos (5 lojas), remédios com florais de Bach (4 lojas), algas anil-esverdeadas (4 lojas), cisteína (3 lojas) e banhos com ervas (2 lojas). Trinta varejista disseram que possuíam produtos que poderiam curar a AIDS. Nenhum recomendou abstinência ou uso de um preservativo [10]. Mais recentemente, pesquisadores da University of Alabama (Birmingham) perguntaram para funcionários de 20 lojas locais de alimentos-saudáveis em Birmingham o que eles recomendavam para pessoas com AIDS. Novamente, uma grande variedade de ervas e outros produtos foram recomendados [11].

Ações Reguladoras 

Em 1996, o Procurador Geral do Massachusetts obteve um mandado de prisão contra Marjorie Phillips de Brockton, Massachusetts, após a acusação que ela estava engajada em fraude ao consumidor na internet. Seu site "New Discoveries" (Novas Descobertas) trazia anúncios sobre a causa e a cura da infecção pelo HIV. Uma versão do anúncio proclamava que os compradores se tornariam "HIV Negativo em Seis Semanas!" Phillips mais adiante anunciou que a infecção por HIV era causada por um verme que poderia ser eliminado pelo uso de ervas ou pela administração de SyncroZap, um aparelho que funciona com uma bateria de 9 volts que poderia eliminar os vermes em sete minutos [12]. 

Diversas companhias têm comercializado produtos espúrios de exames para uso domiciliar. Em 1989, o Federal Trade Commission (FTC) fez um acordo no qual três pessoas concordaram em parar de comercializar seus kits de exame "Medico" e pagar 62 mil dólares em indenizações aos consumidores [13]. Em 1997, o FDA alertou farmacêuticos e consumidores sobre o "Lei-Home Access HIV Test,"  que estava sendo ilegalmente vendido pela Lei-Home Access Care, uma divisão da Jin-Greene Biotechnology, Inc. de Sunnyvale, Califórnia [14].

Em 1999, o FTC anunciou que tinha testado diversos kits anunciados na internet e descobriu que eles não funcionavam. Em cada um dos casos, os kits mostraram um resultado negativo quando utilizado em uma amostra conhecidamente HIV positiva -- isto é, quando eles deveriam ter mostrado um resultado positivo. Estes kits podem dar as pessoas, que possam estar infectadas, a falsa impressão que elas não estão [15]. Em fevereiro de 1999, um juiz federal sentenciou Larry Greene, 51, de Los Banos, Califórnia, a 63 meses de prisão por comercializar kits não aprovados e fornecer resultados de exames falsos para diversos compradores [16,17]. O FDA publicou um alerta público sobre um destes produtos, o EZ MedTest distribuído pela Cyberlinx Marketing, Inc., de Las Vegas, Nevada [18].

Apesar dos anúncios de kits caseiros possam dizer que eles estão à venda somente para fora dos EUA, consumidores nos EUA têm conseguido comprá-los. Alguns anúncios declaram ou afirmam que os kits foram aprovados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ou uma organização de saúde similar e bem conhecida, ou que os kits de exame domiciliar têm a aprovação do FDA. A OMS não aprovou ou licenciou os kits de exame do HIV. Entretanto, não foi aprovado nenhum kit de exame do HIV onde o exame é feito pelo usuário. O FDA aprovou o Home Access Express HIV-1 Test System, no qual o usuário coleta a amostra em casa mas a envia para análise em um laboratório. 

Em julho de 1999, Allen J. Hoffman, Odus M. Hennessee e Donald L. MacNay, M.D., foram indiciados por acusações criminais de conspirarem ao cometerem violações das leis federais de drogas em associação com a promoção, venda e distribuição do "T-UP," um concentrado de babosa (Aloe vera) que eles alegavam ser eficaz contra o câncer, AIDS, herpes e outras desordens auto-imunes [19]. De acordo com o indiciação:

MacNay, que exercia cirurgia ortopédica em Manassas, Virgínia, teve sua licença revogada em fevereiro de 1998 pelo Virginia Board of Medicine, que citou fraude, conduta não profissional e imperícia grosseira. Quatro pacientes que ele havia tratado em 1997 morreram logo após terem recebido sua terapia com babosa. 

Para Informações Adicionais

Referências

1. Segal M. Defrauding the desperate. FDA Consumer 21(8):17-19, 1987.
2. Braun, JF and others. A guide to underground AIDS therapies. Patient Care 27(12):53­70, 1993.
3. Wycoff RF. Testimony before the Subcommittee on Crime and Criminal Justice, Committee on the Judiciary, U.S. House of Representatives, May 27, 1993.
4. Sampson WI. AIDS fraud, finances, and fringes. New York State Medical Journal of Medicine 99:92­95, 1993.
5. Harris SB. The AIDS heresies: A case study in skepticism taken too far. Skeptic 3(3):42­79, 1995.
6. Hand R. Alternative therapies used by patients with AIDS. New England Journal of Medicine 320:672­673, 1989.
7. Rowlands C, Powderly WG. The use of alternative therapies by HIV-positive patients attending the St. Louis AIDS Clinical Trials Unit. Missouri Medicine 88:807-810, 1991.
8. Kassler WJ and others. The use of medicinal herbs by human immunodeficiency virus-infected patients. Archives of Internal Medicine 151:2281-2288, 1991.
9. Wolffers I, de Moree S. Alternative treatment as contribution to care of pwHIV/AIDS. International Conference on AIDS 10(2):66 (abstract no. 540B), 1994.
10. Martin N. AIDS fraud rampant in Houston. Nutrition Forum 7:16, 1990.
11. Phillips LG, Nichols, MH, King WD. Herbs and HIV: the health food industry's answer. Southern Medical Journal 88:911-913, 1995.
12. Massachusetts Attorney General news release, April 3, 1996.
13. FTC cites false claims for purported "in-home" aids diagnostic test; court-filed judgments settle charges. FTC news release, Oct 3, 1989.
14. FDA. FDA warns consumers about two unapproved home-use test kits. News release, Sept 26, 1997.
15. Federal Trade Commission. Home Use Tests for HIV Can Be Inaccurate, FTC Warns. FTC Consumer Alert, June 1999.
16. U.S. Department of Justice. Businessman sentenced to over five years: Selling bogus HIV-testing kits. News release, Feb 17, 1999.
17. Kurzweil P. Internet sales of bogus HIV test kits result in first-of-kind wire fraud conviction. FDA Consumer 33(4):34-35, 1999.
18. Michaels DM. Warning: HIV Rapid Home-Use test kits distributed by Cyberlinx Marketing, Inc. cannot be trusted. Do not use them! July 6, 1999.
19. U.S. Department of Justice. Indictments in "T-Up" Case. News release, July 7, 1999.
 

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Este artigo foi atualizado no site original em 18 de dezembro de 1999.

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