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Mais de 500 anos depois que os europeus invadiram as Américas, os nativos, os povos indígenas, (ou melhor, os poucos descendentes que sobreviveram ao massacre), vivem às margens da sociedade. Eles são os mais pobres dos pobres, os mais enfermos dos enfermos, os povos mais despossuídos das populações do chamado "Novo Mundo".
Muitos de nós esquecemos que os chamados "índios", e não os africanos, foram os primeiros escravos das Américas. Foram forçados pelo almirante Cristóvão Colombo e cia. a cavar em busca de ouro, e, se julgavam que não estavam sendo produtivos, lhes amputavam as mãos. Esta injustiça de Colombo deu início ao genocídio de incalculáveis milhões de nativos, e transformou um antigo mundo "índio" em um novo e branco. Desde então, cada pais destas américas, Canadá, Estados Unidos, México, Brasil, Chile, Argentina, Bolívia, etc. descansam sobre os ossos destroçados do genocídio dos nativos e podem ser vistos como uma Nova Europa (Canadá=Nova Grã Bretanha e Nova França; EE.UU.=Nova Inglaterra e Nova França; Brasil=Novo Portugual; México, Chile, Argentina, Bolívia, etc. =Nova Espanha) pela importação massiva de europeus, dizimação dos nativos, e a exploração forçada e escravidão dos africanos.
No extremo sul do México, no estado de Chiapas, um movimento revolucionário indígena está crescendo, ativado pelos pobres "índios" maias, que estão introduzindo uma vitalidade impressionante na tradição revolucionária. Em julho-agosto de 1996, os zapatistas convocaram o Primeiro Encontro Intercontinental pela Humanidade e Contra o Neoliberalismo em Chiapas. Em seu discurso inaugural, despontou diante dos delegados de inúmeros países algo verdadeiramente comovedor em sua visão e profundo em seu poder poético.
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"QUEREMOS NOS APRESENTAR.
SOMOS O EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL.
DURANTE 10 ANOS VIVEMOS NESTAS MONTANHAS, NOS PREPARANDO PARA A GUERRA.
DENTRO DESTAS MONTANHAS CONSTRUÍMOS UM EXÉRCITO.
LÁ EMBAIXO, NAS CIDADES E NAS FAZENDAS, NÃO EXISTÍAMOS.
NOSSAS VIDAS VALIAM MENOS QUE MÁQUINAS E ANIMAIS.
NÃO TÍNHAMOS PALAVRA.
NÃO TÍNHAMOS ROSTO.
NÃO TÍNHAMOS NOME.
NÃO TÍNHAMOS AMANHÃ.
NÃO EXISTÍAMOS.
PARA O PODER, QUE HOJE SE CHAMA "NEOLIBERALISMO", NÓS NÃO CONTÁVAMOS, NÃO PRODUZÍAMOS, NÃO COMPRÁVAMOS, NÃO VENDÍAMOS.
ÉRAMOS UM NÚMERO INÚTIL PARA AS CONTAS DO GRANDE CAPITAL.
ENTÃO SUBIMOS À MONTANHA PARA BUSCAR O BEM E PARA ENCONTRAR ALÍVIO PARA NOSSA DOR DE SERMOS PEDRAS E MATO ESQUECIDO.
AQUI, NAS MONTANHAS DO SUDESTE MEXICANO, VIVEM NOSSOS MORTOS. MUITAS COISAS SABEM NOSSOS MORTOS QUE VIVEM NESTAS MONTANHAS.
NOS FALA SUA MORTE E NÓS ESCUTAMOS.
TRILHAS QUE FALAM NOS CONTARAM OUTRA HISTÓRIA QUE APONTA PARA O AMANHÃ.
NOS FALA A MONTANHA, PARA NÓS OS MACEHUALOB, PARA NÓS QUE SOMOS GENTE COMUM DO POVO.
PARA NÓS QUE SOMOS GENTE SIMPLES, COMO DIZEM OS PODEROSOS.
DIA APÓS DIA, NOITE APÓS NOITE, CONTINUAM A NOS DESTRUIR DESDE QUE INICIARAM ESSA BRUTAL INVASÃO.
KAZ-DZUL, O HOMEM FALSO, GOVERNA NOSSAS TERRAS E TEM GRANDES MÁQUINAS DE GUERRA. JUNTAMENTE COM O BOOB, QUE É METADE PUMA E METADE CAVALO, ESPALHAM DOR E MORTE ENTRE NÓS.
O FALSO QUE É GOVERNO NOS MANDA OS ALUXOB, OS MENTIROSOS QUE ENGANAM E RELEGAM NOSSA GENTE AO ESQUECIMENTO.
POR ISSO SOMOS SOLDADOS.
PORQUE NÃO QUEREMOS MAIS MORTE E ENGANO PARA OS NOSSOS, PORQUE NÃO QUEREMOS O ESQUECIMENTO.
A MONTANHA NOS FALOU DE PEGARMOS EM ARMAS PARA ASSIM TERMOS VOZ.
NOS FALOU DE COBRIRMOS A CARA PARA ASSIM TERMOS ROSTO.
NOS FALOU DE ESQUECERMOS NOSSO NOME PARA ASSIM SERMOS RECONHECIDOS.
NOS FALOU DE PRESERVARMOS NOSSO PASSADO PARA ASSIM TERMOS MANHÃ.
SOMOS ASSIM.
O EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL.
A VOZ QUE SE ARMA PARA SE FAZER OUVIR.…
O ROSTO QUE SE ESCONDE PARA SER VISTO.
O NOME QUE SE CALA PARA SER IDENTIFICADO.
A ESTRELA VERMELHA QUE CHAMA O HOMEM AO MUNDO, E QUE CHAMA O MUNDO A OUVIR, A VER, A SABER.
O AMANHÃ QUE DESPONTA NO RECONHECIMENTO."
A palavra zapatista vem do nome do revolucionário "índio" Emiliano Zapata (1879-1919), que sob o lema "Terra e Liberdade" lutou contra o ditador Porfirio Diaz. A fonte de inspiração da força, metáforas e visão zapatistas vêm dos segmentos mais oprimidos da vida mexicana e dos indígenas remanescentes que ainda sobrevivem após esses 500 anos de massacre.
O simples fato de existirem é quase um milagre. Os zapatistas acrescentam algo de maravilhoso à mesa da vida.
(maio 1997- tradução: Imprensa Novo Amanhecer). Adaptação
para a lingua portuguesa: Projeto Periferia
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railtong@g.com